- Mas estou dizendo Joseph, não foi acidente.
Ambos estávamos no jardim novamente, matando o tempo até o Jornal Oficial. Esperei o dia inteiro para encontrar um momento em que pudesse conversar com ele.
— Ela pareceu triste, e pediu tantas desculpas — ele argumentou. — Como pode não ter sido acidente?
Bufei de irritação.
— Estou dizendo. Vejo Blanda todos os dias, e aquele foi seu jeito discreto de arruinar os quinze minutos de fama de Selena. Ela é supercompetitiva.
— Bem, se a intenção dela era tirar minha atenção de Selena, falhou. Passei quase uma hora com a garota. Bem agradável, por sinal.
Eu não queria saber disso. Tinha certeza de que existia uma ligação tênue entre nós, e não queria falar de nada que pudesse mudá-la. Não até que eu entendesse meus sentimentos.
— E quanto a Anna? — perguntei.
— Quem?
— Anna Farmer. Ela bateu em Blanda e você a enxotou, lembra? Sei que Anna foi provocada.
— Você ouviu Blanda falar alguma coisa? — indagou Joseph, com voz cética.
— Bem... não. Mas eu conhecia Anna e conheço Blanda. Anna não é o tipo de pessoa que parte direto para a violência. Blanda deve ter dito algo muito maldoso para ela reagir daquele jeito.
— Demetria, estou ciente de que você passa mais tempo com as meninas do que eu, mas você realmente as conhece? Sei que gosta de ficar escondida no quarto ou na biblioteca. Ouso dizer que tem mais intimidade com as criadas do que com qualquer uma das Selecionadas.
Ele provavelmente tinha razão, mas eu não ia recuar.
— Isso não é justo. Eu estava certa quanto a Miley, não estava? Ela não é uma garota legal?
Ele fez uma careta:
— É, ela é legal... acho.
— Então por que não acredita em mim quando digo que Blanda agiu de propósito?
— Demetria, não é que eu ache que você esteja mentindo. Tenho certeza de que acha que foi de propósito. Mas Blanda pediu desculpas. E ela sempre é boa comigo.
— Aposto que é — resmunguei baixo.
— Chega — disse Joseph, com um suspiro de enfado. — Não quero falar das outras agora.
— Ela tentou tomar meu vestido — reclamei.
— Eu já disse que não quero falar dela — o príncipe rebateu com raiva. Isso era o máximo que eu ia conseguir. Bufei e dei um tapa na minha própria perna. Estava tão frustrada que queria gritar.
— Se vai agir assim, vou procurar alguém que realmente queira a minha companhia — ele disparou, e começou a se afastar.
— Ei!
— Não! — Joseph se voltou para mim e falou com uma voz tão forte que eu nunca imaginaria que pudesse sair dele. — Você se esquece de sua situação, senhorita Demetria. Faria bem a você lembrar-se de que sou o príncipe herdeiro de Illéa. Para todos os efeitos e finalidades, sou o senhor e mestre deste país, e seria um coitado se deixasse você me tratar assim em minha própria casa. Não precisa concordar com minhas decisões, mas
deve submeter-se a elas.
Ele se virou e saiu. Não viu — ou não quis ver — as lágrimas que enchiam meus olhos.
Não olhei para Joseph no jantar, mas era difícil ignorá-lo durante o Jornal Oficial. Peguei-o olhando para mim duas vezes, e em ambas ele mexeu na orelha. Não correspondi. Não queria falar com ele. Minha única expectativa para a conversa era mais uma bronca, e eu não precisava daquilo.
Fui para meu quarto assim que o programa terminou, tão irritada com ele que mal conseguia pensar. Por que não me escutava? Será que me considerava uma mentirosa? Pior: será que pensava que Blanda jamais mentiria?
Talvez Joseph fosse apenas um cara normal, e Blanda apenas uma garota bonita. No fim das contas, a beleza dela prevalecia. Depois de toda aquela história de querer uma alma gêmea, quem sabe ele não queria mesmo era um corpo sem alma?
E se ele era esse tipo de pessoa, por que me incomodar? Burra, burra, burra! E eu o tinha beijado! E tinha prometido a ele que teria paciência! E para quê? Eu só...
Virei no corredor onde ficava meu quarto e lá estava Nicholas, de pé ao lado da porta. Toda a minha fúria se desfez em uma estranha incerteza. Pelo regulamento, os guardas deviam olhar para a frente e ficar em posição de sentido. Mas Nicholas estava olhando para mim com uma expressão indecifrável no rosto.
— Senhorita Demetria — ele sussurrou.
— Soldado Leger.
Apesar de não ser sua função, ele se esticou para abrir a porta. Entrei no quarto lentamente, como que com medo de dar-lhe as costas, com medo de que ele não fosse real. Depois de todo o esforço para expulsá-lo da minha cabeça e do meu coração, só queria que ele ficasse comigo naquele momento. Ao cruzar a porta, senti sua respiração próxima do meu cabelo. Ela me provocou calafrios.
Ele olhou fixamente meus olhos e fechou a porta devagar.
Era inútil querer dormir. Contorci-me durante horas enquanto a estupidez de Joseph e a proximidade de Nicholas lutavam em minha cabeça. Não sabia o que fazer em nenhum dos casos. Meus pensamentos prenderam tanto a minha atenção que nem percebi que os fiquei ruminando até bem depois das duas da manhã.
Suspirei. Minhas criadas teriam que se esforçar mais para me deixar com boa aparência de manhã.
De repente, vi uma luz no corredor. Nicholas abriu a porta tão silenciosamente que pensei que estava sonhando. Ele entrou e a fechou novamente.
— Nicholas, o que está fazendo? — falei em voz alta enquanto ele avançava na minha direção. — Você vai se meter em uma encrenca enorme se for pego aqui!
Ele continuou avançando em silêncio.
— Nicholas...
Ele se deteve em frente à minha cama. Sem um ruído, depositou a lança no chão.
— Você o ama?
Olhei para os olhos profundos dele, quase invisíveis na escuridão. Por uma fração de segundo, não soube o que dizer.
— Não.
Ele puxou meus cobertores com um gesto violento e gracioso ao mesmo tempo. Eu deveria ter reclamado, mas não o fiz. Sua mão estava atrás da minha cabeça, forçando meu rosto na direção dele. Nicholas me beijou ardentemente, e tudo o que havia de bom no mundo pareceu voltar à vida. Ele já não cheirava a sabonete caseiro e estava mais forte do que antes, mas cada movimento, cada toque, era familiar.
Retomei o fôlego por um breve momento enquanto os lábios dele passeavam por meu pescoço.
— Eles vão matar você por fazer isso.
— E eu vou morrer se não fizer.
Tentei reunir forças para mandá-lo parar, mas sabia que minhas tentativas não seriam sinceras. Havia mil coisas erradas naquele momento:
quebrávamos várias regras; Nicholas, até onde eu sabia, tinha namorada; Joseph e eu nutríamos algum sentimento mútuo. Mas eu não conseguia ficar preocupada. Estava zangada com o príncipe, e Nicholas era tão reconfortante. Só fiquei ali e deixei as mãos dele subirem e descerem pelas minhas pernas.
Aquilo era diferente. Nunca havíamos tido tanto espaço.
Mesmo naquela situação, podia sentir os pensamentos se revolvendo em minha cabeça. Estava com raiva de Joseph, de Blanda e até de Nicholas. Droga, eu tinha raiva de Illéa. Enquanto nos beijávamos, comecei a chorar.
Nicholas não tirou seus lábios dos meus, e logo algumas das lágrimas eram dele.
— Odeio você, sabia? — eu disse.
— Eu sei, Meri. Eu sei.
Meri. Seu toque, o modo como me chamava... Eu me sentia em outra dimensão. Apesar do meu estado de nervos, a companhia de Nicholas me levava de volta para casa.
Continuamos por quase quinze minutos antes de ele cair em si.
— Preciso voltar. Os guardas que fazem a ronda esperam me ver à porta.
— O quê?
— Há guardas que fazem rondas aleatórias. Posso ter vinte minutos. Posso ter uma hora. Se a ronda for curta, posso ter menos de cinco minutos.
— Rápido! — apressei-o, aos pulos, na tentativa de ajudá-lo a endireitar o cabelo.
Ele pegou a lança e corremos pelo quarto. Antes de abrir a porta, ele me puxou para mais um beijo. Parecia que minhas veias tinham sido invadidas pela luz do sol.
— Não posso acreditar que você está aqui.
Nicholas balançou a cabeça.
— Acredite em mim: ninguém ficou mais surpreso que eu.
— Duvido.
Sorrimos juntos.
— Como você acabou na guarda do palácio? — perguntei.
Ele deu de ombros:
— Parece que nasci para isso. Eles mandam todos os recrutas para aquele centro de treinamento em Whites. Demetria, tudo estava coberto de neve, e não eram aquelas nevascas leves de casa. Os novos soldados são treinados e testados. Também levam injeções. Não sei do que eram, mas fiquei forte bem rápido. Sou um combatente duro e inteligente. Fiquei em primeiro na minha turma.
Sorri orgulhosa:
— Não me surpreendo.
Beijei-o mais uma vez. Nicholas sempre foi bom demais para levar uma vida de Seis.
Ele abriu a porta e conferiu o corredor. Parecia vazio.
— Tenho tanto para contar. Precisamos conversar — cochichei.
— Eu sei. E vamos. Pode demorar um pouco, mas voltarei. Não esta noite, mas em breve.
Nicholas me beijou mais uma vez, tão forte que quase doeu.
— Senti saudades — ele sussurrou com os lábios próximos dos meus antes de voltar a seu posto.
Voltei para a cama atordoada. Não podia acreditar no que tinha acabado de fazer. Parte de mim — a mais nervosa — achava que Joseph tinha merecido. Se ele estava a fim de poupar Blanda e me humilhar, então eu não participaria da Seleção por muito tempo mais. Se ele podia achar brechas nas regras, então nada mais me deteria. Problema resolvido.
Sentindo um cansaço instantâneo, adormeci em pouco tempo
NÃO ACREDITOOO...
ResponderExcluirNicholas, seu safado..
Não pode sair agarrando a menina assim..
E agora??
Posta Logooo
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