Ao acordar na manhã seguinte, senti minhas pálpebras pesadas. Esfreguei os olhos para me livrar daquele resto de mágoa, feliz por ter contado tudo a Joseph. Parecia estranho que o palácio — aquela bela jaula — fosse o único lugar onde eu podia me abrir de verdade sobre meus sentimentos.
A promessa feita pelo príncipe na noite anterior me dava a certeza de que eu ficaria segura ali. Todo esse processo de filtrar trinta e cinco garotas para escolher uma consumiria semanas, talvez meses. Tempo e espaço eram tudo que ele precisava. Eu não tinha muita certeza de que conseguiria esquecer Nicholas. Ouvi minha mãe dizer que o primeiro amor permanece para sempre. Mas talvez com o tempo eu voltasse a me sentir normal mais cedo ou mais tarde.
Minhas criadas não perguntaram nada sobre meus olhos inchados; apenas cuidaram para que voltassem ao normal. Não falaram do meu cabelo bagunçado; apenas o ajeitaram. Apreciei esse gesto. Não era como em casa, onde todos viam minha tristeza e não faziam nada a respeito. Ali pude sentir que todos estavam preocupados comigo e acreditavam que, independentemente do que fosse, eu superaria. Sua reação era me tratar com um carinho extremo.
Por volta das nove eu estava pronta para começar o dia. Aos sábados não havia rotina nem programação. Era a única vez na semana em que tínhamos que permanecer o dia inteiro no Salão das Mulheres. O palácio recebia visitas aos sábados, e já estávamos avisadas de que alguma delas poderia querer nos conhecer. Isso não me entusiasmava muito, mas ao menos eu ia usar a calça jeans nova pela primeira vez. Obviamente, nunca uma calça me caiu tão bem na vida. Como minha relação com Maxon era boa, tinha esperança de que ele me deixasse levá-la quando fosse embora.
Desci as escadas devagar, um pouco cansada por ter ido dormir tarde. Antes mesmo de chegar ao Salão das Mulheres, já podia ouvir o burburinho das vozes das garotas. Quando entrei, Miley me agarrou pelo braço e me arrastou até duas cadeiras no fundo do salão.
— Finalmente! Estava à sua espera — ela exclamou.
— Desculpe, Miley. Tive uma noite longa e dormi demais.
Ela se virou para mim, provavelmente percebendo a nota de tristeza na minha voz, mas com muita doçura comentou a calça nova:
— É fantástica!
— Eu sei. Nunca tinha usado nada assim.
Minha voz se elevou um pouco. Decidi retomar minha velha regra: nada de Nicholas. Expulsei-o da cabeça e me concentrei na segunda pessoa de quem mais gostava no palácio.
— Desculpe ter feito você esperar. O que queria dizer?
Miley hesitou. Mordeu os lábios e sentou-se. Não havia ninguém por perto. Ela estava querendo contar um segredo.
— Na verdade, pensando agora, talvez eu não devesse falar nada para você. Às vezes esqueço que estamos competindo.
Hum... O segredo envolvia Joseph. Eu tinha que saber.
— Sei como é, Miley. Mas acho que podíamos ser amigas de verdade. Não consigo ver você como uma inimiga, sabe?
— É. Você é tão doce. E as pessoas te adoram. Quer dizer, você provavelmente vai ganhar... — ela disse, um pouco derrotista.
Tive que me segurar para não rir.
— Miley, posso contar um segredo? — perguntei, com a voz cheia de carinho e sinceridade. Esperava que ela acreditasse em minhas palavras.
— Claro, Demetria. Qualquer coisa.
— Não sei quem vai ganhar isso aqui. Mesmo. Pode ser qualquer uma nesta sala. Acho que todas pensam em si mesmas, mas eu sei que, se não for a escolhida, quero que seja você. Você parece generosa e justa. Acho que daria uma ótima princesa. De verdade.
Era quase a verdade.
— E você parece inteligente e elegante — ela comentou em um tom baixo. — Seria uma ótima princesa também.
Abaixei a cabeça, agradecida. Era gentil da parte dela pensar isso de mim. Ficava um pouco desconcertada quando falavam assim, mas... Minha mãe, Maddie, Mary... era difícil acreditar na quantidade de gente que pensava que eu daria uma boa princesa. Por acaso eu era a única pessoa a ver meus defeitos? Não era refinada. Não sabia ser mandona nem superorganizada. Na verdade eu era egoísta e geniosa, e não gostava de aparecer na frente dos outros. Não era corajosa, e esse emprego exigia coragem. Sim, emprego: não se tratava só de um casamento, mas de um cargo.
— Penso isso de um monte de meninas — confessou Miley. — Tipo, cada uma delas tem uma qualidade que não tenho, então sinto que são melhores que eu.
— Aí é que está, Miley. Você provavelmente vai encontrar uma coisa especial em cada menina neste salão. Mas quem sabe exatamente o que Joseph procura?
Ela concordou com a cabeça.
— Por isso — continuei —, não vamos nos preocupar. Pode me contar o que quiser. Guardo seus segredos se guardar os meus. Vou me apoiar em você, e, se quiser, pode se apoiar em mim. É bom ter amigas aqui.
Ela sorriu e olhou ao redor para garantir que ninguém estava ouvindo.
— Joseph e eu tivemos aquele encontro.
— É? — perguntei.
Dei a impressão de estar curiosa demais, só que não pude evitar. Queria saber se o príncipe tinha sido menos travado com ela. Queria saber se ele tinha gostado dela.
— Ele enviou uma carta para minhas criadas perguntando se eu poderia vê-lo na quinta.
Sorri quando ouvi Miley contar isso, lembrando como na quarta-feira ele e eu tínhamos decidido eliminar essas formalidades. Ela continuou:
— Respondi que sim, claro, como se eu fosse capaz de negar! Ele foi me buscar e demos uma volta pelo palácio. Ficamos falando de cinema, e ele gosta de vários filmes que eu também gosto. Então descemos as escadas para o porão. Você chegou a ver o cinema que tem lá?
— Não. De fato, eu nunca estivera em um cinema. Não via a hora de ela começar a descrevê-lo.
— Ah, é perfeito! Os assentos são grandes e reclináveis e tem até uma pipoqueira lá. Joseph estourou uma porção só para nós dois! Foi tão fofo, Demetria. Na primeira vez, ele errou na medida de óleo e queimou a pipoca. Teve que chamar alguém para limpar antes de tentar de novo.
Fiz uma cara de decepção. Bonito, Joseph, muito bonito. Pelo menos Miley tinha achado romântico.
— Então a gente viu um filme e na parte romântica, no fim, ele segurou minha mão! Pensei que fosse desmaiar. Quer dizer, eu tinha segurado o braço dele enquanto caminhávamos, mas isso é normal. Naquela hora ele segurou minha mão... — concluiu Mailey antes de suspirar e soltar o corpo na cadeira. Comecei a rir alto. Ela estava completamente caída por ele. Sim, sim, sim!
— Não vejo a hora de sairmos de novo. Ele é tão lindo, não acha?
— É, ele é bonitinho — respondi, depois de uma pausa.
— Ah, Demetria! Você deve ter reparado naqueles olhos e naquela voz...
— Menos quando ele ri! — repliquei, lembrando que a risada de Joseph era meio esquisita. Fofa, mas esquisita. Ele dava uns soluços fortes e depois puxava o ar fazendo um barulho que parecia outra risada.
— Está bem, a risada dele é esquisita, mas é bonitinha.
— Claro, se você gosta de ouvir o adorável som de uma crise de asma cada vez que conta uma piada.
Miley se rendeu e levou as mãos à barriga de tanto rir.
— Está bem, está bem — ela disse, recuperando o fôlego. — Mas deve ter algo nele que você ache atraente.
Abri minha boca para dizer algo, mas fechei. Fiz isso umas três vezes. Minha vontade era dar outra cutucada, mas não queria que Miley o visse de um jeito negativo. Pensei no que dizer.
O que era atraente em Joseph?
— Bem, gosto quando ele abre a guarda. Como quando fala sem escolher muito as palavras, ou quando você nota que ele está olhando alguma coisa e... e vendo mesmo a beleza daquilo.
Miley sorriu. Eu sabia que ela ainda não tinha visto esse lado dele.
— E gosto de como parece ficar mesmo envolvido quando estamos com ele, sabe? Como se apesar de ter um país para administrar e milhares de coisas para fazer, ele esquecesse tudo quando está do seu lado. Ele se empenha naquilo que está diante dele. Gosto disso. E — continuei — não conte a ninguém, mas... os braços dele. Gosto dos braços dele.
Corei no final. Que burrice... Por que não me limitei a comentários genéricos sobre as coisas boas na personalidade dele? Por sorte, Miley não teve problemas em continuar o assunto.
— Sim! Dá para sentir os braços debaixo daquele paletó grosso, não é? Ele deve ser superforte — ela emendou.
— Por que será? Quer dizer, para que ser tão forte? Ele trabalha sentado. É estranho.
— Talvez ele goste de fazer poses em frente ao espelho — gracejou Miley, fazendo careta e flexionando os bracinhos fracos.
— Há, há, há! Aposto que é isso. Mas duvido que você tenha coragem de perguntar!
— Sem chance!
Pareceu que a noite tinha sido maravilhosa para ela. Por que Joseph evitara falar desse encontro? Se fosse levar em conta a reação dele, diria que o encontro nem tinha acontecido. Timidez?
Olhei ao redor do salão e vi que mais da metade das garotas parecia tensa ou infeliz. Janelle, Emmica e Zoe escutavam algo que Selena contava.
Ela parecia sorridente e animada, mas o rosto de Janelle estava franzido de preocupação, ao passo que Zoe roía as unhas. Emmica estava com a cabeça longe, apalpando a região abaixo da orelha, como se estivesse dolorida. Fazendo jus à fama, Celeste falava algo cheia de empáfia. Miley percebeu meu olhar e explicou o que acontecia.
— As garotas de cara amarrada são as que ainda não tiveram um encontro com o príncipe. Na quinta, ele me disse que eu era a segunda só naquele dia. Ele está mesmo querendo conhecer todas.
— Você acha que é isso?
— É. Quer dizer, olhe só a gente. Estamos bem porque já ficamos a sós com ele. Ambas sabemos que ele gostou de nós o suficiente para não nos enxotar logo em seguida. Há uma divisão entre aquelas que tiveram seu momento com o príncipe e as outras, que estão preocupadas. Acham que ele não está interessado nelas e que só vai vê-las quando for mandá-las embora.
Por que ele não tinha dito nada disso? Não éramos amigos? Um amigo contaria esse tipo de coisa. Ele já tinha marcado encontro com uma dúzia de garotas com base apenas no sorriso de cada uma. Tínhamos ficado a maior parte da noite anterior juntos, e ele só me tinha feito chorar. Que tipo de amigo guarda os próprios segredos enquanto faz o outro botar os dele para fora? Tuesday, que até então estava ouvindo Camille com uma expressão de ansiedade no rosto, levantou-se da cadeira e olhou ao redor. Descobriu Miley e eu no canto e logo veio em nossa direção.
— O que vocês fizeram no encontro? — perguntou de supetão.
— Oi, Tuesday — Miley cumprimentou de um jeito alegre.
— Shhhh! — gritou Tuesday. Depois se virou para mim e prosseguiu: — Então, Demetria. Fale.
— Já contei.
— Não. No encontro da noite passada!
Uma criada veio nos oferecer chá e eu estava pronta para aceitar, mas Tuesday mandou-a embora.
— Como...?
— Tiny viu vocês dois juntos e contou — disse Miley, em uma tentativa de explicar o mau humor de Tuesday. — Você é a única que esteve a sós com ele duas vezes. Muitas garotas ainda não o viram e estão reclamando. Acham uma injustiça. Mas não é culpa sua ele gostar de você.
— Mas é completamente injusto — explodiu Tuesday. — Eu ainda não o vi fora das refeições, nem de passagem. O que vocês dois fizeram?
— Nós... hã... fomos ao jardim. Ele sabe que gosto de sair. Só conversamos.
Fiquei nervosa como se estivesse em uma enrascada. O rosto de Tuesday era tão ameaçador que desviei o olhar. E vi que uma porção de garotas nas mesas mais próximas escutava nosso diálogo.
— Só conversaram? — ela perguntou, cética.
— Isso mesmo — respondi, dando de ombros.
Tuesday saiu bufando. Foi até a mesa de Selena e, de um jeito bem ríspido, mandou-a repetir sua história. Eu, porém, estava atônita.
— Você está bem, America? — Miley perguntou, trazendo-me de volta à realidade.
— Sim, por quê?
— Você parece irritada — ela comentou, com o rosto cheio de preocupação.
— Não é nada. Não estou irritada. Está tudo ótimo.
De repente, em um movimento tão rápido que eu não teria conseguido ver se não estivesse perto, Anna Farmer — uma Quatro que trabalhava na roça — inclinou-se para a frente e desferiu um tapa na cara de Blanda.
Quase todo mundo, incluindo eu, soltou uma exclamação de espanto. Quem não viu logo se virou para a mesa das duas perguntando o que tinha perdido. Tiny foi uma dessas, e sua voz aguda ecoou pelo silêncio que tinha se formado no salão.
— Ah, não, Anna, não... — lamentou Emmica com um suspiro.
Um instante depois, Anna começou lentamente a compreender o que tinha feito. Ela seria mandada para casa. Não podíamos agredir fisicamente outra Selecionada. Emmica chorava quando Anna se sentou, perdida em um silêncio perplexo. Tanto uma como a outra eram originárias de fazendas e tinham ficado amigas em pouco tempo. Eu não podia imaginar como me sentiria se Miley saísse de repente.
Só conhecia Anna de vista. Ela sempre pareceu ser uma criatura explosiva. Mas eu sabia que não era da natureza dela agredir alguém. Tinha passado boa parte do ataque rebelde de joelhos, orando.
Não havia dúvida de que ela havia sido provocada, mas ninguém estava sentado perto o suficiente para provar. Seria a palavra de Anna contra a de Blanda. Só que Blanda tinha um salão inteiro de testemunhas do tapa que levou. Talvez insistissem com Joseph para mandar Anna embora como um exemplo.
Os olhos de Anna começaram a se encher de lágrimas. Blanda se levantou, sussurrou algo em seu ouvido e saiu do salão a passos rápidos. Anna foi despachada antes da hora do jantar.
Omg!! Poste logo. So falta 9 Capitulos Up!
ResponderExcluirAmei o Capitulo