Provavelmente ao ler o titulo desse post, um pedaço do seu coração foi arrancado...
Mas fiquem calmas queridas Selecionadas! Dia 1º de Fevereiro a Sinopse de The Elite ( AElite para os leigos) estará aqui no blog.
Alias eu só não começo ela agora pois estou viajando com a minha família e só volto no fim de janeiro.
Então Queridas....
20/01/2014
14/01/2014
Capitulo 24 (Último)
Senti um cutucão no braço. Estava escuro; era muito tarde ou muito cedo. Por uma fração de segundo, pensei que outro ataque tinha começado. Então descobri que estava errada por causa da única palavra usada para me despertar:
— Demi?
Estava de costas para Nicholas, e demorei um pouco para me ajeitar e me virar para ele. Em minha cabeça, sabia que existiam coisas entre nós que eu finalmente devia acertar. Esperava que meu coração me deixasse dizê-las. Rolei na cama e deparei com os olhos verdes e brilhantes dele. Então, soube que ia ser difícil. Foi quando notei que deixara a porta do meu quarto aberta.
— Nicholas, você está louco? — sussurrei. — Feche a porta.
— Não, está tudo certo. Com a porta aberta, posso dizer a quem chegar que ouvi um barulho e vim ver como você estava, já que isso é parte do meu trabalho. Ninguém vai suspeitar de nada.
Simples e brilhante. Acho que às vezes a melhor maneira de esconder um segredo é deixá-lo descoberto.
— Certo.
Acendi o pequeno abajur no criado-mudo para deixar claro a qualquer pessoa que passasse que não estávamos escondendo nada. Olhei para o relógio: já passava das três da manhã.
Nicholas estava claramente satisfeito consigo próprio. Seu sorriso, o mesmo que me cumprimentava na casa da árvore, era largo.
— Você guardou — ele disse.
— Hein?
Nicholas apontou para o criado-mudo onde ficava o jarro, com sua moeda solitária.
— Sim — confirmei. — Não tive forças para me livrar dele.
Sua expressão ficou mais esperançosa. Ele olhou a porta rapidamente, como que para verificar se ninguém passaria, e se inclinou para me dar um beijo.
— Não — afastei-me sem agitação. — Você não pode fazer isso.
Seu olhar era um misto de confusão e tristeza, e temi que tudo o que tinha a dizer só fosse piorar as coisas.
— Fiz algo de errado?
— Não — respondi no ato. — Você tem sido maravilhoso. Estou tão feliz de ver você novamente e saber que ainda me ama. Fez toda a diferença.
Ele sorriu.
— Que bom, porque eu realmente te amo e penso em nunca dar nenhum motivo para você duvidar disso.
Estremeci.
— Nicholas, não importa o que fomos ou o que somos agora. Não podemos ser nada aqui.
— O que você quer dizer? — ele perguntou, ajeitando-se na cama.
— Faço parte da Seleção. Estou aqui por Joseph, e não posso me encontrar com você nem com ninguém enquanto a competição continuar.
Comecei a torcer nervosamente uma ponta da minha manta. Nicholas pensou calado por uns instantes.
— Então você mentiu para mim quando disse que nunca deixou de me amar?
— Não — garanti. — Você está no meu coração o tempo todo. É o motivo porque tudo está caminhando devagar. Joseph gosta de mim, mas não consigo gostar dele de verdade por sua causa.
— Nossa, que ótimo — ele disse com sarcasmo. — Fico feliz em saber que você estaria contente em ficar com ele se eu não estivesse perto.
Por trás da raiva, pude ver seu coração partido, mas não era culpa minha as coisas terem chegado a esse ponto.
— Nicholas — chamei em voz baixa, fazendo-o olhar para mim. — Ao terminar comigo na casa da árvore, você me deixou em pedaços.
— Demi, eu já disse que...
— Me deixe terminar.
Ele bufou de raiva e depois ficou quieto.
— Você levou meus sonhos com você, e o único motivo de eu estar aqui é que você insistiu que eu fizesse a inscrição.
Ele concordou com a cabeça, irritado com a verdade.
— Desde então, tenho tentado juntar os cacos. E Joseph realmente se importa comigo. Você significa muito para mim, e sabe disso. Mas estou na competição agora e seria uma tonta se não visse onde vai dar.
— Então você está escolhendo o príncipe? — ele perguntou com dor na voz.
— Não. Não estou escolhendo Joseph ou você. Estou escolhendo a mim mesma.
Essa era a verdade, no fim das contas. Ainda não sabia o que queria, mas não podia me deixar levar pelo mais fácil ou por aquilo que os outros achavam certo. Só precisava de um tempo até decidir o que era melhor para mim. Nicholas ruminou minhas palavras por um momento, ainda inconformado com o que eu dizia. Por fim, sorriu.
— Você sabe que não vou desistir, não sabe?
Seu tom de voz deixava claro o desafio, e eu forcei um riso, apesar da situação. Nicholas, de fato, não era daqueles que aceitam a derrota.
— Aqui não é o melhor lugar para você lutar por mim. Sua determinação pode ser uma qualidade perigosa.
— Não tenho medo da coroa — ele zombou.
Fiz cara de tédio, um pouco surpresa por estar na ponta oposta do relacionamento. Vivia preocupada com a possibilidade de alguém roubar Nicholas de mim. Senti-me culpada por gostar de vê-lo preocupado com a possibilidade de alguém me roubar, para variar.
— Certo. Você disse que não o amava... mas pelo menos gosta dele o bastante para querer ficar, certo?
Abaixei a cabeça.
— Sim — respondi, inclinando-me. — Ele está muito acima do que pensei.
Nicholas considerou minhas palavras por alguns segundos, absorvendo cada uma delas.
— Isso quer dizer que terei que lutar mais duro do que imaginava — ele disse, caminhando em direção à porta.
Antes de fechá-la, piscou mais uma vez para mim.
— Boa noite, senhorita Demetria.
— Boa noite, soldado Leger.
Ouvi a porta se fechar, e a paz invadiu o quarto. Desde o começo da Seleção, vinha pensando que minha vida seria arruinada ali. Mas, naquele momento, o castelo parecia exatamente o lugar em que eu deveria estar.
Mais cedo do que eu gostaria, minhas criadas entraram no quarto e me despertaram para um novo dia. Anne puxou as cortinas e assim, iluminada pelos raios do sol, sentia que aquele era realmente meu primeiro dia no palácio. A Seleção não era mais uma coisa que me acontecia; eu era parte ativa dela. Era da Elite. Afastei os cobertores e saltei naquela manhã.
— Demi?
Estava de costas para Nicholas, e demorei um pouco para me ajeitar e me virar para ele. Em minha cabeça, sabia que existiam coisas entre nós que eu finalmente devia acertar. Esperava que meu coração me deixasse dizê-las. Rolei na cama e deparei com os olhos verdes e brilhantes dele. Então, soube que ia ser difícil. Foi quando notei que deixara a porta do meu quarto aberta.
— Nicholas, você está louco? — sussurrei. — Feche a porta.
— Não, está tudo certo. Com a porta aberta, posso dizer a quem chegar que ouvi um barulho e vim ver como você estava, já que isso é parte do meu trabalho. Ninguém vai suspeitar de nada.
Simples e brilhante. Acho que às vezes a melhor maneira de esconder um segredo é deixá-lo descoberto.
— Certo.
Acendi o pequeno abajur no criado-mudo para deixar claro a qualquer pessoa que passasse que não estávamos escondendo nada. Olhei para o relógio: já passava das três da manhã.
Nicholas estava claramente satisfeito consigo próprio. Seu sorriso, o mesmo que me cumprimentava na casa da árvore, era largo.
— Você guardou — ele disse.
— Hein?
Nicholas apontou para o criado-mudo onde ficava o jarro, com sua moeda solitária.
— Sim — confirmei. — Não tive forças para me livrar dele.
Sua expressão ficou mais esperançosa. Ele olhou a porta rapidamente, como que para verificar se ninguém passaria, e se inclinou para me dar um beijo.
— Não — afastei-me sem agitação. — Você não pode fazer isso.
Seu olhar era um misto de confusão e tristeza, e temi que tudo o que tinha a dizer só fosse piorar as coisas.
— Fiz algo de errado?
— Não — respondi no ato. — Você tem sido maravilhoso. Estou tão feliz de ver você novamente e saber que ainda me ama. Fez toda a diferença.
Ele sorriu.
— Que bom, porque eu realmente te amo e penso em nunca dar nenhum motivo para você duvidar disso.
Estremeci.
— Nicholas, não importa o que fomos ou o que somos agora. Não podemos ser nada aqui.
— O que você quer dizer? — ele perguntou, ajeitando-se na cama.
— Faço parte da Seleção. Estou aqui por Joseph, e não posso me encontrar com você nem com ninguém enquanto a competição continuar.
Comecei a torcer nervosamente uma ponta da minha manta. Nicholas pensou calado por uns instantes.
— Então você mentiu para mim quando disse que nunca deixou de me amar?
— Não — garanti. — Você está no meu coração o tempo todo. É o motivo porque tudo está caminhando devagar. Joseph gosta de mim, mas não consigo gostar dele de verdade por sua causa.
— Nossa, que ótimo — ele disse com sarcasmo. — Fico feliz em saber que você estaria contente em ficar com ele se eu não estivesse perto.
Por trás da raiva, pude ver seu coração partido, mas não era culpa minha as coisas terem chegado a esse ponto.
— Nicholas — chamei em voz baixa, fazendo-o olhar para mim. — Ao terminar comigo na casa da árvore, você me deixou em pedaços.
— Demi, eu já disse que...
— Me deixe terminar.
Ele bufou de raiva e depois ficou quieto.
— Você levou meus sonhos com você, e o único motivo de eu estar aqui é que você insistiu que eu fizesse a inscrição.
Ele concordou com a cabeça, irritado com a verdade.
— Desde então, tenho tentado juntar os cacos. E Joseph realmente se importa comigo. Você significa muito para mim, e sabe disso. Mas estou na competição agora e seria uma tonta se não visse onde vai dar.
— Então você está escolhendo o príncipe? — ele perguntou com dor na voz.
— Não. Não estou escolhendo Joseph ou você. Estou escolhendo a mim mesma.
Essa era a verdade, no fim das contas. Ainda não sabia o que queria, mas não podia me deixar levar pelo mais fácil ou por aquilo que os outros achavam certo. Só precisava de um tempo até decidir o que era melhor para mim. Nicholas ruminou minhas palavras por um momento, ainda inconformado com o que eu dizia. Por fim, sorriu.
— Você sabe que não vou desistir, não sabe?
Seu tom de voz deixava claro o desafio, e eu forcei um riso, apesar da situação. Nicholas, de fato, não era daqueles que aceitam a derrota.
— Aqui não é o melhor lugar para você lutar por mim. Sua determinação pode ser uma qualidade perigosa.
— Não tenho medo da coroa — ele zombou.
Fiz cara de tédio, um pouco surpresa por estar na ponta oposta do relacionamento. Vivia preocupada com a possibilidade de alguém roubar Nicholas de mim. Senti-me culpada por gostar de vê-lo preocupado com a possibilidade de alguém me roubar, para variar.
— Certo. Você disse que não o amava... mas pelo menos gosta dele o bastante para querer ficar, certo?
Abaixei a cabeça.
— Sim — respondi, inclinando-me. — Ele está muito acima do que pensei.
Nicholas considerou minhas palavras por alguns segundos, absorvendo cada uma delas.
— Isso quer dizer que terei que lutar mais duro do que imaginava — ele disse, caminhando em direção à porta.
Antes de fechá-la, piscou mais uma vez para mim.
— Boa noite, senhorita Demetria.
— Boa noite, soldado Leger.
Ouvi a porta se fechar, e a paz invadiu o quarto. Desde o começo da Seleção, vinha pensando que minha vida seria arruinada ali. Mas, naquele momento, o castelo parecia exatamente o lugar em que eu deveria estar.
Mais cedo do que eu gostaria, minhas criadas entraram no quarto e me despertaram para um novo dia. Anne puxou as cortinas e assim, iluminada pelos raios do sol, sentia que aquele era realmente meu primeiro dia no palácio. A Seleção não era mais uma coisa que me acontecia; eu era parte ativa dela. Era da Elite. Afastei os cobertores e saltei naquela manhã.
FIM DA PRIMEIRA TEMPORADA
13/01/2014
Capitulo 23 (Penúltimo)
Amy, Fiona e Tallulah foram embora dali a horas. Eu não sabia dizer se por causa da eficiência de Silvia ou do estado de nervos das garotas. De repente éramos dezenove, e tudo pareceu progredir muito rapidamente. Ainda assim, eu jamais poderia ter previsto a velocidade com que as coisas iam se mover dali para a frente.
Na segunda-feira depois dos ataques, retomamos nossa rotina. O café da manhã estava delicioso como sempre e fiquei imaginando se chegaria o dia em que deixaria de gostar daquelas refeições espetaculares.
— Selena, isso não é divino? — perguntei.
Eu mordiscava uma fruta em formato de estrela. Nunca tinha visto nada igual antes de chegar ao palácio. Selena estava de boca cheia, mas concordou com a cabeça. Sentia um clima cálido de irmandade naquele dia. Após termos sobrevivido a um grave ataque rebelde juntas, parecia que os pequenos laços que nos uniam se tornaram indestrutíveis. Ao lado de Selena estava Emily, que me passou o mel. Perto de nós, Tiny me perguntava, com olhar admirado, onde eu tinha conseguido meu pingente de passarinho. O clima lembrava os jantares da minha família de uns anos atrás, antes de Kota se transformar em um babaca e de perdermos Kenna para o marido: cheio de gente, radiante e com muita conversa.
Dei-me conta na hora de que, como Joseph contara sobre sua mãe, eu manteria contato com essas meninas ao longo dos anos. Ia querer saber se
todas tinham se casado e mandaria cartões de Natal. Dali a uns vinte e poucos anos, se Joseph tivesse um filho, telefonaria para elas para saber quem eram suas favoritas na nova Seleção. Relembraríamos tudo por que passamos e riríamos daquilo como se tivesse sido uma aventura, não uma competição.
Por mais incrível que pudesse parecer, a única pessoa com aparência perturbada na sala de jantar era Joseph. Ele nem tinha tocado na comida. Em vez disso, corria os olhos pelas fileiras de garotas com a expressão de quem estava concentrado. De tempos em tempos, parava para pensar e parecia discutir consigo mesmo sobre alguma coisa. Depois continuava.
Quando chegou a vez da minha mesa, o príncipe me flagrou olhando para ele e abriu um sorriso fraco. Tirando o breve diálogo da noite do ataque, não conversávamos desde nossa discussão, e algumas coisas ainda precisavam ser ditas. Eu é que tinha que tomar a iniciativa. Com uma expressão que revelava tratar-se de um pedido, e não de uma exigência, mexi na minha orelha. Seu rosto permaneceu distante, mas ele também mexeu na dele.
Respirei aliviada e por acaso olhei para as portas daquela sala enorme. Como suspeitava, outro par de olhos estava fixo em mim. Tinha notado Nicholas ao entrar na sala de jantar, mas tentei não demonstrar. Era difícil ignorar alguém que eu amava.
O príncipe se levantou. Aquele movimento repentino fez a cadeira chiar com o atrito contra o chão. E esse barulho foi suficiente para atrair a atenção de todas. Ao ver todos aqueles rostos voltados em sua direção, Joseph pareceu querer sentar novamente, sem que ninguém percebesse. Sabendo que isso seria impossível, ele começou a falar:
— Senhoritas — saudou, fazendo uma breve reverência com a cabeça. Ele parecia sofrer demais. — Receio que após o ataque de ontem eu tenha sido obrigado a repensar profundamente o funcionamento da Seleção. Como sabem, três garotas pediram para sair ontem, e eu cedi. Não quero ninguém aqui contra sua vontade. Além disso, não me sinto confortável mantendo no palácio, sob a constante ameaça de risco de vida, pessoas com quem estou certo de que não terei futuro.
Pela sala, a confusão deu lugar à compreensão infeliz e inequívoca dos fatos.
— Ele não vai... — murmurou Tiny.
— Sim, ele vai — respondi.
— Embora me doa tomar essa atitude, conversei com minha família e com alguns conselheiros íntimos, e decidi proceder ao afunilamento da Seleção para a Elite. Contudo, em vez de dez, decidi dispensar todas vocês, com exceção de seis — afirmou Joseph, com um tom de voz bem formal.
— Seis? — perguntou Selena, impressionada.
— Isso não é justo — resmungou Tiny, já prestes a chorar.
Corri os olhos pela sala de jantar conforme o burburinho de reclamações crescia e diminuía. Blanda juntou coragem, como se fosse lutar por uma vaga. Bariel fechou os olhos e cruzou os dedos, talvez na expectativa de que aquela pose lhe angariasse alguma simpatia. Miley, que tinha admitido não querer nada com o príncipe, parecia muito tensa. Por que ela queria tanto ficar?
— Não quero estender o assunto além do necessário. Assim, apenas as seguintes moças permanecerão aqui: senhorita Miley, senhorita Selena...
Miley suspirou aliviada e levou a mão ao peito. Selena ensaiou uma dança feliz e contente na cadeira, olhando para as meninas ao redor esperando que estivéssemos felizes também. E eu estava até me dar conta de que duas das seis vagas já tinham sido preenchidas. Com uma discórdia entre Joseph e eu, será que ele me mandaria para casa?
Ao longo de todo esse tempo, eu tivera nas mãos o poder de decidir sobre minha saída. Naquele instante, percebi o quanto era importante para mim continuar.
— ... senhorita Natalie, senhorita Blanda... — continuou Joseph olhando para cada uma delas. Eu me contorci ao escutar o nome de Blanda. Ele não podia deixá-la ali e me mandar embora. Eu mal acreditava que ele não ia dispensá-la, aliás. Mas seria esse um sinal de que eu ia embora? Brigamos exatamente por causa da presença dela.
— ... senhorita Elise... — ele anunciou.
Toda a sala prendeu a respiração à espera do último nome. Dei-me conta de que Tiny e eu estávamos de mãos dadas.
— ... e senhorita Demetria.
Joseph olhou para mim e senti cada músculo do meu corpo relaxar. Tiny caiu em prantos na hora. E ela não estava sozinha: a lista de Joseph provocou muitos soluços.
— A todas as demais, meu sincero pedido de desculpas. Espero, contudo, que acreditem em mim quando digo que fiz isso para seu bem. Não quero alimentar suas esperanças nem arriscar suas vidas à toa. Se alguma das que estiverem de saída quiser falar comigo, estarei na biblioteca ao final do corredor. Podem me encontrar lá assim que terminarem de comer.
Joseph se retirou o mais rapidamente possível, sem correr. Observei-o até que passasse na frente de Nicholas, quando minha atenção se desviou. O rosto de Nicholas estava confuso, e eu sabia o motivo. Eu tinha dito que não amava Joseph, e por isso Nicholas entendeu que eu não significava nada para o príncipe. Se era assim, por que tinha ficado tão tensa para saber se ia sair ou ficar? E por que Joseph ia querer me deixar ali?
Nem bem passou um segundo e Emmica e Tuesday já estavam correndo atrás do príncipe, sem dúvida em busca de uma explicação. Algumas garotas choravam, claramente com o coração partido. E recaiu sobre as que ficavam a responsabilidade de confortá-las.
A situação era de uma bizarrice insuportável. Tiny acabou por soltar violentamente minhas mãos e correr para o quarto. Eu esperava que ela não ficasse com raiva de mim.
Todas deixaram a sala em poucos minutos, já sem fome. Eu mesma não demorei muito a sair; não era capaz de lidar com aquela torrente de emoções.
Passei por Nicholas, que sussurrou:
— Hoje à noite.
Concordei com a cabeça discretamente e segui meu caminho.
O restante da manhã foi esquisito. Nunca na vida tivera amigas de
quem sentira saudades. Todos os quartos ocupados no segundo andar estavam abertos, e as garotas corriam de um lado para o outro, trocando bilhetes e pegando endereços. À tarde, o palácio já era um lugar bem mais sério do que quando chegamos.
Não restou ninguém na parte do corredor onde eu ficava. Não se ouvia mais o som das criadas passando de um lado para o outro nem o do abrir e fechar das portas. Sentei-me à mesa para ler um livro enquanto as criadas tiravam o pó dos móveis. Perguntei-me se o palácio sempre tivera aquele clima de solidão. O vazio fez com que sentisse saudades da minha família.
De repente, ouvi batidas na porta. Anne correu para atender, com os olhos em mim para garantir que eu estava preparada. Assenti com a cabeça.
Quando Joseph entrou no quarto, pus-me de pé com um pulo.
— Senhoritas — ele disse, olhando para as criadas —, reencontramo-nos afinal.
Elas se curvaram e deram uma risadinha. Ele as cumprimentou e se voltou para mim. Até então eu não fazia ideia de como estava ansiosa para vê-lo. Estava em êxtase ali, ao lado da mesa.
— Me perdoem, por favor, mas preciso falar com a senhorita Demetria. Vocês nos dariam um momento?
Mais reverências e risadinhas, e Anne perguntou ao príncipe — com um tom de voz que dava a entender a adoração que tinha por ele — se podia lhe trazer algo. Joseph recusou, e as três saíram. As mãos dele estavam nos bolsos. Permanecemos em silêncio por uns instantes.
— Pensei que você não me deixaria ficar — admiti, por fim.
— Por quê? — ele perguntou, soando realmente confuso.
— Porque brigamos. Porque nossa relação é esquisita. Porque...
E porque apesar de você estar saindo com outras cinco garotas, acho que estou te traindo, pensei.
Joseph diminuiu a distância entre nós aos poucos, escolhendo as palavras conforme caminhava. Quando finalmente chegou até mim, tomou minhas mãos e explicou tudo:
— Primeiramente, deixe-me dizer que sinto muito. Eu não devia ter gritado com você — seu tom de voz era totalmente sincero. — É que alguns dos comitês e meu pai já me pressionam, e quero ser capaz de tomar a decisão por mim mesmo. Foi muito frustrante deparar com outra situação em que minha opinião não é levada a sério.
— Outra situação? — perguntei.
— Bom, você viu minhas escolhas. Miley é a favorita do povo, e não posso desprezar isso. Celeste é uma jovem muito poderosa e vem de uma família com que seria ótimo me alinhar. Natalie e Selena são moças charmosas, ambas muito agradáveis, e as preferidas de alguns membros da minha família. Elise tem contatos na Nova Ásia. Como estamos tentando acabar com essa maldita guerra, devo tê-la em conta. Fui massacrado por opiniões e encurralado por todos os lados nesta decisão.
Ele não explicou nada sobre mim, e eu quase não pedi que explicasse. Sabíamos que no meu caso a amizade vinha em primeiro lugar e que eu não tinha nenhuma serventia política. Mas precisava ouvir essas palavras para decidir por mim mesma. Não podia olhá-lo nos olhos.
— E por que eu ainda estou aqui?
Minha voz saiu um pouco mais alta que um sussurro. Eu sabia que ia doer. No fundo, tinha certeza de que só estava ali por que Joseph era bom demais para quebrar uma promessa.
— Demetria, pensei ter sido claro — ele disse calmamente.
O príncipe respirou fundo para demonstrar sua paciência e levantou meu queixo com a mão. Quando finalmente o olhei nos olhos, ele confessou:
— Se o assunto fosse simples, já teria eliminado todas as outras. Sei o que sinto por você. Talvez seja impulsivo da minha parte ter tanta certeza, mas estou certo de que seria feliz com você.
Corei. Pude sentir as lágrimas brotarem, mas as contive. Seu rosto tinha uma expressão apaixonada que eu não queria perder.
— Há momentos em que penso que rompemos todas as barreiras. E há outros em que penso que você só fica pela conveniência. Se tivesse certeza de que eu, e apenas eu, sou sua motivação...
Ele fez uma pausa e balançou a cabeça, como se não quisesse chegar ao final da frase.
— Eu estaria errado se dissesse que você ainda não tem certeza sobre mim?
Eu não queria magoá-lo, mas tinha que ser honesta:
— Não.
— Então não posso arriscar muito em minha aposta. Você pode optar por sair, e deixarei se quiser. Enquanto isso, preciso escolher uma esposa. Estou tentando tomar a melhor decisão dentro dos limites que me foram dados. Agora, por favor, não duvide por um segundo de sua importância para mim. Porque é imensa.
Não pude mais conter as lágrimas. Pensei em Nicholas e nos meus atos. Senti-me tão envergonhada.
— Joseph... — solucei. — Será que um dia você vai me perdoar...
Não consegui terminar minha confissão. Ele se aproximou ainda mais e começou a limpar as lágrimas do meu rosto com seus dedos fortes.
— Perdoar o quê? Nossa briguinha besta? Já é passado. Seus sentimentos demoram mais para passar que os meus? Sem problema. Estou pronto para esperar — ele disse, dando de ombros. — Acho que não há nada que você possa fazer que eu não possa perdoar. Lembra-se da joelhada?
Não consegui segurar a risada. Joseph também riu, mas uma vez só. Depois, ficou sério de repente.
— O que foi? — perguntei.
Ele balançou a cabeça.
— Eles foram tão rápidos dessa vez.
A voz dele estava cheia de uma admiração raivosa pelos talentos dos rebeldes. Só então me dei conta de quão perto de uma tragédia estive por tentar salvar minhas criadas.
— Tenho ficado cada vez mais preocupado, Demetria. Nortistas e sulistas, os dois estão cada vez mais determinados. Parece que não vão parar até conseguirem o que desejam. E eu não faço ideia do que seja — Joseph parecia confuso e triste. — Penso que é só uma questão de tempo
até destruírem alguém importante para mim.
Ele me olhou nos olhos e prosseguiu.
— Sabe, você ainda pode escolher. Se tiver medo de ficar, pode dizer — ele fez uma pausa e pensou. — Ou se chegar à conclusão de que nunca vai me amar, seria melhor me contar já. Deixarei que siga seu caminho e seremos amigos.
Lancei meus braços ao seu redor e apoiei a cabeça em seu peito. Joseph pareceu ao mesmo tempo confortado e surpreso com o gesto. Ele demorou apenas um segundo para me envolver nos braços.
— Joseph, não tenho certeza do que somos, mas sem dúvida somos mais que amigos.
Ele deixou escapar um suspiro. Com a cabeça em seu peito, pude finalmente ouvir as batidas de seu coração através do paletó. Pareciam aceleradas. Sua mão, delicada como sempre, acariciava minha bochecha. Ao olhar nos seus olhos, percebi que um sentimento inominável crescia entre nós.
Com o olhar, Joseph me pedia algo que tínhamos concordado esperar. Estava feliz por ele não querer mais esperar. Inclinei levemente a cabeça em consentimento, e ele fechou o pequeno espaço entre nós me beijando com uma ternura inimaginável.
Senti um sorriso em seus lábios, um sorriso que durou por muito tempo depois.
Na segunda-feira depois dos ataques, retomamos nossa rotina. O café da manhã estava delicioso como sempre e fiquei imaginando se chegaria o dia em que deixaria de gostar daquelas refeições espetaculares.
— Selena, isso não é divino? — perguntei.
Eu mordiscava uma fruta em formato de estrela. Nunca tinha visto nada igual antes de chegar ao palácio. Selena estava de boca cheia, mas concordou com a cabeça. Sentia um clima cálido de irmandade naquele dia. Após termos sobrevivido a um grave ataque rebelde juntas, parecia que os pequenos laços que nos uniam se tornaram indestrutíveis. Ao lado de Selena estava Emily, que me passou o mel. Perto de nós, Tiny me perguntava, com olhar admirado, onde eu tinha conseguido meu pingente de passarinho. O clima lembrava os jantares da minha família de uns anos atrás, antes de Kota se transformar em um babaca e de perdermos Kenna para o marido: cheio de gente, radiante e com muita conversa.
Dei-me conta na hora de que, como Joseph contara sobre sua mãe, eu manteria contato com essas meninas ao longo dos anos. Ia querer saber se
todas tinham se casado e mandaria cartões de Natal. Dali a uns vinte e poucos anos, se Joseph tivesse um filho, telefonaria para elas para saber quem eram suas favoritas na nova Seleção. Relembraríamos tudo por que passamos e riríamos daquilo como se tivesse sido uma aventura, não uma competição.
Por mais incrível que pudesse parecer, a única pessoa com aparência perturbada na sala de jantar era Joseph. Ele nem tinha tocado na comida. Em vez disso, corria os olhos pelas fileiras de garotas com a expressão de quem estava concentrado. De tempos em tempos, parava para pensar e parecia discutir consigo mesmo sobre alguma coisa. Depois continuava.
Quando chegou a vez da minha mesa, o príncipe me flagrou olhando para ele e abriu um sorriso fraco. Tirando o breve diálogo da noite do ataque, não conversávamos desde nossa discussão, e algumas coisas ainda precisavam ser ditas. Eu é que tinha que tomar a iniciativa. Com uma expressão que revelava tratar-se de um pedido, e não de uma exigência, mexi na minha orelha. Seu rosto permaneceu distante, mas ele também mexeu na dele.
Respirei aliviada e por acaso olhei para as portas daquela sala enorme. Como suspeitava, outro par de olhos estava fixo em mim. Tinha notado Nicholas ao entrar na sala de jantar, mas tentei não demonstrar. Era difícil ignorar alguém que eu amava.
O príncipe se levantou. Aquele movimento repentino fez a cadeira chiar com o atrito contra o chão. E esse barulho foi suficiente para atrair a atenção de todas. Ao ver todos aqueles rostos voltados em sua direção, Joseph pareceu querer sentar novamente, sem que ninguém percebesse. Sabendo que isso seria impossível, ele começou a falar:
— Senhoritas — saudou, fazendo uma breve reverência com a cabeça. Ele parecia sofrer demais. — Receio que após o ataque de ontem eu tenha sido obrigado a repensar profundamente o funcionamento da Seleção. Como sabem, três garotas pediram para sair ontem, e eu cedi. Não quero ninguém aqui contra sua vontade. Além disso, não me sinto confortável mantendo no palácio, sob a constante ameaça de risco de vida, pessoas com quem estou certo de que não terei futuro.
Pela sala, a confusão deu lugar à compreensão infeliz e inequívoca dos fatos.
— Ele não vai... — murmurou Tiny.
— Sim, ele vai — respondi.
— Embora me doa tomar essa atitude, conversei com minha família e com alguns conselheiros íntimos, e decidi proceder ao afunilamento da Seleção para a Elite. Contudo, em vez de dez, decidi dispensar todas vocês, com exceção de seis — afirmou Joseph, com um tom de voz bem formal.
— Seis? — perguntou Selena, impressionada.
— Isso não é justo — resmungou Tiny, já prestes a chorar.
Corri os olhos pela sala de jantar conforme o burburinho de reclamações crescia e diminuía. Blanda juntou coragem, como se fosse lutar por uma vaga. Bariel fechou os olhos e cruzou os dedos, talvez na expectativa de que aquela pose lhe angariasse alguma simpatia. Miley, que tinha admitido não querer nada com o príncipe, parecia muito tensa. Por que ela queria tanto ficar?
— Não quero estender o assunto além do necessário. Assim, apenas as seguintes moças permanecerão aqui: senhorita Miley, senhorita Selena...
Miley suspirou aliviada e levou a mão ao peito. Selena ensaiou uma dança feliz e contente na cadeira, olhando para as meninas ao redor esperando que estivéssemos felizes também. E eu estava até me dar conta de que duas das seis vagas já tinham sido preenchidas. Com uma discórdia entre Joseph e eu, será que ele me mandaria para casa?
Ao longo de todo esse tempo, eu tivera nas mãos o poder de decidir sobre minha saída. Naquele instante, percebi o quanto era importante para mim continuar.
— ... senhorita Natalie, senhorita Blanda... — continuou Joseph olhando para cada uma delas. Eu me contorci ao escutar o nome de Blanda. Ele não podia deixá-la ali e me mandar embora. Eu mal acreditava que ele não ia dispensá-la, aliás. Mas seria esse um sinal de que eu ia embora? Brigamos exatamente por causa da presença dela.
— ... senhorita Elise... — ele anunciou.
Toda a sala prendeu a respiração à espera do último nome. Dei-me conta de que Tiny e eu estávamos de mãos dadas.
— ... e senhorita Demetria.
Joseph olhou para mim e senti cada músculo do meu corpo relaxar. Tiny caiu em prantos na hora. E ela não estava sozinha: a lista de Joseph provocou muitos soluços.
— A todas as demais, meu sincero pedido de desculpas. Espero, contudo, que acreditem em mim quando digo que fiz isso para seu bem. Não quero alimentar suas esperanças nem arriscar suas vidas à toa. Se alguma das que estiverem de saída quiser falar comigo, estarei na biblioteca ao final do corredor. Podem me encontrar lá assim que terminarem de comer.
Joseph se retirou o mais rapidamente possível, sem correr. Observei-o até que passasse na frente de Nicholas, quando minha atenção se desviou. O rosto de Nicholas estava confuso, e eu sabia o motivo. Eu tinha dito que não amava Joseph, e por isso Nicholas entendeu que eu não significava nada para o príncipe. Se era assim, por que tinha ficado tão tensa para saber se ia sair ou ficar? E por que Joseph ia querer me deixar ali?
Nem bem passou um segundo e Emmica e Tuesday já estavam correndo atrás do príncipe, sem dúvida em busca de uma explicação. Algumas garotas choravam, claramente com o coração partido. E recaiu sobre as que ficavam a responsabilidade de confortá-las.
A situação era de uma bizarrice insuportável. Tiny acabou por soltar violentamente minhas mãos e correr para o quarto. Eu esperava que ela não ficasse com raiva de mim.
Todas deixaram a sala em poucos minutos, já sem fome. Eu mesma não demorei muito a sair; não era capaz de lidar com aquela torrente de emoções.
Passei por Nicholas, que sussurrou:
— Hoje à noite.
Concordei com a cabeça discretamente e segui meu caminho.
O restante da manhã foi esquisito. Nunca na vida tivera amigas de
quem sentira saudades. Todos os quartos ocupados no segundo andar estavam abertos, e as garotas corriam de um lado para o outro, trocando bilhetes e pegando endereços. À tarde, o palácio já era um lugar bem mais sério do que quando chegamos.
Não restou ninguém na parte do corredor onde eu ficava. Não se ouvia mais o som das criadas passando de um lado para o outro nem o do abrir e fechar das portas. Sentei-me à mesa para ler um livro enquanto as criadas tiravam o pó dos móveis. Perguntei-me se o palácio sempre tivera aquele clima de solidão. O vazio fez com que sentisse saudades da minha família.
De repente, ouvi batidas na porta. Anne correu para atender, com os olhos em mim para garantir que eu estava preparada. Assenti com a cabeça.
Quando Joseph entrou no quarto, pus-me de pé com um pulo.
— Senhoritas — ele disse, olhando para as criadas —, reencontramo-nos afinal.
Elas se curvaram e deram uma risadinha. Ele as cumprimentou e se voltou para mim. Até então eu não fazia ideia de como estava ansiosa para vê-lo. Estava em êxtase ali, ao lado da mesa.
— Me perdoem, por favor, mas preciso falar com a senhorita Demetria. Vocês nos dariam um momento?
Mais reverências e risadinhas, e Anne perguntou ao príncipe — com um tom de voz que dava a entender a adoração que tinha por ele — se podia lhe trazer algo. Joseph recusou, e as três saíram. As mãos dele estavam nos bolsos. Permanecemos em silêncio por uns instantes.
— Pensei que você não me deixaria ficar — admiti, por fim.
— Por quê? — ele perguntou, soando realmente confuso.
— Porque brigamos. Porque nossa relação é esquisita. Porque...
E porque apesar de você estar saindo com outras cinco garotas, acho que estou te traindo, pensei.
Joseph diminuiu a distância entre nós aos poucos, escolhendo as palavras conforme caminhava. Quando finalmente chegou até mim, tomou minhas mãos e explicou tudo:
— Primeiramente, deixe-me dizer que sinto muito. Eu não devia ter gritado com você — seu tom de voz era totalmente sincero. — É que alguns dos comitês e meu pai já me pressionam, e quero ser capaz de tomar a decisão por mim mesmo. Foi muito frustrante deparar com outra situação em que minha opinião não é levada a sério.
— Outra situação? — perguntei.
— Bom, você viu minhas escolhas. Miley é a favorita do povo, e não posso desprezar isso. Celeste é uma jovem muito poderosa e vem de uma família com que seria ótimo me alinhar. Natalie e Selena são moças charmosas, ambas muito agradáveis, e as preferidas de alguns membros da minha família. Elise tem contatos na Nova Ásia. Como estamos tentando acabar com essa maldita guerra, devo tê-la em conta. Fui massacrado por opiniões e encurralado por todos os lados nesta decisão.
Ele não explicou nada sobre mim, e eu quase não pedi que explicasse. Sabíamos que no meu caso a amizade vinha em primeiro lugar e que eu não tinha nenhuma serventia política. Mas precisava ouvir essas palavras para decidir por mim mesma. Não podia olhá-lo nos olhos.
— E por que eu ainda estou aqui?
Minha voz saiu um pouco mais alta que um sussurro. Eu sabia que ia doer. No fundo, tinha certeza de que só estava ali por que Joseph era bom demais para quebrar uma promessa.
— Demetria, pensei ter sido claro — ele disse calmamente.
O príncipe respirou fundo para demonstrar sua paciência e levantou meu queixo com a mão. Quando finalmente o olhei nos olhos, ele confessou:
— Se o assunto fosse simples, já teria eliminado todas as outras. Sei o que sinto por você. Talvez seja impulsivo da minha parte ter tanta certeza, mas estou certo de que seria feliz com você.
Corei. Pude sentir as lágrimas brotarem, mas as contive. Seu rosto tinha uma expressão apaixonada que eu não queria perder.
— Há momentos em que penso que rompemos todas as barreiras. E há outros em que penso que você só fica pela conveniência. Se tivesse certeza de que eu, e apenas eu, sou sua motivação...
Ele fez uma pausa e balançou a cabeça, como se não quisesse chegar ao final da frase.
— Eu estaria errado se dissesse que você ainda não tem certeza sobre mim?
Eu não queria magoá-lo, mas tinha que ser honesta:
— Não.
— Então não posso arriscar muito em minha aposta. Você pode optar por sair, e deixarei se quiser. Enquanto isso, preciso escolher uma esposa. Estou tentando tomar a melhor decisão dentro dos limites que me foram dados. Agora, por favor, não duvide por um segundo de sua importância para mim. Porque é imensa.
Não pude mais conter as lágrimas. Pensei em Nicholas e nos meus atos. Senti-me tão envergonhada.
— Joseph... — solucei. — Será que um dia você vai me perdoar...
Não consegui terminar minha confissão. Ele se aproximou ainda mais e começou a limpar as lágrimas do meu rosto com seus dedos fortes.
— Perdoar o quê? Nossa briguinha besta? Já é passado. Seus sentimentos demoram mais para passar que os meus? Sem problema. Estou pronto para esperar — ele disse, dando de ombros. — Acho que não há nada que você possa fazer que eu não possa perdoar. Lembra-se da joelhada?
Não consegui segurar a risada. Joseph também riu, mas uma vez só. Depois, ficou sério de repente.
— O que foi? — perguntei.
Ele balançou a cabeça.
— Eles foram tão rápidos dessa vez.
A voz dele estava cheia de uma admiração raivosa pelos talentos dos rebeldes. Só então me dei conta de quão perto de uma tragédia estive por tentar salvar minhas criadas.
— Tenho ficado cada vez mais preocupado, Demetria. Nortistas e sulistas, os dois estão cada vez mais determinados. Parece que não vão parar até conseguirem o que desejam. E eu não faço ideia do que seja — Joseph parecia confuso e triste. — Penso que é só uma questão de tempo
até destruírem alguém importante para mim.
Ele me olhou nos olhos e prosseguiu.
— Sabe, você ainda pode escolher. Se tiver medo de ficar, pode dizer — ele fez uma pausa e pensou. — Ou se chegar à conclusão de que nunca vai me amar, seria melhor me contar já. Deixarei que siga seu caminho e seremos amigos.
Lancei meus braços ao seu redor e apoiei a cabeça em seu peito. Joseph pareceu ao mesmo tempo confortado e surpreso com o gesto. Ele demorou apenas um segundo para me envolver nos braços.
— Joseph, não tenho certeza do que somos, mas sem dúvida somos mais que amigos.
Ele deixou escapar um suspiro. Com a cabeça em seu peito, pude finalmente ouvir as batidas de seu coração através do paletó. Pareciam aceleradas. Sua mão, delicada como sempre, acariciava minha bochecha. Ao olhar nos seus olhos, percebi que um sentimento inominável crescia entre nós.
Com o olhar, Joseph me pedia algo que tínhamos concordado esperar. Estava feliz por ele não querer mais esperar. Inclinei levemente a cabeça em consentimento, e ele fechou o pequeno espaço entre nós me beijando com uma ternura inimaginável.
Senti um sorriso em seus lábios, um sorriso que durou por muito tempo depois.
11/01/2014
Capitulo 22 (Faltam 2)
Na manhã seguinte acordei me sentindo um pouco culpada. Assustada até. Ignorar Joseph mexendo em sua orelha não lhe tirava o direito de entrar no meu quarto quando quisesse. Seria tão fácil flagrar Nicholas e eu. Se alguém desconfiasse do que eu tinha feito...
Foi uma traição. E no palácio só havia um jeito de lidar com traidores. Mas uma parte de mim não se importava. Ao despertar, ainda bêbada de sono, revivi cada olhar de Nicholas, cada toque, cada beijo. Tinha sentido tanta falta daquilo.
Gostaria que tivéssemos conseguido conversar. Eu realmente precisava saber o que Nicholas pensava, embora ele tivesse deixado algumas pistas na noite anterior. Era inacreditável que — depois de me esforçar tanto para não o querer mais — ele ainda me quisesse.
Era sábado, e teoricamente eu deveria ir para o Salão das Mulheres, mas não ia aguentar. Precisava pensar, e sabia que não conseguiria se estivesse rodeada por um falatório incessante. Quando as criadas chegaram, disse a elas que estava com enxaqueca e que ia ficar na cama.
Elas foram muito prestativas. Levaram meu almoço e limparam o quarto sem fazer barulho. Quase me senti mal por ter mentido. Mas eu precisava. Não podia encarar a rainha e as meninas — e talvez Joseph — com o pensamento preso a Nicholas.
Fechei os olhos, mas não dormi. Tentei clarear meus sentimentos.
Não consegui fazer grandes progressos, contudo. Alguém bateu à porta. Rolei na cama e vi o rosto de Anne, que me perguntava sem palavras se podia atender. Sentei-me rapidamente, ajeitei o cabelo e fiz um sinal positivo com a cabeça.
Rezei para que não fosse Joseph; tinha medo de que descobrisse o crime estampado em meu rosto. Não estava, porém, preparada para ver a figura de Nicholas entrando pela porta. Sentei-me ainda mais ereta quase que automaticamente, esperando que as criadas não tivessem notado minha agitação.
— Com licença, senhorita — ele disse para Anne. — Sou o soldado Leger. Estou aqui para conversar com a senhorita Demetria sobre algumas medidas de segurança.
— Claro — Anne disse, com um sorriso maior que o habitual.
Ela estendeu o braço para dentro do quarto, indicando que Nicholas podia entrar. No canto, Mary deu um cutucão em Lucy, que soltou uma risadinha.
Ao ouvir isso, Nicholas se voltou para elas e as cumprimentou levantando um pouco o quepe:
— Senhoritas.
Lucy baixou a cabeça e as bochechas de Mary ficaram mais vermelhas que meu cabelo, mas nenhuma das duas respondeu. Anne, embora também movida pela boa aparência de Nicholas, reuniu forças para falar:
— Devemos sair, senhorita?
Pensei um pouco antes de responder. Não queria ser óbvia demais, mas gostaria de um pouco de privacidade.
— Só por uns minutos. Estou certa de que o soldado Leger não precisa de muito tempo — decidi.
As três deixaram o quarto de imediato, e assim que desapareceram porta afora.
— Receio que esteja errada. Preciso de muito tempo com você — e piscou para mim.
— Ainda não acredito que você está aqui — eu disse, meneando a cabeça.
Sem perder tempo, Nicholas tirou o quepe, sentou-se à cabeceira da cama e repousou as mãos de tal modo que seus dedos roçaram os meus.
— Nunca pensei que veria o recrutamento como uma bênção, mas, se me der a chance de pedir desculpas a você, serei infinitamente grato.
Permaneci em um silêncio atônito.
Nicholas olhou no fundo dos meus olhos e prosseguiu:
— Por favor, me perdoe, Meri. Eu fui um idiota. Comecei a me arrepender daquela noite na casa da árvore no instante em que desci as escadas. Fui teimoso demais para falar alguma coisa, e depois seu nome foi chamado... Não sabia o que fazer.
Ele parou por um instante. Parecia ter lágrimas nos olhos. Seria possível que Nicholas tivesse chorado por mim como eu por ele?
— Ainda sou muito apaixonado por você — ele concluiu.
Mordi os lábios para segurar as lágrimas. Tinha que me certificar de uma coisa antes de pensar no assunto:
— E Brenna?
Seu queixo caiu.
— Quê?
Tentei respirar fundo e continuei:
— Vi vocês dois juntos na praça durante minha despedida. Vocês terminaram?
O rosto dele se fechou, concentrado, para depois se abrir em uma gargalhada. Nicholas cobriu a boca com a mão e se jogou de costas na cama para depois se levantar e perguntar:
— É isso que você acha? Ah, Meri, ela caiu. Tropeçou e eu a segurei.
— Tropeçou?
— Sim, a praça estava cheia, as pessoas estavam umas em cima das outras. Ela caiu em cima de mim e fez uma piada sobre ser estabanada, e você sabe que ela é, mesmo em condições normais.
Lembrei-me da vez em que Brenna caiu na calçada sem nenhum motivo. Por que não tinha pensado nisso antes?
— Assim que me livrei dela, corri para o palco — completou Nicholas.
A cena me veio à memória. Nicholas tentando desesperadamente chegar
perto de mim. Não era fingimento.
— E o que você ia fazer quando chegasse lá? — perguntei.
Ele deu de ombros.
— Não cheguei a pensar nisso. Pensei em implorar para você ficar. Estava pronto para fazer papel de idiota se com isso evitasse sua entrada naquele carro. Mas você parecia tão zangada... e entendo o motivo agora.
Ele respirou alto.
— Eu não ia conseguir falar — continuou. — Além disso, talvez você fosse feliz aqui.
Ele correu os olhos pelo quarto, viu todas as coisas bonitas que eu podia considerar minhas temporariamente. Dava para entender porque achava isso.
— Depois — prosseguiu —, imaginei que poderia reconquistar você quando voltasse. — De repente, a voz dele assumiu um tom de preocupação. — Tinha certeza de que ia querer sair assim que pudesse. Mas... você não saía.
Ele fez uma pausa e olhou para mim, mas felizmente não me perguntou quão próximos Joseph e eu estávamos. Ele já tinha visto um pouco dessa proximidade, mas não sabia que tínhamos nos beijado e que tínhamos um sinal secreto. E eu não queria ter que explicar isso.
— Então veio o recrutamento, e eu julguei que seria injusto escrever para você. Poderia morrer por aí. Não queria fazer com que me amasse de novo e depois...
— Amar você de novo? — perguntei, incrédula. — Nicholas, nunca deixei de amar você.
Com um movimento rápido e delicado, ele se inclinou e me beijou. Nicholas pôs a mão na minha bochecha, apertando-me contra seu peito. Cada minuto dos últimos dois anos preencheu meu corpo. Fiquei muito agradecida por não terem desaparecido.
— Sinto muito — ele murmurou entre os beijos. — Sinto mesmo, Meri.
Ele se afastou e olhou em meus olhos, com um sorrisinho em seu rosto perfeito. Sua expressão perguntava exatamente o mesmo que eu. O
que íamos fazer?
Nesse exato instante, a porta se abriu e fui tomada pelo pânico quando minhas criadas flagraram Nicholas e eu tão próximos.
— Graças aos céus, vocês voltaram — ele disse, forçando a mão contra minha bochecha antes de passá-la para minha testa. — A senhorita parece estar com a temperatura muito baixa.
— O que há de errado? — perguntou Anne. Seu rosto se encheu de preocupação e ela correu para o lado da cama.
Nicholas se levantou e mentiu:
— Ela disse que se sentia mal. Algo com a cabeça.
— Sua dor de cabeça piorou, senhorita? — perguntou Mary. — Seu rosto está tão pálido!
Aposto que sim. Sem dúvida cada gota de sangue do meu rosto tinha sumido no instante em que elas nos viram juntos. Mas Nicholas, que conseguia manter a calma mesmo sob pressão, consertou tudo em uma fração de segundo.
— Vou pegar o remédio — avisou Lucy voando para o banheiro.
— Perdoe-me, senhorita — disse Nicholas enquanto minhas criadas punham as mãos à obra. — Não quero incomodá-la mais. Voltarei quando estiver melhor.
Seus olhos revelavam aquele rosto que beijei um milhão de vezes na casa da árvore. O mundo ao nosso redor era completamente novo, mas o elo entre nós dois era o mesmo de sempre.
— Obrigada, soldado — agradeci com a voz fraca.
Nicholas fez uma pequena reverência e saiu.
Em pouco tempo, as criadas já estavam em volta de mim, tentando curar uma doença que nem sequer existia.
Minha cabeça não doía, mas meu coração, sim. O desejo pelos braços de Nicholas era tão familiar que parecia que nunca havia deixado de senti-lo.
Acordei com Anne me sacudindo violentamente no meio da noite.
— O quê?!
— Por favor, a senhorita precisa se levantar!
Sua voz estava frenética, carregada de terror.
— O que há de errado? Você está machucada? — perguntei.
— Não, não. Temos de levá-la ao porão. Estamos sendo atacados.
Eu estava confusa. Não tinha certeza de ter entendido Anne direito. Mas notei que Lucy já chorava atrás dela.
— Eles entraram? — perguntei sem acreditar.
O lamento aterrorizado de Lucy foi a confirmação de que precisava.
— O que fazemos? — perguntei.
Um pico súbito de adrenalina me despertou e eu pulei da cama. Meus pés mal tocaram o chão e Mary já me calçava os sapatos enquanto Anne me cobria com um roupão. Eu só me perguntava uma coisa. Norte ou sul? Norte ou sul?
— Há uma passagem no corredor. Ela conduz diretamente ao esconderijo no porão. Os guardas estarão à sua espera. A família real já deve estar lá, assim como a maioria das garotas. Rápido, senhorita.
Anne me empurrou para fora e forçou um trecho da parede, que girou como uma passagem secreta dos livros de mistério. Certamente havia uma escadaria me esperando depois da passagem. Enquanto eu estava ali, Tiny passou como um relâmpago vinda de seu quarto e disparou pelos degraus.
— Muito bem, vamos — eu disse.
Anne e Mary arregalaram os olhos para mim. Lucy tremia tanto que mal podia parar de pé.
— Vamos — repeti.
— Não, senhorita. Vamos para outro lugar. A senhorita precisa se apressar antes que eles cheguem aqui. Por favor!
Sabia que na melhor das hipóteses elas seriam feridas se os rebeldes as encontrassem; na pior, elas seriam mortas. Não suportaria saber que alguém as machucaria. Talvez eu estivesse sendo um pouco convencida, mas se Joseph já tinha chegado ao ponto de fazer tanta coisa por minha causa, quem sabe elas não eram importantes para ele por também serem para mim? Mesmo que tivéssemos brigado... Talvez fosse abusar de sua generosidade, mas eu não podia deixá-las lá. O medo fez com que eu agisse rápido. Agarrei Anne pelo braço e a empurrei para dentro. Ela
perdeu o equilíbrio e não conseguiu evitar que eu empurrasse Mary e Lucy.
— Andem! — ordenei.
Elas começaram a andar, mas Anne protestou ao longo de todo o caminho:
— Eles não nos deixarão entrar, senhorita! É um lugar só para a família... Eles vão nos mandar sair!
Não me importei com essas palavras. Não importava qual fosse o esconderijo delas, não seria mais seguro do que o da família real.
A escadaria tinha luzes a cada dois metros, mas mesmo assim quase caí duas vezes em minha pressa. Minha mente estava cega de tanta preocupação. Quão longe esses rebeldes já tinham chegado antes? Eles sabiam da existência dessas passagens secretas? Lucy estava quase paralisada; eu tinha que puxá-la para não dispersar o grupo.
Não saberia dizer quanto tempo levamos para chegar ao fim das escadas, mas o caminho estreito finalmente desembocou em uma caverna artificial. Pude ver outras escadarias e outras meninas; todas elas corriam para trás do que parecia ser uma porta de mais de meio metro de espessura. Nós quatro corremos para o esconderijo.
— Obrigado por acompanharem a senhorita. Podem ir agora — ordenou um guarda para minhas criadas.
— Não! Elas estão comigo. Vão ficar — eu disse, com autoridade.
— Senhorita, elas têm seu próprio esconderijo — ele replicou.
— Ótimo. Se não entrarem, eu não entro. Tenho certeza de que o príncipe Joseph gostará de saber que minha ausência é culpa sua. Vamos voltar, meninas.
Puxei Mary e Lucy pelas mãos. Anne estava tão chocada que não disse nada.
— Espere! Espere! Muito bem, podem entrar. Mas se houver qualquer reclamação, a responsabilidade é sua.
— Sem problemas — eu disse.
Dei meia-volta com elas e entrei no abrigo de cabeça erguida.
Havia um ruído de atividade lá dentro. Algumas garotas se abraçavam
aos prantos, enquanto outras rezavam. Vi o rei e a rainha sentados sozinhos, cercados por mais guardas. Ao lado deles, Joseph segurava a mão de Elayna. Ela parecia um pouco abalada, mas o toque dele claramente a acalmava. Observei o lugar da família real no esconderijo... Tão perto da porta. Perguntei-me se a escolha tinha a ver com a dos capitães de navio, que afundavam com seu barco. Eles fariam tudo para manter o palácio de pé, mas, se ele afundasse, eram os primeiros a morrer.
O grupinho real viu minha entrada e notou que eu tinha companhia. Não desviei o olhar de suas expressões confusas. Fiz uma breve reverência com a cabeça e continuei a andar com ar altivo. Imaginava que, enquanto parecesse estar certa dos meus atos, ninguém me questionaria.
Estava errada.
Dei mais três passos até Silvia aparecer. Ela passava a impressão de estar incrivelmente calma. Com certeza, aquela situação não era novidade para ela.
— Ótimo. Temos gente para ajudar. Meninas, vão imediatamente buscar água no armazém dos fundos e comecem a servir comida para a família real e as Selecionadas. Mexam-se — ela ordenou.
— Não.
Voltei-me para Anne e dei minha primeira ordem de verdade.
— Anne, por favor, sirva o rei, a rainha e o príncipe. Depois venha ficar ao meu lado.
Então continuei, encarando Silvia:
— O resto pode se virar. Elas escolheram abandonar suas criadas. Podem pegar sua maldita água sozinhas. As minhas ficarão sentadas ao meu lado. Venham, moças.
Eu sabia que estávamos bem perto da família real e que eles podiam me ouvir. Na minha tentativa de mostrar autoridade, falei um pouco alto demais. Mas não me importava se eles me achassem grossa. Lucy estava mais assustada que a maior parte das pessoas naquele lugar. Tremia dos pés à cabeça, e não havia a menor chance de eu deixá-la servir gente que não tinha metade de sua bondade naquele estado.
Talvez por causa de todos os meus anos como irmã mais velha, eu
queria apenas manter aquelas três a salvo.
Encontramos um espacinho no fundo do abrigo. Quem quer que fosse o responsável pela manutenção do esconderijo não estava preparado para a chegada das Selecionadas. Quase não havia cadeiras suficientes. Mas eu vi os estoques de água e comida e supus que poderíamos ficar ali por meses, se fosse necessário.
Tratava-se de um grupo bem esquisito. Era óbvio que muitos funcionários tinham trabalhado a noite toda e, por isso, ainda estavam de uniforme. O próprio Joseph estava nessa situação. Mas quase todas as garotas estavam de camisola, um traje que só servia para dormir nos quartos aquecidos do segundo andar. Nem todas puderam pegar um roupão na pressa de fugir. E mesmo eu sentia um pouco de frio com o meu.
Várias meninas se juntaram na frente do abrigo. Era óbvio: seriam as primeiras a morrer se alguém invadisse o lugar. Mas, se não houvesse invasão, quanto tempo teriam passado bem diante de Joseph! Algumas garotas estavam mais próximas de onde tínhamos parado, e a maioria delas padecia da mesma condição de Lucy: tremiam, choravam e não se moviam de medo.
Enquanto Anne servia a família real, eu mantinha Lucy sobre meu braço e Mary a acariciava. Não havia nada de agradável a dizer do esconderijo ou da situação e, por isso, permanecemos um tempo em silêncio, ouvindo as vozes dos outros refugiados. Aquele ruído lembrou meu primeiro dia no palácio, quando nos maquiaram. Fechei os olhos e imaginei aquelas cenas com os sons do abrigo, com o intuito de ficar tão calma quanto aparentava estar.
— Você está bem?
Ergui os olhos e dei com Nicholas, imponente em seu uniforme. Seu tom de voz era muito formal, e ele não parecia nem um pouco abalado com aquela situação.
— Sim, obrigada — respondi, respirando fundo.
Não dissemos nada por alguns instantes, observando as pessoas se instalarem no abrigo. Mary estava claramente exausta e dormia apoiada em
Lucy. Lucy estava até mais calma, no fim das contas. Tinha parado de chorar e permanecia sentada, olhando para Nicholas com um olhar de doce admiração.
— Foi bondade sua trazer as criadas. Nem todo mundo é tão gentil com pessoas consideradas inferiores — ele disse.
— As castas nunca me importaram — afirmei calmamente. Nicholas abriu o menor dos sorrisos.
Lucy tomou fôlego como se fosse perguntar algo para Nicholas, mas um grito retumbante ecoou pelo esconderijo. Um guarda na outra ponta do lugar rugia ordens para que todas nós nos calássemos.
Nicholas saiu, o que foi bom. Temia que alguém pudesse ver alguma coisa.
— É o mesmo guarda de antes, não é? — Lucy perguntou.
— Sim.
— Eu o vi de vigia na sua porta. Ele é muito simpático — comentou.
Tinha certeza de que Nicholas devia falar com minhas criadas com a mesma delicadeza que falava comigo. Eram todos Seis, afinal.
— E é muito bonito — acrescentou Lucy.
Achei graça e pensei em dizer algo, mas aquele mesmo guarda nos pediu para fazer silêncio. Assim que alguns restos de conversa sumiram, uma quietude assustadora recaiu sobre o abrigo.
Então pudemos ouvir. Pessoas lutavam sobre nossas cabeças. Fiquei atenta ao som de tiros ou qualquer outra coisa que pudesse revelar a origem daquele grupo de rebeldes. Sem perceber, estava agarrada às garotas próximas de mim, como se juntas pudéssemos nos defender do que viesse a acontecer.
O som continuou por horas a fio. O único movimento no abrigo eram as rondas de Joseph, que cumpria seu dever e verificava a situação de cada uma das meninas. Quando ele chegou no canto onde estávamos, apenas Lucy e eu permanecíamos acordadas. Às vezes, trocávamos umas palavras rápidas aos sussurros, quase lendo os lábios uma da outra.
Joseph se aproximou e não notei nenhum vestígio de raiva por causa de nossa última discussão, embora eu ainda quisesse esclarecer aquilo.
Em vez disso, vi um sorriso agradecido em seu rosto. Ele estava simplesmente feliz por eu estar bem. Uma onda de culpa percorreu meu corpo... No que eu havia me metido?
— Você está bem? — ele perguntou.
Fiz que sim com a cabeça. Ele se voltou para Lucy e se inclinou sobre mim para falar com ela. Senti o cheiro dele. Joseph não cheirava a nada que viesse em frascos. Não era como canela ou baunilha, nem mesmo — lembrei na hora — sabonete caseiro. Tinha seu próprio cheiro, uma mistura de essências que seu corpo exalava.
— E você? — ele perguntou a Lucy.
Ela também fez que sim com a cabeça.
— Surpresa de estar aqui em baixo?
Ele deu um sorriso para Lucy, deixando mais leve uma situação inimaginável.
— Não, Majestade. Não com ela — respondeu Lucy, voltando a cabeça para mim.
O príncipe virou-se para me encarar, e seu rosto estava incrivelmente próximo do meu. Senti-me desconfortável. Havia tanta gente deitada ao meu redor que eu não era capaz de me mover. E podíamos ser vistos por muitos; até por Nicholas. Mas o momento passou rapidamente e ele voltou a olhar para Lucy.
— Sei o que você quer dizer.
Joseph abriu outro sorriso. Ele parecia prestes a dizer algo mais, mas mudou de ideia e começou a se levantar.
Agarrei seu braço com um só movimento e perguntei em voz baixa:
— Norte ou sul?
— Lembra-se do dia da foto? — ele sussurrou.
Em choque, respondi que sim. Aqueles rebeldes que avançavam por noroeste, queimando plantações e massacrando pessoas pelo caminho. “Veja se conseguimos interceptá-los”, Joseph tinha dito. Aqueles rebeldes, aqueles assassinos, tinham vindo lentamente até nós, e não pudemos pará-los. Eram matadores. Eram sulistas.
— Não conte a ninguém.
Joseph nos deixou e passou para Fiona, que soluçava encolhida.
Tentei respirar devagar enquanto imaginava meios de escapar caso eles chegassem até nós, mas era tudo ilusão. Se os rebeldes conseguissem entrar, seria o fim. Não havia nada a fazer senão esperar.
O tempo se arrastava. Não fazia ideia de que horas eram, mas as pessoas que tinham apagado começavam a acordar e aqueles que tinham se mantido ligados começavam a desfalecer.
Os barulhos sobre nós não pararam de uma vez, mas diminuíram com o passar das horas. Por fim, tudo ficou em silêncio e assim permaneceu.
A porta se abriu e alguns guardas saíram para investigar. Mais tempo se passou enquanto faziam uma varredura no palácio. Então eles voltaram.
— Senhoras e senhores, os rebeldes foram subjugados — um dos guardas anunciou. — Pedimos a todos que retornem a seus quartos pela escada dos fundos. Há muita bagunça e vários guardas feridos. É melhor evitar os salões e corredores até que tudo esteja limpo. As Selecionadas devem ir para seus quartos e permanecer lá até segunda ordem. Já falei com os cozinheiros e alguém lhes servirá algo dentro de uma hora. Preciso que todos os membros da equipe médica me acompanhem até a ala hospitalar.
Após essas palavras, as pessoas começaram a se levantar e a agir como se nada tivesse acontecido. Alguns aparentavam certo tédio. Com exceção de rostos como o de Lucy, todos pareciam ter mantido a calma durante o ataque, como se fosse esperado.
Meu quarto havia sido revirado. Colchão fora da cama, vestidos jogados no chão, fotos da minha família rasgadas. Procurei o jarro e o encontrei intacto, com sua moedinha, escondido debaixo da cama. Tentei não chorar, mas meus olhos continuavam a marejar. Não era medo, embora eu tivesse medo. Só não queria que um inimigo tocasse nas minhas coisas, não queria que as destruísse. Levamos um tempo até ajeitar tudo, por conta do cansaço extremo. Mas conseguimos. Anne conseguiu até a encontrar fita adesiva para eu colar minhas fotos. Mandei minhas criadas para a cama assim que pus as mãos na fita. Anne reclamou, mas eu não estava disposta a ouvir. Agora que tinha encontrado
minha capacidade de dar ordens, não tinha medo de usá-la.
Assim que fiquei sozinha, deixei o choro correr. O medo, embora quase extinto, ainda dominava parte de mim.
Peguei a calça que Joseph me dera e a única camiseta trazida de casa e vesti. Senti-me um pouco mais normal assim. Meu cabelo estava uma bagunça por causa de tudo o que havia acontecido durante a noite e a maior parte da manhã. Dei um jeito nele com um coque simples, mas algumas mechas caíam sobre meu rosto.
Dispus os pedaços das fotos na cama, tentando descobrir a quais fotos pertenciam cada um. Era como ter quatro quebra-cabeças diferentes na mesma caixa. Tinha conseguido montar uma das fotos quando alguém bateu à porta.
“Joseph”, pensei. “Por favor, que seja Joseph.”
Abri a porta cheia de esperança.
— Olá, queridinha.
Era Silvia. Ela fez um beicinho que, achei, devia ser sua maneira de oferecer conforto. Silvia entrou rapidamente e só depois reparou em minhas roupas.
— Não me diga que também quer ir embora? — ela lamentou. — De verdade, não foi nada — Silvia parecia querer apagar todo aquele episódio com um gesto de suas mãos.
Eu não chamaria aquilo de nada. Será que ela não notou que eu tinha chorado?
— Não vou embora — disse, jogando uma mecha de cabelo para trás da orelha. — Alguém pediu para sair?
Ela deu um suspiro, decepcionada.
— Sim. Três até agora. E Joseph, ótimo rapaz, disse-me para liberar quem quisesse voltar para casa. Providências estão sendo tomadas neste exato momento. É tão engraçado. Parece que ele sabia que algumas garotas iriam embora. Se estivesse no lugar delas, pensaria duas vezes antes de sair por causa de uma bobagem como essa.
Silvia começou a circular pelo quarto, observando a decoração. Bobagem? O que tinha de errado com essa mulher?
— Levaram alguma coisa? — ela perguntou com um tom informal.
— Não, senhora. Fizeram a maior bagunça, mas não dei por falta de nada.
— Muito bom.
Ela se aproximou de mim com um minúsculo telefone.
— É a linha mais segura do palácio — explicou. — Você precisa telefonar para sua família e dizer que está bem. Não demore muito. Ainda tenho outras garotas para ver.
Fiquei maravilhada com aquele objeto diminuto. Nunca havia posto as mãos em um telefone portátil. Já os tinha visto com Dois e Três, mas nunca imaginei que um dia usaria um. Minhas mãos tremeram de emoção. Eu estava prestes a ouvir a voz deles!
Disquei os números, ansiosa. Depois de tudo o que tinha acontecido, aquela oportunidade me fez sorrir. Minha mãe atendeu depois de dois toques.
— Alô?
— Mãe?
— Demetria! É você? Você está bem? Estávamos morrendo de preocupação. Um guarda telefonou para avisar que não conseguiríamos entrar em contato com você por alguns dias, e eu sabia que os malditos rebeldes tinham conseguido entrar aí. Ficamos com tanto medo.
Minha mãe começou a chorar.
— Ah, mãe, não chore. Estou segura.
Olhei para Silvia. Ela parecia aborrecida.
— Um momento.
Houve alguma agitação na minha casa.
— Demetria?
A voz de Maddie estava pesada por causa das lágrimas. Ela devia ter passado um dia péssimo.
— Maddie! Ah, Maddie! Sinto tanto a sua falta! — eu disse, sentindo minhas próprias lágrimas voltarem.
— Pensei que estivesse morta! Demetria, eu te amo. Promete que não vai morrer? — ela choramingou.
— Prometo — tive que achar graça nesse juramento.
— Você vai voltar para casa? Você pode? Não quero que fique aí.
Maddie estava praticamente implorando.
— Voltar para casa? — perguntei.
Fui tomada pelas emoções. Sentia saudades da minha família, e estava cansada de me esconder dos rebeldes. Estava cada vez mais confusa quanto a meus sentimentos por Nicholas e Joseph, e não sabia como lidar com aquilo. O jeito mais fácil seria sair. Mas não.
— Não, Maddie. Não posso ir para casa. Tenho que ficar aqui.
— Por quê? — grunhiu Maddie.
— Porque sim — respondi simplesmente.
— Porque sim o quê?
— Só... porque sim.
Maddie ficou em silêncio por um segundo, pensando.
— Você está apaixonada por Joseph?
Era a Maddie que só pensava em meninos de volta. Ela ficaria bem.
— Humm, não sei, mas...
— Demetria! Você está apaixonada por Joseph! Minha nossa!
Ouvi meu pai gritar “O quê?” ao fundo, enquanto minha mãe repetia “Sim, sim, sim!”.
— Maddie, eu não disse que...
— Eu sabia!
Maddie ria sem parar. E, assim, seu medo de me perder desapareceu.
— Maddie, preciso desligar. As outras garotas vão usar o telefone. Mas eu só queria que você soubesse que estou bem. Escrevo logo, prometo.
— Está bem, está bem. Fale sobre Joseph! E mande mais doces! Eu te amo! — ela gritou.
— Eu também te amo. Tchau.
Desliguei antes de ela pedir mais coisas. Assim que sua voz sumiu, porém, senti sua falta mais do que antes.
Silvia foi ligeira. Tomou o telefone da minha mão em segundos e caminhou para a porta.
— Boa menina — ela disse, e desapareceu pelo corredor.
Eu com certeza não me sentia bem. Mas sabia que logo que ajeitasse as coisas com Nicholas e Joseph me sentiria.
Foi uma traição. E no palácio só havia um jeito de lidar com traidores. Mas uma parte de mim não se importava. Ao despertar, ainda bêbada de sono, revivi cada olhar de Nicholas, cada toque, cada beijo. Tinha sentido tanta falta daquilo.
Gostaria que tivéssemos conseguido conversar. Eu realmente precisava saber o que Nicholas pensava, embora ele tivesse deixado algumas pistas na noite anterior. Era inacreditável que — depois de me esforçar tanto para não o querer mais — ele ainda me quisesse.
Era sábado, e teoricamente eu deveria ir para o Salão das Mulheres, mas não ia aguentar. Precisava pensar, e sabia que não conseguiria se estivesse rodeada por um falatório incessante. Quando as criadas chegaram, disse a elas que estava com enxaqueca e que ia ficar na cama.
Elas foram muito prestativas. Levaram meu almoço e limparam o quarto sem fazer barulho. Quase me senti mal por ter mentido. Mas eu precisava. Não podia encarar a rainha e as meninas — e talvez Joseph — com o pensamento preso a Nicholas.
Fechei os olhos, mas não dormi. Tentei clarear meus sentimentos.
Não consegui fazer grandes progressos, contudo. Alguém bateu à porta. Rolei na cama e vi o rosto de Anne, que me perguntava sem palavras se podia atender. Sentei-me rapidamente, ajeitei o cabelo e fiz um sinal positivo com a cabeça.
Rezei para que não fosse Joseph; tinha medo de que descobrisse o crime estampado em meu rosto. Não estava, porém, preparada para ver a figura de Nicholas entrando pela porta. Sentei-me ainda mais ereta quase que automaticamente, esperando que as criadas não tivessem notado minha agitação.
— Com licença, senhorita — ele disse para Anne. — Sou o soldado Leger. Estou aqui para conversar com a senhorita Demetria sobre algumas medidas de segurança.
— Claro — Anne disse, com um sorriso maior que o habitual.
Ela estendeu o braço para dentro do quarto, indicando que Nicholas podia entrar. No canto, Mary deu um cutucão em Lucy, que soltou uma risadinha.
Ao ouvir isso, Nicholas se voltou para elas e as cumprimentou levantando um pouco o quepe:
— Senhoritas.
Lucy baixou a cabeça e as bochechas de Mary ficaram mais vermelhas que meu cabelo, mas nenhuma das duas respondeu. Anne, embora também movida pela boa aparência de Nicholas, reuniu forças para falar:
— Devemos sair, senhorita?
Pensei um pouco antes de responder. Não queria ser óbvia demais, mas gostaria de um pouco de privacidade.
— Só por uns minutos. Estou certa de que o soldado Leger não precisa de muito tempo — decidi.
As três deixaram o quarto de imediato, e assim que desapareceram porta afora.
— Receio que esteja errada. Preciso de muito tempo com você — e piscou para mim.
— Ainda não acredito que você está aqui — eu disse, meneando a cabeça.
Sem perder tempo, Nicholas tirou o quepe, sentou-se à cabeceira da cama e repousou as mãos de tal modo que seus dedos roçaram os meus.
— Nunca pensei que veria o recrutamento como uma bênção, mas, se me der a chance de pedir desculpas a você, serei infinitamente grato.
Permaneci em um silêncio atônito.
Nicholas olhou no fundo dos meus olhos e prosseguiu:
— Por favor, me perdoe, Meri. Eu fui um idiota. Comecei a me arrepender daquela noite na casa da árvore no instante em que desci as escadas. Fui teimoso demais para falar alguma coisa, e depois seu nome foi chamado... Não sabia o que fazer.
Ele parou por um instante. Parecia ter lágrimas nos olhos. Seria possível que Nicholas tivesse chorado por mim como eu por ele?
— Ainda sou muito apaixonado por você — ele concluiu.
Mordi os lábios para segurar as lágrimas. Tinha que me certificar de uma coisa antes de pensar no assunto:
— E Brenna?
Seu queixo caiu.
— Quê?
Tentei respirar fundo e continuei:
— Vi vocês dois juntos na praça durante minha despedida. Vocês terminaram?
O rosto dele se fechou, concentrado, para depois se abrir em uma gargalhada. Nicholas cobriu a boca com a mão e se jogou de costas na cama para depois se levantar e perguntar:
— É isso que você acha? Ah, Meri, ela caiu. Tropeçou e eu a segurei.
— Tropeçou?
— Sim, a praça estava cheia, as pessoas estavam umas em cima das outras. Ela caiu em cima de mim e fez uma piada sobre ser estabanada, e você sabe que ela é, mesmo em condições normais.
Lembrei-me da vez em que Brenna caiu na calçada sem nenhum motivo. Por que não tinha pensado nisso antes?
— Assim que me livrei dela, corri para o palco — completou Nicholas.
A cena me veio à memória. Nicholas tentando desesperadamente chegar
perto de mim. Não era fingimento.
— E o que você ia fazer quando chegasse lá? — perguntei.
Ele deu de ombros.
— Não cheguei a pensar nisso. Pensei em implorar para você ficar. Estava pronto para fazer papel de idiota se com isso evitasse sua entrada naquele carro. Mas você parecia tão zangada... e entendo o motivo agora.
Ele respirou alto.
— Eu não ia conseguir falar — continuou. — Além disso, talvez você fosse feliz aqui.
Ele correu os olhos pelo quarto, viu todas as coisas bonitas que eu podia considerar minhas temporariamente. Dava para entender porque achava isso.
— Depois — prosseguiu —, imaginei que poderia reconquistar você quando voltasse. — De repente, a voz dele assumiu um tom de preocupação. — Tinha certeza de que ia querer sair assim que pudesse. Mas... você não saía.
Ele fez uma pausa e olhou para mim, mas felizmente não me perguntou quão próximos Joseph e eu estávamos. Ele já tinha visto um pouco dessa proximidade, mas não sabia que tínhamos nos beijado e que tínhamos um sinal secreto. E eu não queria ter que explicar isso.
— Então veio o recrutamento, e eu julguei que seria injusto escrever para você. Poderia morrer por aí. Não queria fazer com que me amasse de novo e depois...
— Amar você de novo? — perguntei, incrédula. — Nicholas, nunca deixei de amar você.
Com um movimento rápido e delicado, ele se inclinou e me beijou. Nicholas pôs a mão na minha bochecha, apertando-me contra seu peito. Cada minuto dos últimos dois anos preencheu meu corpo. Fiquei muito agradecida por não terem desaparecido.
— Sinto muito — ele murmurou entre os beijos. — Sinto mesmo, Meri.
Ele se afastou e olhou em meus olhos, com um sorrisinho em seu rosto perfeito. Sua expressão perguntava exatamente o mesmo que eu. O
que íamos fazer?
Nesse exato instante, a porta se abriu e fui tomada pelo pânico quando minhas criadas flagraram Nicholas e eu tão próximos.
— Graças aos céus, vocês voltaram — ele disse, forçando a mão contra minha bochecha antes de passá-la para minha testa. — A senhorita parece estar com a temperatura muito baixa.
— O que há de errado? — perguntou Anne. Seu rosto se encheu de preocupação e ela correu para o lado da cama.
Nicholas se levantou e mentiu:
— Ela disse que se sentia mal. Algo com a cabeça.
— Sua dor de cabeça piorou, senhorita? — perguntou Mary. — Seu rosto está tão pálido!
Aposto que sim. Sem dúvida cada gota de sangue do meu rosto tinha sumido no instante em que elas nos viram juntos. Mas Nicholas, que conseguia manter a calma mesmo sob pressão, consertou tudo em uma fração de segundo.
— Vou pegar o remédio — avisou Lucy voando para o banheiro.
— Perdoe-me, senhorita — disse Nicholas enquanto minhas criadas punham as mãos à obra. — Não quero incomodá-la mais. Voltarei quando estiver melhor.
Seus olhos revelavam aquele rosto que beijei um milhão de vezes na casa da árvore. O mundo ao nosso redor era completamente novo, mas o elo entre nós dois era o mesmo de sempre.
— Obrigada, soldado — agradeci com a voz fraca.
Nicholas fez uma pequena reverência e saiu.
Em pouco tempo, as criadas já estavam em volta de mim, tentando curar uma doença que nem sequer existia.
Minha cabeça não doía, mas meu coração, sim. O desejo pelos braços de Nicholas era tão familiar que parecia que nunca havia deixado de senti-lo.
Acordei com Anne me sacudindo violentamente no meio da noite.
— O quê?!
— Por favor, a senhorita precisa se levantar!
Sua voz estava frenética, carregada de terror.
— O que há de errado? Você está machucada? — perguntei.
— Não, não. Temos de levá-la ao porão. Estamos sendo atacados.
Eu estava confusa. Não tinha certeza de ter entendido Anne direito. Mas notei que Lucy já chorava atrás dela.
— Eles entraram? — perguntei sem acreditar.
O lamento aterrorizado de Lucy foi a confirmação de que precisava.
— O que fazemos? — perguntei.
Um pico súbito de adrenalina me despertou e eu pulei da cama. Meus pés mal tocaram o chão e Mary já me calçava os sapatos enquanto Anne me cobria com um roupão. Eu só me perguntava uma coisa. Norte ou sul? Norte ou sul?
— Há uma passagem no corredor. Ela conduz diretamente ao esconderijo no porão. Os guardas estarão à sua espera. A família real já deve estar lá, assim como a maioria das garotas. Rápido, senhorita.
Anne me empurrou para fora e forçou um trecho da parede, que girou como uma passagem secreta dos livros de mistério. Certamente havia uma escadaria me esperando depois da passagem. Enquanto eu estava ali, Tiny passou como um relâmpago vinda de seu quarto e disparou pelos degraus.
— Muito bem, vamos — eu disse.
Anne e Mary arregalaram os olhos para mim. Lucy tremia tanto que mal podia parar de pé.
— Vamos — repeti.
— Não, senhorita. Vamos para outro lugar. A senhorita precisa se apressar antes que eles cheguem aqui. Por favor!
Sabia que na melhor das hipóteses elas seriam feridas se os rebeldes as encontrassem; na pior, elas seriam mortas. Não suportaria saber que alguém as machucaria. Talvez eu estivesse sendo um pouco convencida, mas se Joseph já tinha chegado ao ponto de fazer tanta coisa por minha causa, quem sabe elas não eram importantes para ele por também serem para mim? Mesmo que tivéssemos brigado... Talvez fosse abusar de sua generosidade, mas eu não podia deixá-las lá. O medo fez com que eu agisse rápido. Agarrei Anne pelo braço e a empurrei para dentro. Ela
perdeu o equilíbrio e não conseguiu evitar que eu empurrasse Mary e Lucy.
— Andem! — ordenei.
Elas começaram a andar, mas Anne protestou ao longo de todo o caminho:
— Eles não nos deixarão entrar, senhorita! É um lugar só para a família... Eles vão nos mandar sair!
Não me importei com essas palavras. Não importava qual fosse o esconderijo delas, não seria mais seguro do que o da família real.
A escadaria tinha luzes a cada dois metros, mas mesmo assim quase caí duas vezes em minha pressa. Minha mente estava cega de tanta preocupação. Quão longe esses rebeldes já tinham chegado antes? Eles sabiam da existência dessas passagens secretas? Lucy estava quase paralisada; eu tinha que puxá-la para não dispersar o grupo.
Não saberia dizer quanto tempo levamos para chegar ao fim das escadas, mas o caminho estreito finalmente desembocou em uma caverna artificial. Pude ver outras escadarias e outras meninas; todas elas corriam para trás do que parecia ser uma porta de mais de meio metro de espessura. Nós quatro corremos para o esconderijo.
— Obrigado por acompanharem a senhorita. Podem ir agora — ordenou um guarda para minhas criadas.
— Não! Elas estão comigo. Vão ficar — eu disse, com autoridade.
— Senhorita, elas têm seu próprio esconderijo — ele replicou.
— Ótimo. Se não entrarem, eu não entro. Tenho certeza de que o príncipe Joseph gostará de saber que minha ausência é culpa sua. Vamos voltar, meninas.
Puxei Mary e Lucy pelas mãos. Anne estava tão chocada que não disse nada.
— Espere! Espere! Muito bem, podem entrar. Mas se houver qualquer reclamação, a responsabilidade é sua.
— Sem problemas — eu disse.
Dei meia-volta com elas e entrei no abrigo de cabeça erguida.
Havia um ruído de atividade lá dentro. Algumas garotas se abraçavam
aos prantos, enquanto outras rezavam. Vi o rei e a rainha sentados sozinhos, cercados por mais guardas. Ao lado deles, Joseph segurava a mão de Elayna. Ela parecia um pouco abalada, mas o toque dele claramente a acalmava. Observei o lugar da família real no esconderijo... Tão perto da porta. Perguntei-me se a escolha tinha a ver com a dos capitães de navio, que afundavam com seu barco. Eles fariam tudo para manter o palácio de pé, mas, se ele afundasse, eram os primeiros a morrer.
O grupinho real viu minha entrada e notou que eu tinha companhia. Não desviei o olhar de suas expressões confusas. Fiz uma breve reverência com a cabeça e continuei a andar com ar altivo. Imaginava que, enquanto parecesse estar certa dos meus atos, ninguém me questionaria.
Estava errada.
Dei mais três passos até Silvia aparecer. Ela passava a impressão de estar incrivelmente calma. Com certeza, aquela situação não era novidade para ela.
— Ótimo. Temos gente para ajudar. Meninas, vão imediatamente buscar água no armazém dos fundos e comecem a servir comida para a família real e as Selecionadas. Mexam-se — ela ordenou.
— Não.
Voltei-me para Anne e dei minha primeira ordem de verdade.
— Anne, por favor, sirva o rei, a rainha e o príncipe. Depois venha ficar ao meu lado.
Então continuei, encarando Silvia:
— O resto pode se virar. Elas escolheram abandonar suas criadas. Podem pegar sua maldita água sozinhas. As minhas ficarão sentadas ao meu lado. Venham, moças.
Eu sabia que estávamos bem perto da família real e que eles podiam me ouvir. Na minha tentativa de mostrar autoridade, falei um pouco alto demais. Mas não me importava se eles me achassem grossa. Lucy estava mais assustada que a maior parte das pessoas naquele lugar. Tremia dos pés à cabeça, e não havia a menor chance de eu deixá-la servir gente que não tinha metade de sua bondade naquele estado.
Talvez por causa de todos os meus anos como irmã mais velha, eu
queria apenas manter aquelas três a salvo.
Encontramos um espacinho no fundo do abrigo. Quem quer que fosse o responsável pela manutenção do esconderijo não estava preparado para a chegada das Selecionadas. Quase não havia cadeiras suficientes. Mas eu vi os estoques de água e comida e supus que poderíamos ficar ali por meses, se fosse necessário.
Tratava-se de um grupo bem esquisito. Era óbvio que muitos funcionários tinham trabalhado a noite toda e, por isso, ainda estavam de uniforme. O próprio Joseph estava nessa situação. Mas quase todas as garotas estavam de camisola, um traje que só servia para dormir nos quartos aquecidos do segundo andar. Nem todas puderam pegar um roupão na pressa de fugir. E mesmo eu sentia um pouco de frio com o meu.
Várias meninas se juntaram na frente do abrigo. Era óbvio: seriam as primeiras a morrer se alguém invadisse o lugar. Mas, se não houvesse invasão, quanto tempo teriam passado bem diante de Joseph! Algumas garotas estavam mais próximas de onde tínhamos parado, e a maioria delas padecia da mesma condição de Lucy: tremiam, choravam e não se moviam de medo.
Enquanto Anne servia a família real, eu mantinha Lucy sobre meu braço e Mary a acariciava. Não havia nada de agradável a dizer do esconderijo ou da situação e, por isso, permanecemos um tempo em silêncio, ouvindo as vozes dos outros refugiados. Aquele ruído lembrou meu primeiro dia no palácio, quando nos maquiaram. Fechei os olhos e imaginei aquelas cenas com os sons do abrigo, com o intuito de ficar tão calma quanto aparentava estar.
— Você está bem?
Ergui os olhos e dei com Nicholas, imponente em seu uniforme. Seu tom de voz era muito formal, e ele não parecia nem um pouco abalado com aquela situação.
— Sim, obrigada — respondi, respirando fundo.
Não dissemos nada por alguns instantes, observando as pessoas se instalarem no abrigo. Mary estava claramente exausta e dormia apoiada em
Lucy. Lucy estava até mais calma, no fim das contas. Tinha parado de chorar e permanecia sentada, olhando para Nicholas com um olhar de doce admiração.
— Foi bondade sua trazer as criadas. Nem todo mundo é tão gentil com pessoas consideradas inferiores — ele disse.
— As castas nunca me importaram — afirmei calmamente. Nicholas abriu o menor dos sorrisos.
Lucy tomou fôlego como se fosse perguntar algo para Nicholas, mas um grito retumbante ecoou pelo esconderijo. Um guarda na outra ponta do lugar rugia ordens para que todas nós nos calássemos.
Nicholas saiu, o que foi bom. Temia que alguém pudesse ver alguma coisa.
— É o mesmo guarda de antes, não é? — Lucy perguntou.
— Sim.
— Eu o vi de vigia na sua porta. Ele é muito simpático — comentou.
Tinha certeza de que Nicholas devia falar com minhas criadas com a mesma delicadeza que falava comigo. Eram todos Seis, afinal.
— E é muito bonito — acrescentou Lucy.
Achei graça e pensei em dizer algo, mas aquele mesmo guarda nos pediu para fazer silêncio. Assim que alguns restos de conversa sumiram, uma quietude assustadora recaiu sobre o abrigo.
Então pudemos ouvir. Pessoas lutavam sobre nossas cabeças. Fiquei atenta ao som de tiros ou qualquer outra coisa que pudesse revelar a origem daquele grupo de rebeldes. Sem perceber, estava agarrada às garotas próximas de mim, como se juntas pudéssemos nos defender do que viesse a acontecer.
O som continuou por horas a fio. O único movimento no abrigo eram as rondas de Joseph, que cumpria seu dever e verificava a situação de cada uma das meninas. Quando ele chegou no canto onde estávamos, apenas Lucy e eu permanecíamos acordadas. Às vezes, trocávamos umas palavras rápidas aos sussurros, quase lendo os lábios uma da outra.
Joseph se aproximou e não notei nenhum vestígio de raiva por causa de nossa última discussão, embora eu ainda quisesse esclarecer aquilo.
Em vez disso, vi um sorriso agradecido em seu rosto. Ele estava simplesmente feliz por eu estar bem. Uma onda de culpa percorreu meu corpo... No que eu havia me metido?
— Você está bem? — ele perguntou.
Fiz que sim com a cabeça. Ele se voltou para Lucy e se inclinou sobre mim para falar com ela. Senti o cheiro dele. Joseph não cheirava a nada que viesse em frascos. Não era como canela ou baunilha, nem mesmo — lembrei na hora — sabonete caseiro. Tinha seu próprio cheiro, uma mistura de essências que seu corpo exalava.
— E você? — ele perguntou a Lucy.
Ela também fez que sim com a cabeça.
— Surpresa de estar aqui em baixo?
Ele deu um sorriso para Lucy, deixando mais leve uma situação inimaginável.
— Não, Majestade. Não com ela — respondeu Lucy, voltando a cabeça para mim.
O príncipe virou-se para me encarar, e seu rosto estava incrivelmente próximo do meu. Senti-me desconfortável. Havia tanta gente deitada ao meu redor que eu não era capaz de me mover. E podíamos ser vistos por muitos; até por Nicholas. Mas o momento passou rapidamente e ele voltou a olhar para Lucy.
— Sei o que você quer dizer.
Joseph abriu outro sorriso. Ele parecia prestes a dizer algo mais, mas mudou de ideia e começou a se levantar.
Agarrei seu braço com um só movimento e perguntei em voz baixa:
— Norte ou sul?
— Lembra-se do dia da foto? — ele sussurrou.
Em choque, respondi que sim. Aqueles rebeldes que avançavam por noroeste, queimando plantações e massacrando pessoas pelo caminho. “Veja se conseguimos interceptá-los”, Joseph tinha dito. Aqueles rebeldes, aqueles assassinos, tinham vindo lentamente até nós, e não pudemos pará-los. Eram matadores. Eram sulistas.
— Não conte a ninguém.
Joseph nos deixou e passou para Fiona, que soluçava encolhida.
Tentei respirar devagar enquanto imaginava meios de escapar caso eles chegassem até nós, mas era tudo ilusão. Se os rebeldes conseguissem entrar, seria o fim. Não havia nada a fazer senão esperar.
O tempo se arrastava. Não fazia ideia de que horas eram, mas as pessoas que tinham apagado começavam a acordar e aqueles que tinham se mantido ligados começavam a desfalecer.
Os barulhos sobre nós não pararam de uma vez, mas diminuíram com o passar das horas. Por fim, tudo ficou em silêncio e assim permaneceu.
A porta se abriu e alguns guardas saíram para investigar. Mais tempo se passou enquanto faziam uma varredura no palácio. Então eles voltaram.
— Senhoras e senhores, os rebeldes foram subjugados — um dos guardas anunciou. — Pedimos a todos que retornem a seus quartos pela escada dos fundos. Há muita bagunça e vários guardas feridos. É melhor evitar os salões e corredores até que tudo esteja limpo. As Selecionadas devem ir para seus quartos e permanecer lá até segunda ordem. Já falei com os cozinheiros e alguém lhes servirá algo dentro de uma hora. Preciso que todos os membros da equipe médica me acompanhem até a ala hospitalar.
Após essas palavras, as pessoas começaram a se levantar e a agir como se nada tivesse acontecido. Alguns aparentavam certo tédio. Com exceção de rostos como o de Lucy, todos pareciam ter mantido a calma durante o ataque, como se fosse esperado.
Meu quarto havia sido revirado. Colchão fora da cama, vestidos jogados no chão, fotos da minha família rasgadas. Procurei o jarro e o encontrei intacto, com sua moedinha, escondido debaixo da cama. Tentei não chorar, mas meus olhos continuavam a marejar. Não era medo, embora eu tivesse medo. Só não queria que um inimigo tocasse nas minhas coisas, não queria que as destruísse. Levamos um tempo até ajeitar tudo, por conta do cansaço extremo. Mas conseguimos. Anne conseguiu até a encontrar fita adesiva para eu colar minhas fotos. Mandei minhas criadas para a cama assim que pus as mãos na fita. Anne reclamou, mas eu não estava disposta a ouvir. Agora que tinha encontrado
minha capacidade de dar ordens, não tinha medo de usá-la.
Assim que fiquei sozinha, deixei o choro correr. O medo, embora quase extinto, ainda dominava parte de mim.
Peguei a calça que Joseph me dera e a única camiseta trazida de casa e vesti. Senti-me um pouco mais normal assim. Meu cabelo estava uma bagunça por causa de tudo o que havia acontecido durante a noite e a maior parte da manhã. Dei um jeito nele com um coque simples, mas algumas mechas caíam sobre meu rosto.
Dispus os pedaços das fotos na cama, tentando descobrir a quais fotos pertenciam cada um. Era como ter quatro quebra-cabeças diferentes na mesma caixa. Tinha conseguido montar uma das fotos quando alguém bateu à porta.
“Joseph”, pensei. “Por favor, que seja Joseph.”
Abri a porta cheia de esperança.
— Olá, queridinha.
Era Silvia. Ela fez um beicinho que, achei, devia ser sua maneira de oferecer conforto. Silvia entrou rapidamente e só depois reparou em minhas roupas.
— Não me diga que também quer ir embora? — ela lamentou. — De verdade, não foi nada — Silvia parecia querer apagar todo aquele episódio com um gesto de suas mãos.
Eu não chamaria aquilo de nada. Será que ela não notou que eu tinha chorado?
— Não vou embora — disse, jogando uma mecha de cabelo para trás da orelha. — Alguém pediu para sair?
Ela deu um suspiro, decepcionada.
— Sim. Três até agora. E Joseph, ótimo rapaz, disse-me para liberar quem quisesse voltar para casa. Providências estão sendo tomadas neste exato momento. É tão engraçado. Parece que ele sabia que algumas garotas iriam embora. Se estivesse no lugar delas, pensaria duas vezes antes de sair por causa de uma bobagem como essa.
Silvia começou a circular pelo quarto, observando a decoração. Bobagem? O que tinha de errado com essa mulher?
— Levaram alguma coisa? — ela perguntou com um tom informal.
— Não, senhora. Fizeram a maior bagunça, mas não dei por falta de nada.
— Muito bom.
Ela se aproximou de mim com um minúsculo telefone.
— É a linha mais segura do palácio — explicou. — Você precisa telefonar para sua família e dizer que está bem. Não demore muito. Ainda tenho outras garotas para ver.
Fiquei maravilhada com aquele objeto diminuto. Nunca havia posto as mãos em um telefone portátil. Já os tinha visto com Dois e Três, mas nunca imaginei que um dia usaria um. Minhas mãos tremeram de emoção. Eu estava prestes a ouvir a voz deles!
Disquei os números, ansiosa. Depois de tudo o que tinha acontecido, aquela oportunidade me fez sorrir. Minha mãe atendeu depois de dois toques.
— Alô?
— Mãe?
— Demetria! É você? Você está bem? Estávamos morrendo de preocupação. Um guarda telefonou para avisar que não conseguiríamos entrar em contato com você por alguns dias, e eu sabia que os malditos rebeldes tinham conseguido entrar aí. Ficamos com tanto medo.
Minha mãe começou a chorar.
— Ah, mãe, não chore. Estou segura.
Olhei para Silvia. Ela parecia aborrecida.
— Um momento.
Houve alguma agitação na minha casa.
— Demetria?
A voz de Maddie estava pesada por causa das lágrimas. Ela devia ter passado um dia péssimo.
— Maddie! Ah, Maddie! Sinto tanto a sua falta! — eu disse, sentindo minhas próprias lágrimas voltarem.
— Pensei que estivesse morta! Demetria, eu te amo. Promete que não vai morrer? — ela choramingou.
— Prometo — tive que achar graça nesse juramento.
— Você vai voltar para casa? Você pode? Não quero que fique aí.
Maddie estava praticamente implorando.
— Voltar para casa? — perguntei.
Fui tomada pelas emoções. Sentia saudades da minha família, e estava cansada de me esconder dos rebeldes. Estava cada vez mais confusa quanto a meus sentimentos por Nicholas e Joseph, e não sabia como lidar com aquilo. O jeito mais fácil seria sair. Mas não.
— Não, Maddie. Não posso ir para casa. Tenho que ficar aqui.
— Por quê? — grunhiu Maddie.
— Porque sim — respondi simplesmente.
— Porque sim o quê?
— Só... porque sim.
Maddie ficou em silêncio por um segundo, pensando.
— Você está apaixonada por Joseph?
Era a Maddie que só pensava em meninos de volta. Ela ficaria bem.
— Humm, não sei, mas...
— Demetria! Você está apaixonada por Joseph! Minha nossa!
Ouvi meu pai gritar “O quê?” ao fundo, enquanto minha mãe repetia “Sim, sim, sim!”.
— Maddie, eu não disse que...
— Eu sabia!
Maddie ria sem parar. E, assim, seu medo de me perder desapareceu.
— Maddie, preciso desligar. As outras garotas vão usar o telefone. Mas eu só queria que você soubesse que estou bem. Escrevo logo, prometo.
— Está bem, está bem. Fale sobre Joseph! E mande mais doces! Eu te amo! — ela gritou.
— Eu também te amo. Tchau.
Desliguei antes de ela pedir mais coisas. Assim que sua voz sumiu, porém, senti sua falta mais do que antes.
Silvia foi ligeira. Tomou o telefone da minha mão em segundos e caminhou para a porta.
— Boa menina — ela disse, e desapareceu pelo corredor.
Eu com certeza não me sentia bem. Mas sabia que logo que ajeitasse as coisas com Nicholas e Joseph me sentiria.
10/01/2014
Capitulo 21 (Faltam 3)
- Mas estou dizendo Joseph, não foi acidente.
Ambos estávamos no jardim novamente, matando o tempo até o Jornal Oficial. Esperei o dia inteiro para encontrar um momento em que pudesse conversar com ele.
— Ela pareceu triste, e pediu tantas desculpas — ele argumentou. — Como pode não ter sido acidente?
Bufei de irritação.
— Estou dizendo. Vejo Blanda todos os dias, e aquele foi seu jeito discreto de arruinar os quinze minutos de fama de Selena. Ela é supercompetitiva.
— Bem, se a intenção dela era tirar minha atenção de Selena, falhou. Passei quase uma hora com a garota. Bem agradável, por sinal.
Eu não queria saber disso. Tinha certeza de que existia uma ligação tênue entre nós, e não queria falar de nada que pudesse mudá-la. Não até que eu entendesse meus sentimentos.
— E quanto a Anna? — perguntei.
— Quem?
— Anna Farmer. Ela bateu em Blanda e você a enxotou, lembra? Sei que Anna foi provocada.
— Você ouviu Blanda falar alguma coisa? — indagou Joseph, com voz cética.
— Bem... não. Mas eu conhecia Anna e conheço Blanda. Anna não é o tipo de pessoa que parte direto para a violência. Blanda deve ter dito algo muito maldoso para ela reagir daquele jeito.
— Demetria, estou ciente de que você passa mais tempo com as meninas do que eu, mas você realmente as conhece? Sei que gosta de ficar escondida no quarto ou na biblioteca. Ouso dizer que tem mais intimidade com as criadas do que com qualquer uma das Selecionadas.
Ele provavelmente tinha razão, mas eu não ia recuar.
— Isso não é justo. Eu estava certa quanto a Miley, não estava? Ela não é uma garota legal?
Ele fez uma careta:
— É, ela é legal... acho.
— Então por que não acredita em mim quando digo que Blanda agiu de propósito?
— Demetria, não é que eu ache que você esteja mentindo. Tenho certeza de que acha que foi de propósito. Mas Blanda pediu desculpas. E ela sempre é boa comigo.
— Aposto que é — resmunguei baixo.
— Chega — disse Joseph, com um suspiro de enfado. — Não quero falar das outras agora.
— Ela tentou tomar meu vestido — reclamei.
— Eu já disse que não quero falar dela — o príncipe rebateu com raiva. Isso era o máximo que eu ia conseguir. Bufei e dei um tapa na minha própria perna. Estava tão frustrada que queria gritar.
— Se vai agir assim, vou procurar alguém que realmente queira a minha companhia — ele disparou, e começou a se afastar.
— Ei!
— Não! — Joseph se voltou para mim e falou com uma voz tão forte que eu nunca imaginaria que pudesse sair dele. — Você se esquece de sua situação, senhorita Demetria. Faria bem a você lembrar-se de que sou o príncipe herdeiro de Illéa. Para todos os efeitos e finalidades, sou o senhor e mestre deste país, e seria um coitado se deixasse você me tratar assim em minha própria casa. Não precisa concordar com minhas decisões, mas
deve submeter-se a elas.
Ele se virou e saiu. Não viu — ou não quis ver — as lágrimas que enchiam meus olhos.
Não olhei para Joseph no jantar, mas era difícil ignorá-lo durante o Jornal Oficial. Peguei-o olhando para mim duas vezes, e em ambas ele mexeu na orelha. Não correspondi. Não queria falar com ele. Minha única expectativa para a conversa era mais uma bronca, e eu não precisava daquilo.
Fui para meu quarto assim que o programa terminou, tão irritada com ele que mal conseguia pensar. Por que não me escutava? Será que me considerava uma mentirosa? Pior: será que pensava que Blanda jamais mentiria?
Talvez Joseph fosse apenas um cara normal, e Blanda apenas uma garota bonita. No fim das contas, a beleza dela prevalecia. Depois de toda aquela história de querer uma alma gêmea, quem sabe ele não queria mesmo era um corpo sem alma?
E se ele era esse tipo de pessoa, por que me incomodar? Burra, burra, burra! E eu o tinha beijado! E tinha prometido a ele que teria paciência! E para quê? Eu só...
Virei no corredor onde ficava meu quarto e lá estava Nicholas, de pé ao lado da porta. Toda a minha fúria se desfez em uma estranha incerteza. Pelo regulamento, os guardas deviam olhar para a frente e ficar em posição de sentido. Mas Nicholas estava olhando para mim com uma expressão indecifrável no rosto.
— Senhorita Demetria — ele sussurrou.
— Soldado Leger.
Apesar de não ser sua função, ele se esticou para abrir a porta. Entrei no quarto lentamente, como que com medo de dar-lhe as costas, com medo de que ele não fosse real. Depois de todo o esforço para expulsá-lo da minha cabeça e do meu coração, só queria que ele ficasse comigo naquele momento. Ao cruzar a porta, senti sua respiração próxima do meu cabelo. Ela me provocou calafrios.
Ele olhou fixamente meus olhos e fechou a porta devagar.
Era inútil querer dormir. Contorci-me durante horas enquanto a estupidez de Joseph e a proximidade de Nicholas lutavam em minha cabeça. Não sabia o que fazer em nenhum dos casos. Meus pensamentos prenderam tanto a minha atenção que nem percebi que os fiquei ruminando até bem depois das duas da manhã.
Suspirei. Minhas criadas teriam que se esforçar mais para me deixar com boa aparência de manhã.
De repente, vi uma luz no corredor. Nicholas abriu a porta tão silenciosamente que pensei que estava sonhando. Ele entrou e a fechou novamente.
— Nicholas, o que está fazendo? — falei em voz alta enquanto ele avançava na minha direção. — Você vai se meter em uma encrenca enorme se for pego aqui!
Ele continuou avançando em silêncio.
— Nicholas...
Ele se deteve em frente à minha cama. Sem um ruído, depositou a lança no chão.
— Você o ama?
Olhei para os olhos profundos dele, quase invisíveis na escuridão. Por uma fração de segundo, não soube o que dizer.
— Não.
Ele puxou meus cobertores com um gesto violento e gracioso ao mesmo tempo. Eu deveria ter reclamado, mas não o fiz. Sua mão estava atrás da minha cabeça, forçando meu rosto na direção dele. Nicholas me beijou ardentemente, e tudo o que havia de bom no mundo pareceu voltar à vida. Ele já não cheirava a sabonete caseiro e estava mais forte do que antes, mas cada movimento, cada toque, era familiar.
Retomei o fôlego por um breve momento enquanto os lábios dele passeavam por meu pescoço.
— Eles vão matar você por fazer isso.
— E eu vou morrer se não fizer.
Tentei reunir forças para mandá-lo parar, mas sabia que minhas tentativas não seriam sinceras. Havia mil coisas erradas naquele momento:
quebrávamos várias regras; Nicholas, até onde eu sabia, tinha namorada; Joseph e eu nutríamos algum sentimento mútuo. Mas eu não conseguia ficar preocupada. Estava zangada com o príncipe, e Nicholas era tão reconfortante. Só fiquei ali e deixei as mãos dele subirem e descerem pelas minhas pernas.
Aquilo era diferente. Nunca havíamos tido tanto espaço.
Mesmo naquela situação, podia sentir os pensamentos se revolvendo em minha cabeça. Estava com raiva de Joseph, de Blanda e até de Nicholas. Droga, eu tinha raiva de Illéa. Enquanto nos beijávamos, comecei a chorar.
Nicholas não tirou seus lábios dos meus, e logo algumas das lágrimas eram dele.
— Odeio você, sabia? — eu disse.
— Eu sei, Meri. Eu sei.
Meri. Seu toque, o modo como me chamava... Eu me sentia em outra dimensão. Apesar do meu estado de nervos, a companhia de Nicholas me levava de volta para casa.
Continuamos por quase quinze minutos antes de ele cair em si.
— Preciso voltar. Os guardas que fazem a ronda esperam me ver à porta.
— O quê?
— Há guardas que fazem rondas aleatórias. Posso ter vinte minutos. Posso ter uma hora. Se a ronda for curta, posso ter menos de cinco minutos.
— Rápido! — apressei-o, aos pulos, na tentativa de ajudá-lo a endireitar o cabelo.
Ele pegou a lança e corremos pelo quarto. Antes de abrir a porta, ele me puxou para mais um beijo. Parecia que minhas veias tinham sido invadidas pela luz do sol.
— Não posso acreditar que você está aqui.
Nicholas balançou a cabeça.
— Acredite em mim: ninguém ficou mais surpreso que eu.
— Duvido.
Sorrimos juntos.
— Como você acabou na guarda do palácio? — perguntei.
Ele deu de ombros:
— Parece que nasci para isso. Eles mandam todos os recrutas para aquele centro de treinamento em Whites. Demetria, tudo estava coberto de neve, e não eram aquelas nevascas leves de casa. Os novos soldados são treinados e testados. Também levam injeções. Não sei do que eram, mas fiquei forte bem rápido. Sou um combatente duro e inteligente. Fiquei em primeiro na minha turma.
Sorri orgulhosa:
— Não me surpreendo.
Beijei-o mais uma vez. Nicholas sempre foi bom demais para levar uma vida de Seis.
Ele abriu a porta e conferiu o corredor. Parecia vazio.
— Tenho tanto para contar. Precisamos conversar — cochichei.
— Eu sei. E vamos. Pode demorar um pouco, mas voltarei. Não esta noite, mas em breve.
Nicholas me beijou mais uma vez, tão forte que quase doeu.
— Senti saudades — ele sussurrou com os lábios próximos dos meus antes de voltar a seu posto.
Voltei para a cama atordoada. Não podia acreditar no que tinha acabado de fazer. Parte de mim — a mais nervosa — achava que Joseph tinha merecido. Se ele estava a fim de poupar Blanda e me humilhar, então eu não participaria da Seleção por muito tempo mais. Se ele podia achar brechas nas regras, então nada mais me deteria. Problema resolvido.
Sentindo um cansaço instantâneo, adormeci em pouco tempo
Ambos estávamos no jardim novamente, matando o tempo até o Jornal Oficial. Esperei o dia inteiro para encontrar um momento em que pudesse conversar com ele.
— Ela pareceu triste, e pediu tantas desculpas — ele argumentou. — Como pode não ter sido acidente?
Bufei de irritação.
— Estou dizendo. Vejo Blanda todos os dias, e aquele foi seu jeito discreto de arruinar os quinze minutos de fama de Selena. Ela é supercompetitiva.
— Bem, se a intenção dela era tirar minha atenção de Selena, falhou. Passei quase uma hora com a garota. Bem agradável, por sinal.
Eu não queria saber disso. Tinha certeza de que existia uma ligação tênue entre nós, e não queria falar de nada que pudesse mudá-la. Não até que eu entendesse meus sentimentos.
— E quanto a Anna? — perguntei.
— Quem?
— Anna Farmer. Ela bateu em Blanda e você a enxotou, lembra? Sei que Anna foi provocada.
— Você ouviu Blanda falar alguma coisa? — indagou Joseph, com voz cética.
— Bem... não. Mas eu conhecia Anna e conheço Blanda. Anna não é o tipo de pessoa que parte direto para a violência. Blanda deve ter dito algo muito maldoso para ela reagir daquele jeito.
— Demetria, estou ciente de que você passa mais tempo com as meninas do que eu, mas você realmente as conhece? Sei que gosta de ficar escondida no quarto ou na biblioteca. Ouso dizer que tem mais intimidade com as criadas do que com qualquer uma das Selecionadas.
Ele provavelmente tinha razão, mas eu não ia recuar.
— Isso não é justo. Eu estava certa quanto a Miley, não estava? Ela não é uma garota legal?
Ele fez uma careta:
— É, ela é legal... acho.
— Então por que não acredita em mim quando digo que Blanda agiu de propósito?
— Demetria, não é que eu ache que você esteja mentindo. Tenho certeza de que acha que foi de propósito. Mas Blanda pediu desculpas. E ela sempre é boa comigo.
— Aposto que é — resmunguei baixo.
— Chega — disse Joseph, com um suspiro de enfado. — Não quero falar das outras agora.
— Ela tentou tomar meu vestido — reclamei.
— Eu já disse que não quero falar dela — o príncipe rebateu com raiva. Isso era o máximo que eu ia conseguir. Bufei e dei um tapa na minha própria perna. Estava tão frustrada que queria gritar.
— Se vai agir assim, vou procurar alguém que realmente queira a minha companhia — ele disparou, e começou a se afastar.
— Ei!
— Não! — Joseph se voltou para mim e falou com uma voz tão forte que eu nunca imaginaria que pudesse sair dele. — Você se esquece de sua situação, senhorita Demetria. Faria bem a você lembrar-se de que sou o príncipe herdeiro de Illéa. Para todos os efeitos e finalidades, sou o senhor e mestre deste país, e seria um coitado se deixasse você me tratar assim em minha própria casa. Não precisa concordar com minhas decisões, mas
deve submeter-se a elas.
Ele se virou e saiu. Não viu — ou não quis ver — as lágrimas que enchiam meus olhos.
Não olhei para Joseph no jantar, mas era difícil ignorá-lo durante o Jornal Oficial. Peguei-o olhando para mim duas vezes, e em ambas ele mexeu na orelha. Não correspondi. Não queria falar com ele. Minha única expectativa para a conversa era mais uma bronca, e eu não precisava daquilo.
Fui para meu quarto assim que o programa terminou, tão irritada com ele que mal conseguia pensar. Por que não me escutava? Será que me considerava uma mentirosa? Pior: será que pensava que Blanda jamais mentiria?
Talvez Joseph fosse apenas um cara normal, e Blanda apenas uma garota bonita. No fim das contas, a beleza dela prevalecia. Depois de toda aquela história de querer uma alma gêmea, quem sabe ele não queria mesmo era um corpo sem alma?
E se ele era esse tipo de pessoa, por que me incomodar? Burra, burra, burra! E eu o tinha beijado! E tinha prometido a ele que teria paciência! E para quê? Eu só...
Virei no corredor onde ficava meu quarto e lá estava Nicholas, de pé ao lado da porta. Toda a minha fúria se desfez em uma estranha incerteza. Pelo regulamento, os guardas deviam olhar para a frente e ficar em posição de sentido. Mas Nicholas estava olhando para mim com uma expressão indecifrável no rosto.
— Senhorita Demetria — ele sussurrou.
— Soldado Leger.
Apesar de não ser sua função, ele se esticou para abrir a porta. Entrei no quarto lentamente, como que com medo de dar-lhe as costas, com medo de que ele não fosse real. Depois de todo o esforço para expulsá-lo da minha cabeça e do meu coração, só queria que ele ficasse comigo naquele momento. Ao cruzar a porta, senti sua respiração próxima do meu cabelo. Ela me provocou calafrios.
Ele olhou fixamente meus olhos e fechou a porta devagar.
Era inútil querer dormir. Contorci-me durante horas enquanto a estupidez de Joseph e a proximidade de Nicholas lutavam em minha cabeça. Não sabia o que fazer em nenhum dos casos. Meus pensamentos prenderam tanto a minha atenção que nem percebi que os fiquei ruminando até bem depois das duas da manhã.
Suspirei. Minhas criadas teriam que se esforçar mais para me deixar com boa aparência de manhã.
De repente, vi uma luz no corredor. Nicholas abriu a porta tão silenciosamente que pensei que estava sonhando. Ele entrou e a fechou novamente.
— Nicholas, o que está fazendo? — falei em voz alta enquanto ele avançava na minha direção. — Você vai se meter em uma encrenca enorme se for pego aqui!
Ele continuou avançando em silêncio.
— Nicholas...
Ele se deteve em frente à minha cama. Sem um ruído, depositou a lança no chão.
— Você o ama?
Olhei para os olhos profundos dele, quase invisíveis na escuridão. Por uma fração de segundo, não soube o que dizer.
— Não.
Ele puxou meus cobertores com um gesto violento e gracioso ao mesmo tempo. Eu deveria ter reclamado, mas não o fiz. Sua mão estava atrás da minha cabeça, forçando meu rosto na direção dele. Nicholas me beijou ardentemente, e tudo o que havia de bom no mundo pareceu voltar à vida. Ele já não cheirava a sabonete caseiro e estava mais forte do que antes, mas cada movimento, cada toque, era familiar.
Retomei o fôlego por um breve momento enquanto os lábios dele passeavam por meu pescoço.
— Eles vão matar você por fazer isso.
— E eu vou morrer se não fizer.
Tentei reunir forças para mandá-lo parar, mas sabia que minhas tentativas não seriam sinceras. Havia mil coisas erradas naquele momento:
quebrávamos várias regras; Nicholas, até onde eu sabia, tinha namorada; Joseph e eu nutríamos algum sentimento mútuo. Mas eu não conseguia ficar preocupada. Estava zangada com o príncipe, e Nicholas era tão reconfortante. Só fiquei ali e deixei as mãos dele subirem e descerem pelas minhas pernas.
Aquilo era diferente. Nunca havíamos tido tanto espaço.
Mesmo naquela situação, podia sentir os pensamentos se revolvendo em minha cabeça. Estava com raiva de Joseph, de Blanda e até de Nicholas. Droga, eu tinha raiva de Illéa. Enquanto nos beijávamos, comecei a chorar.
Nicholas não tirou seus lábios dos meus, e logo algumas das lágrimas eram dele.
— Odeio você, sabia? — eu disse.
— Eu sei, Meri. Eu sei.
Meri. Seu toque, o modo como me chamava... Eu me sentia em outra dimensão. Apesar do meu estado de nervos, a companhia de Nicholas me levava de volta para casa.
Continuamos por quase quinze minutos antes de ele cair em si.
— Preciso voltar. Os guardas que fazem a ronda esperam me ver à porta.
— O quê?
— Há guardas que fazem rondas aleatórias. Posso ter vinte minutos. Posso ter uma hora. Se a ronda for curta, posso ter menos de cinco minutos.
— Rápido! — apressei-o, aos pulos, na tentativa de ajudá-lo a endireitar o cabelo.
Ele pegou a lança e corremos pelo quarto. Antes de abrir a porta, ele me puxou para mais um beijo. Parecia que minhas veias tinham sido invadidas pela luz do sol.
— Não posso acreditar que você está aqui.
Nicholas balançou a cabeça.
— Acredite em mim: ninguém ficou mais surpreso que eu.
— Duvido.
Sorrimos juntos.
— Como você acabou na guarda do palácio? — perguntei.
Ele deu de ombros:
— Parece que nasci para isso. Eles mandam todos os recrutas para aquele centro de treinamento em Whites. Demetria, tudo estava coberto de neve, e não eram aquelas nevascas leves de casa. Os novos soldados são treinados e testados. Também levam injeções. Não sei do que eram, mas fiquei forte bem rápido. Sou um combatente duro e inteligente. Fiquei em primeiro na minha turma.
Sorri orgulhosa:
— Não me surpreendo.
Beijei-o mais uma vez. Nicholas sempre foi bom demais para levar uma vida de Seis.
Ele abriu a porta e conferiu o corredor. Parecia vazio.
— Tenho tanto para contar. Precisamos conversar — cochichei.
— Eu sei. E vamos. Pode demorar um pouco, mas voltarei. Não esta noite, mas em breve.
Nicholas me beijou mais uma vez, tão forte que quase doeu.
— Senti saudades — ele sussurrou com os lábios próximos dos meus antes de voltar a seu posto.
Voltei para a cama atordoada. Não podia acreditar no que tinha acabado de fazer. Parte de mim — a mais nervosa — achava que Joseph tinha merecido. Se ele estava a fim de poupar Blanda e me humilhar, então eu não participaria da Seleção por muito tempo mais. Se ele podia achar brechas nas regras, então nada mais me deteria. Problema resolvido.
Sentindo um cansaço instantâneo, adormeci em pouco tempo
09/01/2014
Capitulo 20 (Faltam 4)
No fim das contas, não optei por ficar escondida no quarto. Em vez disso, escolhi o Salão das Mulheres. Geralmente, eu passava o dia entrando e saindo de lá, em passeios com Miley ou visitas às criadas no quarto. Mas passei a usar o Salão das Mulheres como uma caverna. Nenhum homem, nem mesmo os guardas, tinha autorização para entrar lá sem ordem expressa da rainha. Era perfeito.
Bem, funcionou perfeitamente por três dias. Com tantas garotas no palácio, era questão de tempo até uma delas fazer aniversário. E o de Selena era na quinta-feira. Ela deve ter comentado o fato com Joseph — que nunca deixava escapar a chance de presentear alguém —, e o resultado foi uma festa obrigatória para todas as Selecionadas. Assim, quinta-feira foi um dia de correria louca por parte das meninas, que entravam e saíam umas dos quartos das outras, perguntando o que vestir ou imaginando o tamanho da festa.
Aparentemente, não era preciso levar presente, mas mesmo assim preparei algo para a aniversariante.
No dia da festa, pus um dos meus vestidos favoritos e peguei o violino. Caminhei na ponta dos pés até o Grande Salão, olhando para os lados em cada corredor. Assim que cheguei, corri os olhos pelos guardas em sentinela. Por sorte Nicholas não estava presente, e restou-me apenas achar graça naquela quantidade enorme de homens uniformizados. Será que eles esperavam uma rebelião ou algo do gênero?
O Grande Salão estava ricamente decorado. Vasos especiais pendurados nas paredes portavam enormes arranjos com flores amarelas e brancas, que também enfeitavam os vasos espalhados pelo chão. Janelas, paredes e praticamente tudo o que não era móvel estava envolto em guirlandas. Havia um punhado de mesas preparadas e cobertas com toalhas, nas quais cintilavam pequenas contas de confete brilhante. Arcos decorativos ornavam as costas das cadeiras.
Em um dos cantos, um bolo gigante com as cores do salão esperava para ser cortado. Do lado, uma pequena mesa com alguns presentes para a aniversariante.
Um quarteto de cordas dominava uma das paredes e tornava inútil minha tentativa de presente para Selena. Havia ainda um fotógrafo que circulava pelo salão captando momentos para o público.
O clima era de descontração. Tiny — que até então só havia conseguido se aproximar de Miley — conversava com Emmica e Jenna; nunca a tinha visto tão animada. Miley estava parada em frente a uma das janelas, como se fosse um dos muitos guardas que pontilhavam as paredes. Não fazia a menor questão de sair de lá, mas parava qualquer um que se aproximasse para conversar. Todo mundo parecia feliz e amigável.
As exceções eram Celeste e Bariel. Elas geralmente eram inseparáveis, mas ocupavam extremos opostos do salão. Bariel conversava com Samantha e Celeste estava sentada a uma das mesas, sozinha e agarrada a uma taça com um líquido vermelho. Eu com certeza tinha perdido alguma coisa entre o jantar da noite anterior e aquela tarde.
Peguei de novo o estojo do violino e me dirigi ao fundo do salão para cumprimentar Miley.
— Oi. Que festa, não? — comentei, deixando o violino no chão.
— Pois é — disse Miley, e me abraçou. — Ouvi dizer que Joseph passará aqui mais tarde para desejar pessoalmente feliz aniversário a Selena. Não é lindo? Aposto que ele vai trazer um presente também.
Miley agia com o entusiasmo de sempre. Eu ainda me perguntava qual seria seu segredo, mas confiava o bastante nela para saber que tocaria no assunto quando precisasse desabafar. Ficamos de conversa fiada por alguns minutos até ouvir um clamor coletivo na porta de entrada do salão.
Nós nos viramos para ver, e enquanto ela permaneceu calma, perdi totalmente o fôlego.
Selena tinha escolhido seu vestido de uma maneira incrivelmente estratégica. Lá estávamos nós, todas com roupas para o dia — vestidos curtos e bonitinhos —, ao passo que ela entrava com um vestido longo de gala. Mas o comprimento era o de menos. O chamativo era a cor, um creme muito próximo do branco. Seu cabelo estava arrumado com uma fileira de joias amarelas que ia de um lado ao outro da testa, sugerindo uma coroa. Selena parecia madura, nobre e esponsal.
Apesar de eu não saber ao certo onde meu coração estava, senti uma pontada de inveja. Nenhuma de nós teria um momento parecido. Não importava quantas festas ou recepções surgissem dali para a frente: seria ridículo tentar imitar Selena. Reparei que a mão de Celeste — a que não estava agarrada à taça — fechou-se, pronta para socar alguém.
— Ela está linda mesmo — comentou Miley, animada.
— Mais do que linda — completei.
A festa continuou, e Miley e eu passamos a maior parte do tempo observando o movimento. Para nossa surpresa — e desconfiança — Celeste grudou em Selena e não parou de falar enquanto a aniversariante circulava pelo salão para agradecer a presença de todas, embora na verdade não tivéssemos escolha.
Ela chegou ao fundo do salão, onde Miley e eu estávamos, absorvendo a luz quentinha do sol que atravessava a janela. Miley, com seu jeito de sempre, deu um abraço entusiasmado em Selena.
— Feliz aniversário! — gritou.
— Obrigada! — respondeu Selena, com o mesmo entusiasmo e afeto que tinha recebido.
— Então, dezenove anos hoje, certo? — perguntou Miley.
— Sim. Não consigo imaginar uma maneira melhor de comemorar. Estou tão feliz por estarem fotografando. Minha mãe vai adorar! Ainda que sejamos bem de vida, nunca tivemos dinheiro para fazer algo assim. É tudo tão lindo! — exclamou Selena.
Selena era Quatro, como Miley. Elas não tinham uma vida tão apertada como a minha, mas acho que qualquer coisa daquela proporção seria difícil de acontecer.
— É impressionante mesmo — comentou Celeste. — No meu aniversário do ano passado, fiz uma festa do preto e branco. Um pouquinho só de cor e você não poderia nem passar na porta.
— Uau — Miley falou em voz baixa diante daquele óbvio sinal de inveja entre mundinhos fechados.
— Foi fantástico. Chefs de cozinha, iluminação teatral e música! Kelly Clarkson pegou um avião só para ir à festa. Vocês já devem ter ouvido falar dela.
Era impossível não saber quem era Kelly Clarkson. Ela tinha pelo menos umas dez músicas de sucesso. Às vezes assistíamos seus clipes na televisão, apesar das reclamações da minha mãe, que pensava que tínhamos muito mais talento que gente como Kelly. O fato de essa cantora ter dinheiro e fama e nós não, embora fizéssemos essencialmente a mesma coisa, mexia com os nervos dela.
— Ela é minha cantora preferida! — exclamou Selena.
— Bem, Kelly é uma amiga querida da minha família, por isso cantou na minha festa. Vocês sabem, não podíamos contratar um grupo da Cinco para sugar toda a vida do lugar.
Miley me olhou rapidamente pelo canto do olho. Deu para notar que estava constrangida por mim.
— Ops — acrescentou Celeste, olhando para mim. — Esqueci. Sem ofensas.
Sua voz melosa era irritante. Mais uma vez eu me senti tentada a bater nela... Era melhor nem pensar muito no assunto.
— Não foi nada — respondi, mantendo as aparências o máximo que pude. — E o que você faz exatamente na Dois, Celeste? Quer dizer, nunca ouvi uma música sua no rádio.
— Sou modelo — ela afirmou, com um tom de voz que dava a entender que eu já devia saber disso. — Você nunca me viu em um anúncio?
— Nunca tive o prazer.
— Ah, sim, você é da Cinco. Acho que não pode mesmo comprar revistas.
Aquilo doeu. Porque era verdade. Maddie adorava espiar as revistas quando encontrávamos em alguma loja. Só que não havia o menor sentido em comprá-las.
Selena retomou seu papel de anfitriã e mudou de assunto:
— Sabe, Demetria, eu estava para perguntar qual era a sua área quando você era Cinco.
— Música.
— Você devia tocar para a gente algum dia!
— Na verdade — comecei com um suspiro —, trouxe meu violino para tocar para você hoje. Achei que seria um bom presente, mas já tem um quarteto, então acho que...
— Ah, toque para a gente! — implorou Miley.
— Por favor, Demetria. É meu aniversário — reforçou Selena.
— Mas você já tem um...
Meus protestos não importavam. Selena e Miley já haviam pedido que o quarteto parasse e chamaram todas as garotas para o fundo do salão. Algumas levantaram as saias e se sentaram no chão, ao passo que outras puxaram algumas cadeiras do canto. Selena ficou em pé no meio do grupo, apertando as mãos de entusiasmo. Celeste permaneceu ao seu lado, com a taça de cristal na mão ainda pela metade.
Assim que todas ficaram confortáveis, preparei o violino. O quarteto de jovens que tinha tocado se aproximou para me apoiar, e os poucos garçons que perambulavam pelo salão pararam.
Respirei fundo e levei o violino ao queixo.
— Para você — falei com os olhos em Selena.
Mantive o arco suspenso sobre as cordas por alguns segundos, fechei os olhos e deixei a música fluir.
Por um momento, não houve Celeste perversa, nem Nicholas à espreita nos corredores, nem rebeldes tentando invadir o palácio. Houve apenas uma nota perfeita se prolongando até a seguinte, como que receosa de se perder no tempo sem a outra. Mas elas não ficavam juntas. Pairavam até as outras. E o presente que seria de Selena tornou-se meu.
Eu podia ser uma Cinco, mas tinha valor.
Toquei a música — tão familiar quanto a voz de meu pai ou o cheiro do meu quarto — por uns breves e belos instantes, para depois deixá-la atingir seu fim inevitável. Passei o arco sobre as cordas pela última vez e o levantei.
Abri os olhos para verificar se Selena tinha gostado do presente, mas nem vi seu rosto. Atrás do grupo de meninas estava Joseph. Ele vestia um terno cinza e carregava uma caixa sob o braço. As garotas aplaudiam com muita gentileza, mas não pude prestar atenção no som de suas palmas. Só conseguia focar Joseph, com uma expressão bela e maravilhada, que logo se converteu em um sorriso. Um sorriso para mim e mais ninguém.
— Majestade — eu disse, com uma reverência.
As outras garotas se levantaram para cumprimentar Joseph. Em meio a tudo isso, ouvi um grito chocado.
— Ah, não! Selena, eu sinto muito!
Algumas meninas arregalaram os olhos na mesma direção. Quando Selena se virou, percebi o motivo. A frente de seu belo vestido tinha sido manchada pela bebida de Celeste. Ela parecia ter sido esfaqueada.
— Desculpe-me, virei muito rápido. Não tive a intenção, Selena. Deixe-me ajudá-la.
Um estranho talvez achasse que as palavras de Celeste soavam sinceras, mas eu podia enxergar por trás delas.
Selena levou as mãos à boca, começou a chorar e saiu em disparada para o quarto, pondo fim à festa. Joseph saiu atrás dela, embora eu quisesse muito que ele ficasse.
Celeste se defendia para quem estivesse disposto a ouvir, dizendo que tudo não tinha passado de um acidente. Tuesday concordava, dizendo ter testemunhado a cena. Os olhares entediados e o sacudir de ombros da maioria, porém, mostravam que o apoio era inútil.
Guardei discretamente meu violino e comecei a sair, quando Miley
me agarrou pelo braço:
— Alguém precisa fazer alguma coisa com ela.
Se Celeste podia levar alguém tão adorável como Anna à violência, ou achar aceitável tentar tomar meu vestido, ou ainda fazer uma pessoa bondosa como Miley chegar à beira do ódio, significava que ela estava sobrando na Seleção.
Eu tinha que livrar o palácio daquela menina.
Bem, funcionou perfeitamente por três dias. Com tantas garotas no palácio, era questão de tempo até uma delas fazer aniversário. E o de Selena era na quinta-feira. Ela deve ter comentado o fato com Joseph — que nunca deixava escapar a chance de presentear alguém —, e o resultado foi uma festa obrigatória para todas as Selecionadas. Assim, quinta-feira foi um dia de correria louca por parte das meninas, que entravam e saíam umas dos quartos das outras, perguntando o que vestir ou imaginando o tamanho da festa.
Aparentemente, não era preciso levar presente, mas mesmo assim preparei algo para a aniversariante.
No dia da festa, pus um dos meus vestidos favoritos e peguei o violino. Caminhei na ponta dos pés até o Grande Salão, olhando para os lados em cada corredor. Assim que cheguei, corri os olhos pelos guardas em sentinela. Por sorte Nicholas não estava presente, e restou-me apenas achar graça naquela quantidade enorme de homens uniformizados. Será que eles esperavam uma rebelião ou algo do gênero?
O Grande Salão estava ricamente decorado. Vasos especiais pendurados nas paredes portavam enormes arranjos com flores amarelas e brancas, que também enfeitavam os vasos espalhados pelo chão. Janelas, paredes e praticamente tudo o que não era móvel estava envolto em guirlandas. Havia um punhado de mesas preparadas e cobertas com toalhas, nas quais cintilavam pequenas contas de confete brilhante. Arcos decorativos ornavam as costas das cadeiras.
Em um dos cantos, um bolo gigante com as cores do salão esperava para ser cortado. Do lado, uma pequena mesa com alguns presentes para a aniversariante.
Um quarteto de cordas dominava uma das paredes e tornava inútil minha tentativa de presente para Selena. Havia ainda um fotógrafo que circulava pelo salão captando momentos para o público.
O clima era de descontração. Tiny — que até então só havia conseguido se aproximar de Miley — conversava com Emmica e Jenna; nunca a tinha visto tão animada. Miley estava parada em frente a uma das janelas, como se fosse um dos muitos guardas que pontilhavam as paredes. Não fazia a menor questão de sair de lá, mas parava qualquer um que se aproximasse para conversar. Todo mundo parecia feliz e amigável.
As exceções eram Celeste e Bariel. Elas geralmente eram inseparáveis, mas ocupavam extremos opostos do salão. Bariel conversava com Samantha e Celeste estava sentada a uma das mesas, sozinha e agarrada a uma taça com um líquido vermelho. Eu com certeza tinha perdido alguma coisa entre o jantar da noite anterior e aquela tarde.
Peguei de novo o estojo do violino e me dirigi ao fundo do salão para cumprimentar Miley.
— Oi. Que festa, não? — comentei, deixando o violino no chão.
— Pois é — disse Miley, e me abraçou. — Ouvi dizer que Joseph passará aqui mais tarde para desejar pessoalmente feliz aniversário a Selena. Não é lindo? Aposto que ele vai trazer um presente também.
Miley agia com o entusiasmo de sempre. Eu ainda me perguntava qual seria seu segredo, mas confiava o bastante nela para saber que tocaria no assunto quando precisasse desabafar. Ficamos de conversa fiada por alguns minutos até ouvir um clamor coletivo na porta de entrada do salão.
Nós nos viramos para ver, e enquanto ela permaneceu calma, perdi totalmente o fôlego.
Selena tinha escolhido seu vestido de uma maneira incrivelmente estratégica. Lá estávamos nós, todas com roupas para o dia — vestidos curtos e bonitinhos —, ao passo que ela entrava com um vestido longo de gala. Mas o comprimento era o de menos. O chamativo era a cor, um creme muito próximo do branco. Seu cabelo estava arrumado com uma fileira de joias amarelas que ia de um lado ao outro da testa, sugerindo uma coroa. Selena parecia madura, nobre e esponsal.
Apesar de eu não saber ao certo onde meu coração estava, senti uma pontada de inveja. Nenhuma de nós teria um momento parecido. Não importava quantas festas ou recepções surgissem dali para a frente: seria ridículo tentar imitar Selena. Reparei que a mão de Celeste — a que não estava agarrada à taça — fechou-se, pronta para socar alguém.
— Ela está linda mesmo — comentou Miley, animada.
— Mais do que linda — completei.
A festa continuou, e Miley e eu passamos a maior parte do tempo observando o movimento. Para nossa surpresa — e desconfiança — Celeste grudou em Selena e não parou de falar enquanto a aniversariante circulava pelo salão para agradecer a presença de todas, embora na verdade não tivéssemos escolha.
Ela chegou ao fundo do salão, onde Miley e eu estávamos, absorvendo a luz quentinha do sol que atravessava a janela. Miley, com seu jeito de sempre, deu um abraço entusiasmado em Selena.
— Feliz aniversário! — gritou.
— Obrigada! — respondeu Selena, com o mesmo entusiasmo e afeto que tinha recebido.
— Então, dezenove anos hoje, certo? — perguntou Miley.
— Sim. Não consigo imaginar uma maneira melhor de comemorar. Estou tão feliz por estarem fotografando. Minha mãe vai adorar! Ainda que sejamos bem de vida, nunca tivemos dinheiro para fazer algo assim. É tudo tão lindo! — exclamou Selena.
Selena era Quatro, como Miley. Elas não tinham uma vida tão apertada como a minha, mas acho que qualquer coisa daquela proporção seria difícil de acontecer.
— É impressionante mesmo — comentou Celeste. — No meu aniversário do ano passado, fiz uma festa do preto e branco. Um pouquinho só de cor e você não poderia nem passar na porta.
— Uau — Miley falou em voz baixa diante daquele óbvio sinal de inveja entre mundinhos fechados.
— Foi fantástico. Chefs de cozinha, iluminação teatral e música! Kelly Clarkson pegou um avião só para ir à festa. Vocês já devem ter ouvido falar dela.
Era impossível não saber quem era Kelly Clarkson. Ela tinha pelo menos umas dez músicas de sucesso. Às vezes assistíamos seus clipes na televisão, apesar das reclamações da minha mãe, que pensava que tínhamos muito mais talento que gente como Kelly. O fato de essa cantora ter dinheiro e fama e nós não, embora fizéssemos essencialmente a mesma coisa, mexia com os nervos dela.
— Ela é minha cantora preferida! — exclamou Selena.
— Bem, Kelly é uma amiga querida da minha família, por isso cantou na minha festa. Vocês sabem, não podíamos contratar um grupo da Cinco para sugar toda a vida do lugar.
Miley me olhou rapidamente pelo canto do olho. Deu para notar que estava constrangida por mim.
— Ops — acrescentou Celeste, olhando para mim. — Esqueci. Sem ofensas.
Sua voz melosa era irritante. Mais uma vez eu me senti tentada a bater nela... Era melhor nem pensar muito no assunto.
— Não foi nada — respondi, mantendo as aparências o máximo que pude. — E o que você faz exatamente na Dois, Celeste? Quer dizer, nunca ouvi uma música sua no rádio.
— Sou modelo — ela afirmou, com um tom de voz que dava a entender que eu já devia saber disso. — Você nunca me viu em um anúncio?
— Nunca tive o prazer.
— Ah, sim, você é da Cinco. Acho que não pode mesmo comprar revistas.
Aquilo doeu. Porque era verdade. Maddie adorava espiar as revistas quando encontrávamos em alguma loja. Só que não havia o menor sentido em comprá-las.
Selena retomou seu papel de anfitriã e mudou de assunto:
— Sabe, Demetria, eu estava para perguntar qual era a sua área quando você era Cinco.
— Música.
— Você devia tocar para a gente algum dia!
— Na verdade — comecei com um suspiro —, trouxe meu violino para tocar para você hoje. Achei que seria um bom presente, mas já tem um quarteto, então acho que...
— Ah, toque para a gente! — implorou Miley.
— Por favor, Demetria. É meu aniversário — reforçou Selena.
— Mas você já tem um...
Meus protestos não importavam. Selena e Miley já haviam pedido que o quarteto parasse e chamaram todas as garotas para o fundo do salão. Algumas levantaram as saias e se sentaram no chão, ao passo que outras puxaram algumas cadeiras do canto. Selena ficou em pé no meio do grupo, apertando as mãos de entusiasmo. Celeste permaneceu ao seu lado, com a taça de cristal na mão ainda pela metade.
Assim que todas ficaram confortáveis, preparei o violino. O quarteto de jovens que tinha tocado se aproximou para me apoiar, e os poucos garçons que perambulavam pelo salão pararam.
Respirei fundo e levei o violino ao queixo.
— Para você — falei com os olhos em Selena.
Mantive o arco suspenso sobre as cordas por alguns segundos, fechei os olhos e deixei a música fluir.
Por um momento, não houve Celeste perversa, nem Nicholas à espreita nos corredores, nem rebeldes tentando invadir o palácio. Houve apenas uma nota perfeita se prolongando até a seguinte, como que receosa de se perder no tempo sem a outra. Mas elas não ficavam juntas. Pairavam até as outras. E o presente que seria de Selena tornou-se meu.
Eu podia ser uma Cinco, mas tinha valor.
Toquei a música — tão familiar quanto a voz de meu pai ou o cheiro do meu quarto — por uns breves e belos instantes, para depois deixá-la atingir seu fim inevitável. Passei o arco sobre as cordas pela última vez e o levantei.
Abri os olhos para verificar se Selena tinha gostado do presente, mas nem vi seu rosto. Atrás do grupo de meninas estava Joseph. Ele vestia um terno cinza e carregava uma caixa sob o braço. As garotas aplaudiam com muita gentileza, mas não pude prestar atenção no som de suas palmas. Só conseguia focar Joseph, com uma expressão bela e maravilhada, que logo se converteu em um sorriso. Um sorriso para mim e mais ninguém.
— Majestade — eu disse, com uma reverência.
As outras garotas se levantaram para cumprimentar Joseph. Em meio a tudo isso, ouvi um grito chocado.
— Ah, não! Selena, eu sinto muito!
Algumas meninas arregalaram os olhos na mesma direção. Quando Selena se virou, percebi o motivo. A frente de seu belo vestido tinha sido manchada pela bebida de Celeste. Ela parecia ter sido esfaqueada.
— Desculpe-me, virei muito rápido. Não tive a intenção, Selena. Deixe-me ajudá-la.
Um estranho talvez achasse que as palavras de Celeste soavam sinceras, mas eu podia enxergar por trás delas.
Selena levou as mãos à boca, começou a chorar e saiu em disparada para o quarto, pondo fim à festa. Joseph saiu atrás dela, embora eu quisesse muito que ele ficasse.
Celeste se defendia para quem estivesse disposto a ouvir, dizendo que tudo não tinha passado de um acidente. Tuesday concordava, dizendo ter testemunhado a cena. Os olhares entediados e o sacudir de ombros da maioria, porém, mostravam que o apoio era inútil.
Guardei discretamente meu violino e comecei a sair, quando Miley
me agarrou pelo braço:
— Alguém precisa fazer alguma coisa com ela.
Se Celeste podia levar alguém tão adorável como Anna à violência, ou achar aceitável tentar tomar meu vestido, ou ainda fazer uma pessoa bondosa como Miley chegar à beira do ódio, significava que ela estava sobrando na Seleção.
Eu tinha que livrar o palácio daquela menina.
08/01/2014
Capitulo 19 (Faltam 5)
A Família da Rainha ficou alguns dias conosco. Os hóspedes da Noruécia ficaram uma semana inteira. O Jornal Oficial exibiu até um quadro especial sobre relações internacionais e medidas para promover a amizade entre as duas nações.
Assim que todos partiram, outra visitante chegou: a paz. Já fazia um mês que eu estava no palácio e me sentia completamente em casa. Meu corpo tinha se adaptado ao novo clima. O calor agradável do palácio era divino. Estávamos quase no fim de setembro e fazia frio à noite, mas eu me sentia muito mais aquecida do que em casa. Os cantos daquele espaço gigantesco já não eram mistério. Os sons de sapatos sobre o mármore, o tinir dos copos de cristal, a marcha dos guardas: tudo isso já me era tão familiar quanto o motor da geladeira de casa ou as boladas que Frankie acertava na parede.
As refeições com a família real e os momentos no Salão das Mulheres já eram constantes na minha rotina, mas os momentos entre uma atividade e outra pareciam sempre novos. Dediquei mais tempo à música; os instrumentos do palácio eram bem superiores aos que eu tinha em casa. Precisava reconhecer: estava ficando mal-acostumada. A qualidade do som era infinitamente melhor. E mesmo o Salão das Mulheres já tinha ficado mais animado com as duas visitas que a rainha nos tinha feito até então. Ela ainda não havia conversado com ninguém, mas se sentava em uma
cadeira confortável acompanhada de suas criadas e observava nossas leituras e conversas.
No geral, a animosidade tinha passado. Acostumamo-nos umas às outras. Finalmente pudemos ver a revista com nossas fotos e comentários. Imaginem minha surpresa ao descobrir que era uma das favoritas. Miley ficou com o primeiro lugar, seguida de perto por Selena, Tallulah e Bariel. Blanda deixou de falar com Bariel por dias ao saber disso, mas ninguém se importou muito.
O que mais parecia causar tensão eram as informações lançadas no ar. Quem quer que tivesse estado mais recentemente com Joseph não podia deixar de contar, encantada, sobre seu pequeno encontro. Pelo jeito como todas falavam, parecia que ele escolheria seis ou sete esposas. Mas nem tudo eram flores para todas.
Miley, por exemplo, teve diversos encontros com Joseph, o que dava nos nervos das outras. Contudo, ela nunca retornou tão radiante como no dia do primeiro encontro.
— Demetria, se eu contar, você precisa prometer que não vai abrir a boca para ninguém — ela disse enquanto caminhávamos pelo jardim.
Eu sabia que se tratava de algo sério. Ela esperou até estarmos longe dos ouvidos atentos do Salão das Mulheres e fora do alcance dos olhos dos guardas.
— Claro, Miley. Está tudo bem?
— Sim, tudo bem. É que... Preciso da sua opinião sobre uma coisa.
O rosto de Miley estava carregado de preocupação.
— O que há de errado? — perguntei.
Ela mordeu os lábios e me encarou.
— É Joseph. Não sei se vai dar certo — ela lamentou, parecendo muito deprimida.
— Por que você acha isso? — perguntei, preocupada.
Agora que ela se abrira, retomamos a caminhada.
— Bem, para começar, eu não... eu não sinto nada, sabe? Não tem química, não temos uma ligação.
— Joseph pode ser um pouco tímido. É só isso. Talvez você tenha que
dar um tempo a ele.
Era verdade. Fiquei surpresa por ela não ter reparado nisso.
— Não. O que quero dizer é que eu não gosto dele.
— Ah!
Essa era uma situação bem diferente. Tentei continuar a conversa com uma pergunta bem idiota:
— Você tentou?
— Sim, e muito! Fico esperando o momento em que ele diga ou faça algo que me mostre que temos alguma coisa em comum. Mas nunca acontece. Acho Joseph bonito, mas isso não basta para construir uma relação. Quer dizer, nem sei se ele sente atração por mim. Você tem alguma ideia do que ele, sei lá, do que ele gosta?
Pensei por uns instantes.
— Na verdade, não. Nunca falamos sobre as expectativas dele no quesito atributos físicos.
— Aí é que está! Nós nunca conversamos. Ele sempre fala com você, mas nós dois nunca temos o que conversar. Passamos muito tempo em silêncio, assistindo a algum filme ou jogando cartas.
Ela parecia cada vez mais preocupada.
— Às vezes, nós também ficamos em silêncio. Só nos sentamos e não dizemos nada. Além disso, esse tipo de sentimento não nasce da noite para o dia. Talvez vocês dois devessem ter mais calma — eu disse, cuidando para que minhas palavras oferecessem algum conforto. Miley parecia prestes a chorar.
— É sério, Demetria, acho que a única razão para eu estar aqui é o povo gostar muito de mim. Acho que o príncipe leva em conta a opinião de seus súditos.
Eu nunca tinha pensado nisso, mas, quando ela falou, pareceu-me plausível. Tempos atrás, eu teria descartado essa opinião, mas Joseph amava seu povo. Talvez a interferência na escolha da futura princesa fosse maior do que eu imaginava.
— Além disso — ela continuou em voz baixa —, tudo entre nós parece tão... tão vazio.
Lágrimas rolaram.
Respirei fundo e dei-lhe um abraço. Queria muito que ela ficasse, que estivesse sempre ao meu lado, mas se ela não amava Joseph...
— Miley, se você não quer ficar com o príncipe, acho que deveria dizer isso a ele.
— Ah, não. Eu não poderia.
— Você tem que fazer isso. Ele não quer se casar com uma pessoa que não o ama. Se não sente nada pelo príncipe, ele precisa saber.
Miley balançou a cabeça.
— Não posso simplesmente pedir para sair! Preciso ficar. Não posso ir para casa... Não agora.
— Por que, Miley? O que a prende aqui?
Por um instante, achei que compartilhávamos o mesmo segredo. Talvez ela precisasse ficar longe de alguém, como eu precisava. A única diferença era que Joseph sabia do meu segredo. E eu queria que ela se abrisse! Queria saber que não era a única que tinha ido parar ali em circunstâncias ridículas.
Contudo, as lágrimas de Miley pararam tão rapidamente como tinham começado. Ela fungou algumas vezes e se endireitou. Alisou o vestido, sacudiu os ombros e se voltou para mim. Botou um sorriso forte e cálido no rosto e disse:
— Quer saber? Aposto que você está certa — ela começou a se afastar. — Tenho certeza de que só preciso esperar e as coisas vão avançar. Agora tenho que ir. Tiny está à minha espera.
Miley correu até o palácio. O que teria se passado em sua cabeça?
No dia seguinte, Miley me evitou. E no outro também. Decidi me sentar no Salão das Mulheres a uma distância segura e deixar bem claro que eu a notava sempre que passava por mim. Queria que soubesse que podia confiar em mim. Não ia obrigá-la a falar.
Foram necessários quatro dias para ela me dar um sorriso triste de
quem sabia que alguma coisa não ia bem. Apenas acenei com a cabeça. Aquilo parecia ser tudo o que eu tinha a dizer sobre o que se passava no coração dela.
Naquele mesmo dia, enquanto eu estava sentada no Salão das Mulheres, Joseph me chamou. Seria mentira se dissesse que não fiquei toda contente de correr porta afora para seus braços.
— Joseph! — exclamei e me lancei sobre ele.
Quando me afastei, ele se mostrou um pouco atrapalhado. Eu sabia por quê. No dia em que deixamos a recepção para os reis da Noruécia e entramos no palácio para conversar, confessei que tinha dificuldades para lidar com meus sentimentos. Pedi que não me beijasse até eu ter mais certeza. Ele assentiu, mas notei que ficou magoado. Ainda assim, não quebrou sua promessa. Era difícil demais decifrar esses sentimentos com ele agindo como se fosse meu namorado, quando claramente não era.
Ainda restavam vinte e duas garotas depois da partida de Camille, Mikaela e Laila. Camille e Laila eram simplesmente incompatíveis com a Seleção e foram embora sem muito destaque. Já Mikaela sentia tantas saudades de casa que se desfez em choro e soluços durante o café da manhã, dois dias depois. Joseph a acompanhou até o quarto, o tempo todo com a mão nos ombros dela. Ele parecia não ficar triste por deixá-las sair, mas alegre por poder se concentrar em outras possibilidades, sendo eu uma delas. Mas tanto o príncipe como eu entendíamos que seria tolice dele entregar o coração a mim quando eu mesma não sabia por onde andava o meu.
— Como você está hoje? — ele perguntou enquanto se afastava.
— Ótima, claro. O que faz aqui? Não deveria estar no trabalho?
— O presidente do Comitê de Infraestrutura está doente, por isso, a reunião foi adiada. Estou livre como um pássaro a tarde inteira — explicou, com um brilho no olhar. — O que quer fazer? — perguntou com o braço estendido para mim.
— Qualquer coisa! Há tanto no palácio que eu ainda não vi. Os cavalos, por exemplo. E o cinema. Você ainda não me levou lá.
— Então vamos agora. Um pouco de descanso para a cabeça me faria
bem. De que tipo de filme você gosta? — ele perguntou enquanto caminhávamos em direção à escadaria que eu imaginava dar no porão.
— Na verdade, não sei. Não vejo muitos filmes. Mas gosto de livros românticos. E de comédia também!
— Um romance, então?
Joseph levantou a sobrancelha como se tivesse segundas intenções. Não tinha como não rir.
Viramos em um corredor e continuamos a conversar. Quando cruzamos com um destacamento da guarda do palácio, todos os soldados abriram caminho e saudaram o príncipe e sua acompanhante. Devia haver mais de uma dúzia de homens naquele corredor. Eu já estava acostumada com a presença deles. Mesmo um grupo tão grande não era capaz de tirar minha atenção dos momentos agradáveis que ia passar com Joseph em breve.
O que me fez parar foi o suspiro que alguém deixou escapar enquanto passávamos. Tanto Joseph como eu demos meia-volta.
E ali estava Nicholas.
Também suspirei.
Alguns dias antes, eu tinha ouvido um dos administradores do palácio comentar de passagem o recrutamento. Nicholas me veio à mente então, e imaginei como ele estaria. Mas como eu estava atrasada para uma das várias aulas de Silvia, não tive muito tempo para especular.
Então ele tinha sido escolhido, afinal. E entre todos os lugares para onde poderia ir...
Joseph interrompeu meus pensamentos:
— Demetria, você conhece este jovem?
Mais de um mês havia se passado desde a última vez em que vira Nicholas, mas ele era a pessoa que eu me forçava para não esquecer, aquele que ainda habitava meus sonhos. Eu o reconheceria em qualquer lugar. Parecia um pouco maior, como se estivesse bem alimentado, muito bem alimentado, e malhando muito. Seu cabelo bagunçado fora cortado bem baixo, praticamente raspado. Eu estava acostumada a vê-lo com roupas de segunda mão que as costuras mal mantinham inteiras. E agora lá estava
ele, com um dos uniformes brilhantes e bem ajustados da guarda do palácio.
Ele parecia estranho e familiar ao mesmo tempo. Tantas coisas pareciam fora de lugar ao seu redor. Mas aqueles olhos... eram os olhos de Nicholas.
Meus olhos baixaram para a plaqueta de identificação em seu uniforme: SOLDADO LEGER.
Tudo isso não deve ter levado um segundo.
Mantive a compostura o suficiente para ninguém perceber a tempestade que se armava dentro de mim, num milagre puro e simples. Quis tocá-lo, beijá-lo, gritar com ele, exigir que saísse do meu refúgio. Quis cavar um buraco e sumir, mas eu estava ali.
Nada fazia sentido.
Limpei a garganta:
— Sim. O soldado Leger é de Carolina. Na verdade, da mesma cidade que eu — respondi com um sorriso para o príncipe. Sem dúvida Nicholas ouvira nossas risadas no corredor e notara que eu continuava de braços dados com o príncipe. Que ele pensasse o que quisesse.
Joseph se animou por mim.
— Bom, o que dizer! Bem-vindo, soldado Leger. Deve estar feliz por ver a campeã de Carolina novamente.
Joseph estendeu a mão para Nicholas, que o cumprimentou.
O rosto de Nicholas parecia feito de pedra.
— Sim, Majestade. Muito feliz.
O que isso queria dizer?
— Estou certo de que torce por ela — Joseph o animou, piscando para mim.
— Claro, Majestade — concordou Nicholas, inclinando levemente a cabeça.
E o que isso queria dizer?
— Perfeito. Já que Demetria é de seu estado natal, não poderia pensar em alguém melhor no palácio para tomar conta dela. Cuidarei para que faça parte do rodízio de guardas dela. Essa garota nega-se a ser
acompanhada por uma criada durante a noite. Tentei convencê-la, mas... — Joseph balançou a cabeça para mim.
Nicholas finalmente pareceu relaxar um pouco.
— Isso não me surpreende, Majestade.
O príncipe sorriu.
— Bem, estou certo de que vocês têm um dia trabalhoso pela frente. Estamos de saída. Tenham um bom dia, soldados — Joseph acenou com a cabeça e me levou consigo.
Lutei com todas as minhas forças para não olhar para trás.
No escuro do cinema, pensei no que fazer. O príncipe tinha deixado claro seu ódio a todos que me tratassem com desdém na noite em que lhe contei sobre Nicholas. Se eu lhe dissesse que o homem que ele acabara de designar como meu segurança era aquela mesmíssima pessoa, será que Nicholas seria punido? Não queria testar o príncipe. Ele tinha criado todo um sistema de assistência para o país com base nas minhas histórias sobre a fome.
Bem, eu não podia contar. Não queria contar. Porque, apesar de toda a minha raiva, amava Nicholas. E não suportaria vê-lo sofrer.
Será que eu devia ir embora? Meu coração foi tomado pela ambiguidade. Eu tinha a chance de fugir de Nicholas, de escapar de seu rosto, aquele rosto que me torturaria diariamente quando eu o visse e lembrasse que já não era meu. Mas, se eu saísse, teria que deixar Joseph também. E ele era meu melhor amigo, talvez até mais que isso. Eu não podia simplesmente ir embora. Além disso, como explicar sem dizer que Nicholas estava ali?
E tinha a minha família. Talvez os cheques tivessem um valor menor, mas pelo menos chegavam. Maddie escreveu contando que papai havia prometido que naquele ano eles teriam o melhor Natal de todos, mas eu sabia que talvez nenhum outro Natal fosse tão bom depois. Se eu desistisse, quem sabe quanto dinheiro minha fama daria à minha família? Tínhamos que poupar o máximo possível.
— Você não gostou do filme, gostou? — Joseph perguntou, quase duas horas mais tarde.
— Hein?
— O filme. Você não riu nem teve nenhuma reação.
— Ah.
Tentei me lembrar de qualquer informação, uma única cena que pudesse citar para dizer que tinha gostado. Nenhum registro.
— Acho que estou um pouco fora de órbita hoje. Desculpe ter estragado a tarde.
— O que é isso! — disse Joseph fazendo pouco caso da minha falta de entusiasmo. — Para mim, só sua companhia já vale a pena. Mas talvez você devesse tirar uma soneca antes do jantar. Seu rosto parece um pouco pálido. Concordei. Na verdade, considerava a hipótese de ir para o quarto e nunca mais sair.
Assim que todos partiram, outra visitante chegou: a paz. Já fazia um mês que eu estava no palácio e me sentia completamente em casa. Meu corpo tinha se adaptado ao novo clima. O calor agradável do palácio era divino. Estávamos quase no fim de setembro e fazia frio à noite, mas eu me sentia muito mais aquecida do que em casa. Os cantos daquele espaço gigantesco já não eram mistério. Os sons de sapatos sobre o mármore, o tinir dos copos de cristal, a marcha dos guardas: tudo isso já me era tão familiar quanto o motor da geladeira de casa ou as boladas que Frankie acertava na parede.
As refeições com a família real e os momentos no Salão das Mulheres já eram constantes na minha rotina, mas os momentos entre uma atividade e outra pareciam sempre novos. Dediquei mais tempo à música; os instrumentos do palácio eram bem superiores aos que eu tinha em casa. Precisava reconhecer: estava ficando mal-acostumada. A qualidade do som era infinitamente melhor. E mesmo o Salão das Mulheres já tinha ficado mais animado com as duas visitas que a rainha nos tinha feito até então. Ela ainda não havia conversado com ninguém, mas se sentava em uma
cadeira confortável acompanhada de suas criadas e observava nossas leituras e conversas.
No geral, a animosidade tinha passado. Acostumamo-nos umas às outras. Finalmente pudemos ver a revista com nossas fotos e comentários. Imaginem minha surpresa ao descobrir que era uma das favoritas. Miley ficou com o primeiro lugar, seguida de perto por Selena, Tallulah e Bariel. Blanda deixou de falar com Bariel por dias ao saber disso, mas ninguém se importou muito.
O que mais parecia causar tensão eram as informações lançadas no ar. Quem quer que tivesse estado mais recentemente com Joseph não podia deixar de contar, encantada, sobre seu pequeno encontro. Pelo jeito como todas falavam, parecia que ele escolheria seis ou sete esposas. Mas nem tudo eram flores para todas.
Miley, por exemplo, teve diversos encontros com Joseph, o que dava nos nervos das outras. Contudo, ela nunca retornou tão radiante como no dia do primeiro encontro.
— Demetria, se eu contar, você precisa prometer que não vai abrir a boca para ninguém — ela disse enquanto caminhávamos pelo jardim.
Eu sabia que se tratava de algo sério. Ela esperou até estarmos longe dos ouvidos atentos do Salão das Mulheres e fora do alcance dos olhos dos guardas.
— Claro, Miley. Está tudo bem?
— Sim, tudo bem. É que... Preciso da sua opinião sobre uma coisa.
O rosto de Miley estava carregado de preocupação.
— O que há de errado? — perguntei.
Ela mordeu os lábios e me encarou.
— É Joseph. Não sei se vai dar certo — ela lamentou, parecendo muito deprimida.
— Por que você acha isso? — perguntei, preocupada.
Agora que ela se abrira, retomamos a caminhada.
— Bem, para começar, eu não... eu não sinto nada, sabe? Não tem química, não temos uma ligação.
— Joseph pode ser um pouco tímido. É só isso. Talvez você tenha que
dar um tempo a ele.
Era verdade. Fiquei surpresa por ela não ter reparado nisso.
— Não. O que quero dizer é que eu não gosto dele.
— Ah!
Essa era uma situação bem diferente. Tentei continuar a conversa com uma pergunta bem idiota:
— Você tentou?
— Sim, e muito! Fico esperando o momento em que ele diga ou faça algo que me mostre que temos alguma coisa em comum. Mas nunca acontece. Acho Joseph bonito, mas isso não basta para construir uma relação. Quer dizer, nem sei se ele sente atração por mim. Você tem alguma ideia do que ele, sei lá, do que ele gosta?
Pensei por uns instantes.
— Na verdade, não. Nunca falamos sobre as expectativas dele no quesito atributos físicos.
— Aí é que está! Nós nunca conversamos. Ele sempre fala com você, mas nós dois nunca temos o que conversar. Passamos muito tempo em silêncio, assistindo a algum filme ou jogando cartas.
Ela parecia cada vez mais preocupada.
— Às vezes, nós também ficamos em silêncio. Só nos sentamos e não dizemos nada. Além disso, esse tipo de sentimento não nasce da noite para o dia. Talvez vocês dois devessem ter mais calma — eu disse, cuidando para que minhas palavras oferecessem algum conforto. Miley parecia prestes a chorar.
— É sério, Demetria, acho que a única razão para eu estar aqui é o povo gostar muito de mim. Acho que o príncipe leva em conta a opinião de seus súditos.
Eu nunca tinha pensado nisso, mas, quando ela falou, pareceu-me plausível. Tempos atrás, eu teria descartado essa opinião, mas Joseph amava seu povo. Talvez a interferência na escolha da futura princesa fosse maior do que eu imaginava.
— Além disso — ela continuou em voz baixa —, tudo entre nós parece tão... tão vazio.
Lágrimas rolaram.
Respirei fundo e dei-lhe um abraço. Queria muito que ela ficasse, que estivesse sempre ao meu lado, mas se ela não amava Joseph...
— Miley, se você não quer ficar com o príncipe, acho que deveria dizer isso a ele.
— Ah, não. Eu não poderia.
— Você tem que fazer isso. Ele não quer se casar com uma pessoa que não o ama. Se não sente nada pelo príncipe, ele precisa saber.
Miley balançou a cabeça.
— Não posso simplesmente pedir para sair! Preciso ficar. Não posso ir para casa... Não agora.
— Por que, Miley? O que a prende aqui?
Por um instante, achei que compartilhávamos o mesmo segredo. Talvez ela precisasse ficar longe de alguém, como eu precisava. A única diferença era que Joseph sabia do meu segredo. E eu queria que ela se abrisse! Queria saber que não era a única que tinha ido parar ali em circunstâncias ridículas.
Contudo, as lágrimas de Miley pararam tão rapidamente como tinham começado. Ela fungou algumas vezes e se endireitou. Alisou o vestido, sacudiu os ombros e se voltou para mim. Botou um sorriso forte e cálido no rosto e disse:
— Quer saber? Aposto que você está certa — ela começou a se afastar. — Tenho certeza de que só preciso esperar e as coisas vão avançar. Agora tenho que ir. Tiny está à minha espera.
Miley correu até o palácio. O que teria se passado em sua cabeça?
No dia seguinte, Miley me evitou. E no outro também. Decidi me sentar no Salão das Mulheres a uma distância segura e deixar bem claro que eu a notava sempre que passava por mim. Queria que soubesse que podia confiar em mim. Não ia obrigá-la a falar.
Foram necessários quatro dias para ela me dar um sorriso triste de
quem sabia que alguma coisa não ia bem. Apenas acenei com a cabeça. Aquilo parecia ser tudo o que eu tinha a dizer sobre o que se passava no coração dela.
Naquele mesmo dia, enquanto eu estava sentada no Salão das Mulheres, Joseph me chamou. Seria mentira se dissesse que não fiquei toda contente de correr porta afora para seus braços.
— Joseph! — exclamei e me lancei sobre ele.
Quando me afastei, ele se mostrou um pouco atrapalhado. Eu sabia por quê. No dia em que deixamos a recepção para os reis da Noruécia e entramos no palácio para conversar, confessei que tinha dificuldades para lidar com meus sentimentos. Pedi que não me beijasse até eu ter mais certeza. Ele assentiu, mas notei que ficou magoado. Ainda assim, não quebrou sua promessa. Era difícil demais decifrar esses sentimentos com ele agindo como se fosse meu namorado, quando claramente não era.
Ainda restavam vinte e duas garotas depois da partida de Camille, Mikaela e Laila. Camille e Laila eram simplesmente incompatíveis com a Seleção e foram embora sem muito destaque. Já Mikaela sentia tantas saudades de casa que se desfez em choro e soluços durante o café da manhã, dois dias depois. Joseph a acompanhou até o quarto, o tempo todo com a mão nos ombros dela. Ele parecia não ficar triste por deixá-las sair, mas alegre por poder se concentrar em outras possibilidades, sendo eu uma delas. Mas tanto o príncipe como eu entendíamos que seria tolice dele entregar o coração a mim quando eu mesma não sabia por onde andava o meu.
— Como você está hoje? — ele perguntou enquanto se afastava.
— Ótima, claro. O que faz aqui? Não deveria estar no trabalho?
— O presidente do Comitê de Infraestrutura está doente, por isso, a reunião foi adiada. Estou livre como um pássaro a tarde inteira — explicou, com um brilho no olhar. — O que quer fazer? — perguntou com o braço estendido para mim.
— Qualquer coisa! Há tanto no palácio que eu ainda não vi. Os cavalos, por exemplo. E o cinema. Você ainda não me levou lá.
— Então vamos agora. Um pouco de descanso para a cabeça me faria
bem. De que tipo de filme você gosta? — ele perguntou enquanto caminhávamos em direção à escadaria que eu imaginava dar no porão.
— Na verdade, não sei. Não vejo muitos filmes. Mas gosto de livros românticos. E de comédia também!
— Um romance, então?
Joseph levantou a sobrancelha como se tivesse segundas intenções. Não tinha como não rir.
Viramos em um corredor e continuamos a conversar. Quando cruzamos com um destacamento da guarda do palácio, todos os soldados abriram caminho e saudaram o príncipe e sua acompanhante. Devia haver mais de uma dúzia de homens naquele corredor. Eu já estava acostumada com a presença deles. Mesmo um grupo tão grande não era capaz de tirar minha atenção dos momentos agradáveis que ia passar com Joseph em breve.
O que me fez parar foi o suspiro que alguém deixou escapar enquanto passávamos. Tanto Joseph como eu demos meia-volta.
E ali estava Nicholas.
Também suspirei.
Alguns dias antes, eu tinha ouvido um dos administradores do palácio comentar de passagem o recrutamento. Nicholas me veio à mente então, e imaginei como ele estaria. Mas como eu estava atrasada para uma das várias aulas de Silvia, não tive muito tempo para especular.
Então ele tinha sido escolhido, afinal. E entre todos os lugares para onde poderia ir...
Joseph interrompeu meus pensamentos:
— Demetria, você conhece este jovem?
Mais de um mês havia se passado desde a última vez em que vira Nicholas, mas ele era a pessoa que eu me forçava para não esquecer, aquele que ainda habitava meus sonhos. Eu o reconheceria em qualquer lugar. Parecia um pouco maior, como se estivesse bem alimentado, muito bem alimentado, e malhando muito. Seu cabelo bagunçado fora cortado bem baixo, praticamente raspado. Eu estava acostumada a vê-lo com roupas de segunda mão que as costuras mal mantinham inteiras. E agora lá estava
ele, com um dos uniformes brilhantes e bem ajustados da guarda do palácio.
Ele parecia estranho e familiar ao mesmo tempo. Tantas coisas pareciam fora de lugar ao seu redor. Mas aqueles olhos... eram os olhos de Nicholas.
Meus olhos baixaram para a plaqueta de identificação em seu uniforme: SOLDADO LEGER.
Tudo isso não deve ter levado um segundo.
Mantive a compostura o suficiente para ninguém perceber a tempestade que se armava dentro de mim, num milagre puro e simples. Quis tocá-lo, beijá-lo, gritar com ele, exigir que saísse do meu refúgio. Quis cavar um buraco e sumir, mas eu estava ali.
Nada fazia sentido.
Limpei a garganta:
— Sim. O soldado Leger é de Carolina. Na verdade, da mesma cidade que eu — respondi com um sorriso para o príncipe. Sem dúvida Nicholas ouvira nossas risadas no corredor e notara que eu continuava de braços dados com o príncipe. Que ele pensasse o que quisesse.
Joseph se animou por mim.
— Bom, o que dizer! Bem-vindo, soldado Leger. Deve estar feliz por ver a campeã de Carolina novamente.
Joseph estendeu a mão para Nicholas, que o cumprimentou.
O rosto de Nicholas parecia feito de pedra.
— Sim, Majestade. Muito feliz.
O que isso queria dizer?
— Estou certo de que torce por ela — Joseph o animou, piscando para mim.
— Claro, Majestade — concordou Nicholas, inclinando levemente a cabeça.
E o que isso queria dizer?
— Perfeito. Já que Demetria é de seu estado natal, não poderia pensar em alguém melhor no palácio para tomar conta dela. Cuidarei para que faça parte do rodízio de guardas dela. Essa garota nega-se a ser
acompanhada por uma criada durante a noite. Tentei convencê-la, mas... — Joseph balançou a cabeça para mim.
Nicholas finalmente pareceu relaxar um pouco.
— Isso não me surpreende, Majestade.
O príncipe sorriu.
— Bem, estou certo de que vocês têm um dia trabalhoso pela frente. Estamos de saída. Tenham um bom dia, soldados — Joseph acenou com a cabeça e me levou consigo.
Lutei com todas as minhas forças para não olhar para trás.
No escuro do cinema, pensei no que fazer. O príncipe tinha deixado claro seu ódio a todos que me tratassem com desdém na noite em que lhe contei sobre Nicholas. Se eu lhe dissesse que o homem que ele acabara de designar como meu segurança era aquela mesmíssima pessoa, será que Nicholas seria punido? Não queria testar o príncipe. Ele tinha criado todo um sistema de assistência para o país com base nas minhas histórias sobre a fome.
Bem, eu não podia contar. Não queria contar. Porque, apesar de toda a minha raiva, amava Nicholas. E não suportaria vê-lo sofrer.
Será que eu devia ir embora? Meu coração foi tomado pela ambiguidade. Eu tinha a chance de fugir de Nicholas, de escapar de seu rosto, aquele rosto que me torturaria diariamente quando eu o visse e lembrasse que já não era meu. Mas, se eu saísse, teria que deixar Joseph também. E ele era meu melhor amigo, talvez até mais que isso. Eu não podia simplesmente ir embora. Além disso, como explicar sem dizer que Nicholas estava ali?
E tinha a minha família. Talvez os cheques tivessem um valor menor, mas pelo menos chegavam. Maddie escreveu contando que papai havia prometido que naquele ano eles teriam o melhor Natal de todos, mas eu sabia que talvez nenhum outro Natal fosse tão bom depois. Se eu desistisse, quem sabe quanto dinheiro minha fama daria à minha família? Tínhamos que poupar o máximo possível.
— Você não gostou do filme, gostou? — Joseph perguntou, quase duas horas mais tarde.
— Hein?
— O filme. Você não riu nem teve nenhuma reação.
— Ah.
Tentei me lembrar de qualquer informação, uma única cena que pudesse citar para dizer que tinha gostado. Nenhum registro.
— Acho que estou um pouco fora de órbita hoje. Desculpe ter estragado a tarde.
— O que é isso! — disse Joseph fazendo pouco caso da minha falta de entusiasmo. — Para mim, só sua companhia já vale a pena. Mas talvez você devesse tirar uma soneca antes do jantar. Seu rosto parece um pouco pálido. Concordei. Na verdade, considerava a hipótese de ir para o quarto e nunca mais sair.
07/01/2014
Capitulo 18 (Faltam 6)
Não contei a ninguém o que aconteceu entre nós, nem mesmo a Miley ou às criadas. Era um segredo maravilhoso que eu podia relembrar no meio das aulas chatas de Silvia ou de um dia longo no Salão das Mulheres. E, para ser honesta, eu pensava nos beijos — no estranho e no doce — com mais frequência do que previa.
Sabia que não me apaixonaria por Joseph da noite para o dia. Meu coração não ia deixar. Mas de repente me vi em uma situação em que talvez eu quisesse me apaixonar por ele. Então pensei na possibilidade em silêncio, sozinha, embora tenha sentido mais de uma vez a tentação de revelar meu segredo.
Mais precisamente três dias depois, quando Olivia anunciou no Salão das Mulheres que Joseph a beijara.
Não pude acreditar na dor que senti. Quando dei por mim, estava encarando Olivia, perguntando a mim mesma o que ela tinha de tão especial.
— Conte tudo! — insistiu Miley.
A maior parte das garotas também ficou curiosa, mas Miley era a mais empolgada. No pouco tempo passado desde seu último encontro com Joseph, seu interesse no progresso das outras crescera. Eu nem desconfiava do que estava por trás da mudança, tampouco tinha coragem de perguntar.
Olivia nem precisou de incentivo para começar a falar. Ela se sentou em um dos sofás e se abanou com o vestido. Com as costas bem eretas e as mãos no colo, era como se estivesse ensaiando para ser princesa. Fiquei com vontade de dizer que um beijo não lhe dava vantagem nenhuma.
— Não quero entrar em detalhes, mas foi bem romântico — ela proclamou, entre suspiros, para depois baixar a cabeça. — Ele me levou até o telhado. Há uma espécie de sacada lá, mas aparentemente só os guardas a usam. Não sei dizer. Poderíamos enxergar além dos muros, e a cidade inteira estava iluminada até onde nossa vista alcançava. Ele não disse nada. Apenas me puxou para perto dele e me beijou.
Todo o corpo de Olivia se contraiu de alegria. Miley suspirou. Blanda pareceu ter vontade de quebrar alguma coisa. Eu permaneci sentada.
Repeti para mim mesma que não deveria ligar. Era tudo parte da Seleção. Aliás, quem disse que eu queria mesmo ficar com ele? Na verdade, eu devia considerar aquilo uma sorte. Blanda tinha agora um novo alvo para sua maldade. E depois daquele episódio com o vestido — que só então me dei conta de que não tinha contado a Joseph —, fiquei feliz por vê-la escolher outra vítima.
— Você acha que ela foi a única que ele beijou? — Tuesday cochichou no meu ouvido.
Selena, que estava ao meu lado, ouviu a pergunta e arriscou:
— Ele não deve beijar qualquer uma. Alguma coisa ela fez de certo — lamentou.
— E se ele beijou metade desta sala e todas guardam segredo? Talvez seja parte da sua estratégia — conjecturou Tuesday.
— Acho que nem todas guardariam segredo por estratégia — rebati. — Talvez só sejam reservadas.
Selena respirou fundo.
— E se essa história da Olivia for apenas um jogo? Todas neste salão estão preocupadas agora, e ninguém vai ter coragem de perguntar a Joseph se ele a beijou mesmo. Não há como descobrir se ela está mentindo.
— Você acha que Olivia faria isso? — perguntei.
— Se estiver fazendo, eu queria ter pensado nisso primeiro — desejou Tuesday.
— Isso é muito mais complicado do que pensei que seria — disse Selena, com um suspiro.
— Nem me fale — resmunguei.
— Gosto de quase todas as meninas nesta sala, mas quando ouço falar que Joseph fez algo diferente com alguma delas, só penso em dar um jeito de ser melhor que ela — Selena admitiu. — Não gosto de ver vocês como concorrentes.
— É o que eu comentava com Tiny um dia desses — acrescentou Tuesday. — Sei que ela é um pouco tímida, mas é muito refinada e acho que seria uma grande princesa. Não posso ficar brava com ela se tem mais encontros com o príncipe do que eu, apesar de também querer a coroa.
Os olhos de Selena e os meus se cruzaram por um segundo. Pude perceber que pensávamos a mesma coisa. Tuesday disse coroa, não príncipe. Mas deixei passar. A segunda parte de sua fala me pareceu familiar.
— Miley e eu conversamos sobre isso o tempo todo, sobre como vemos ótimas qualidades uma na outra.
Nós nos entreolhamos. Algo parecia ter mudado. Do nada, eu já não tinha inveja de Olivia ou raiva de Blanda. Todas estávamos no mesmo barco, em lugares diferentes, e talvez por motivos diferentes, mas pelo menos estávamos nisso juntas.
— Talvez a rainha Denise esteja certa — reconheci. — O mais importante é ser você mesma. Prefiro que Joseph me mande embora por ser eu mesma a que me mantenha aqui por ser outra pessoa.
— Isso é verdade — concordou Selena. — No fim das contas, trinta e quatro garotas vão embora. E se eu fosse a última a ficar, gostaria de contar com o apoio das outras. Por isso, temos que nos ajudar desde já.
Concordei com a cabeça. Ela tinha razão. E eu sabia que poderia ajudar.
Foi então que Elise apareceu no salão, seguida por Zoe e Emmica. Elise geralmente era devagar e calma; nunca levantava a voz. Naquele dia, porém, ela veio na nossa direção e berrou:
— Olhem esses pentes! — gritou, apontando para os dois belos enfeites de cabelo cobertos pelo que parecia ser um milhão de dólares em pedras preciosas. — Foi Joseph quem me deu. Não são lindos?
Suas palavras provocaram nova onda de agitação e decepção. Minha confiança recém-conquistada desapareceu.
Tentei não parecer decepcionada. Afinal, eu também recebi presentes. E também fui beijada. Mas à medida que chegavam mais garotas e as histórias eram recontadas uma vontade de me esconder crescia dentro de mim. Talvez esse fosse um bom dia para ficar no quarto com as criadas.
Eu pensava em deixar o salão quando Silvia entrou, com um ar cansado e animado ao mesmo tempo.
— Senhoritas! — ela chamou, tentando obter silêncio. — Estão todas aqui?
Respondemos que sim em coro.
— Graças aos céus! — ela disse, acalmando-se. — Sei que a notícia vem em cima da hora, mas acabamos de saber que o rei e a rainha da Noruécia vêm nos visitar daqui a três dias, e, como todas vocês sabem, temos laços de sangue com a família real de lá. Além disso, parentes mais distantes da rainha virão conhecê-las ao mesmo tempo. Teremos uma casa bastante cheia e pouquíssimo tempo para nos preparar. Por isso, desmarquem tudo o que planejavam fazer à tarde. As aulas no Grande Salão começam imediatamente após o almoço.
Silvia saiu após essas palavras.
Qualquer pessoa acharia que os funcionários do palácio tiveram meses para planejar tudo. Tendas foram armadas nos jardins e mesas de comida e vinho foram espalhadas pelo gramado. O número de guardas era maior que o habitual, e eles ganharam a companhia de vários soldados noruecos que tinham viajado com seu rei e sua rainha. Acho que até eles sabiam como o palácio era perigoso.
Uma das tendas abrigava tronos para o rei, a rainha e Joseph, bem como para os monarcas da Noruécia. A rainha norueca — cujo nome eu seria incapaz de pronunciar mesmo que minha vida dependesse disso — era quase tão bela quanto a rainha Denise, e ambas pareciam muito amigas. Todos estavam confortavelmente sentados sob a tenda, com exceção de Joseph, ocupado em passear com seus parentes e as Selecionadas.
Joseph pareceu encantado em conhecer seus primos, mesmo os mais novos, que brincavam de puxar seu paletó e sair correndo. Ele estava com uma de suas muitas câmeras a tiracolo e corria atrás das crianças tirando fotos. Praticamente todas as Selecionadas observavam a cena com devoção.
— America — alguém me chamou. Virei para direita e vi Elayna e Leah conversando com uma mulher idêntica à rainha. — Venha conhecer a irmã da rainha.
Algo no jeito de Elayna, não sei bem o quê, deixava-me nervosa com o convite.
Juntei-me a elas e fiz uma reverência àquela senhora, que disse às gargalhadas:
— Pare com isso, linda. A rainha não está aqui. Meu nome é Adele. Sou a irmã mais velha de Denise.
Ela estendeu a mão, que segurei, e soluçou durante o cumprimento. Falava com um leve sotaque, e por algum motivo me senti confortável com ela, como se estivesse em casa. Ela tinha as costas curvadas e uma taça de vinho quase vazia nas mãos. Por seu olhar pesado, dava para ver que não era a primeira.
— De onde você é? Adorei seu sotaque — elogiei. Algumas garotas do sul falavam de um jeito parecido, e as vozes delas soavam incrivelmente românticas aos meus ouvidos.
— Hondurágua. Bem no litoral. Crescemos na menor casa do lugar — ela contou, mostrando-me o espaço de um centímetro entre o polegar e o indicador para dar ênfase às palavras. — E olhe para nós agora —
prosseguiu, baixando os olhos para seu vestido. — Que mudança.
— Moro em Carolina. Meus pais me levaram para o litoral uma vez e eu adorei — comentei.
— Ah, não, não, filha — ela disse, agitando a mão. Elayna e Leah pareciam segurar a risada. Era óbvio que elas achavam que a irmã da rainha não devia ser tão informal. — As praias do meio de Illéa são lixo se comparadas às do sul. Você precisa conhecer um dia.
Concordei, com um sorriso nos lábios. Adoraria conhecer mais o país, mas era improvável que um dia conseguisse. Logo em seguida, um dos muitos filhos de Adele chegou e levou a mãe consigo aos empurrões. Elayna e Leah caíram na risada.
— Ela não é hilária? — perguntou Leah.
— Parece simpática — respondi, dando de ombros.
— É muito vulgar — afirmou Elayna. — Você precisava ter ouvido as coisas que disse antes de você chegar.
— O que há de errado com ela?
— Parece que faltou a algumas aulas de etiqueta nos últimos anos. Como Silvia deixou que escapasse? — Leah comentou com um sorriso malicioso.
— Ela nasceu em uma família da casta Quatro, como você — rebati.
Seu ar de superioridade se desfez, e ela pareceu lembrar que não era muito diferente de Adele. Elayna, porém, era Três de nascença e continuou a falar.
— Pode apostar: se eu vencer, minha família será treinada ou deportada. Jamais permitiria que um deles me envergonhasse assim.
— O que ela fez de tão vergonhoso? — perguntei.
Elayna estalou a língua, mostrando desdém:
— Ela está bêbada. O rei e a rainha da Noruécia estão aqui. Deviam trancá-la em uma jaula.
Decidi que aquilo já era o bastante e fui pegar um pouco de vinho. Com a taça na mão, corri os olhos pelo lugar e, sinceramente, não encontrei nenhum canto onde quisesse ficar. A festa estava linda e parecia muito interessante, mas eu já estava irritada.
Pensei nas palavras de Elayna. Se eu acabasse por viver no palácio, será que minha família mudaria? Observei as crianças, que corriam por toda parte, as pessoas em grupinhos, botando a conversa em dia. Será que eu não ia querer que Dallas continuasse a ser ela mesma? Que seus filhos se divertissem independentemente de seu bom comportamento?
Quanto a vida no palácio me afetaria?
Será que Joseph queria que eu mudasse? Era por isso que ele tinha beijado outras garotas? Por que havia algo de errado comigo?
O resto da Seleção seria assim tão entediante?
— Sorria.
Virei para trás e o príncipe tirou uma foto minha. Quase caí para trás com a surpresa. Essa foto inesperada acabou o que tinha sobrado da minha paciência. Fui embora.
— O que foi? — ele perguntou, baixando a câmera.
Dei de ombros.
— O que aconteceu?
— Só não estou a fim de ser parte da Seleção hoje — disse, curta e grossa.
Sem se deixar impressionar, Joseph aproximou-se e baixou o tom de voz:
— Quer conversar? Posso mexer na minha orelha agora — ele propôs.
Respirei fundo e tentei botar um sorriso educado no rosto:
— Não, só preciso pensar — respondi e fiz menção de sair.
— Demetria — ele chamou discretamente.
Parei e me voltei para Joseph.
— Eu fiz algo de errado? — ele perguntou.
Hesitei. Devia perguntar sobre o beijo que ele tinha dado em Olivia? Ou confessar como ficava nervosa ao lado das outras garotas agora que nossa relação tinha mudado? Ou contar como não queria mudar nem mudar minha família para fazer parte daquilo? Eu estava prestes a jogar tudo na cara dele quando ouvi uma voz aguda.
— Príncipe Joseph?
Voltamo-nos em sua direção. Era Blanda, que conversava com a rainha da Noruécia. Claro que ela queria continuar o papo segurando o braço de Joseph, e acenou para chamá-lo.
— Por que você não vai lá correndo? — perguntei deixando o incômodo transparecer em minha voz.
Joseph olhou nos meus olhos. Sua expressão me lembrou de que tudo fazia parte do trato. Eu tinha a obrigação de compartilhá-lo com as outras.
— Cuidado com essa aí.
Fiz uma breve reverência e saí de cena.
Avancei em direção ao palácio e no meio do caminho deparei com Miley sentada sozinha. Eu não queria ficar com ela naquele momento, mas notei que ela estava imóvel em um banco perto do muro nos fundos do palácio, sob o sol escaldante. Seu companheiro mais próximo era um guarda calado cujo posto estava alguns metros adiante.
— Miley, o que você está fazendo? Vá para baixo de uma tenda antes que queime a pele.
— Estou bem aqui — ela respondeu com um sorriso amarelo.
— Não, é sério — eu disse enlaçando meu braço ao dela. — Você vai ficar da cor do meu cabelo. Precisa...
Miley tirou sua mão da minha, mas falou com tranquilidade:
— Quero ficar aqui, Demetria. Eu prefiro.
Seu rosto carregava uma tensão que ela tentava esconder. Tinha certeza de que não estava zangada comigo, mas havia algo estranho no ar.
— Tudo bem. Mas vá logo para a sombra. Queimaduras de sol costumam arder — recomendei, tentando encobrir minha frustração, e segui para o palácio.
Uma vez lá dentro, fui para o Salão das Mulheres. Não podia ficar fora por muito tempo, e pelo menos o salão estaria vazio. Quando entrei, porém, encontrei Adele sentada à janela, assistindo o que acontecia do lado de fora. Ela se virou quando entrei e deu um sorrisinho.
Aproximei-me dela e sentei-me ao seu lado.
— Escondida aqui? — perguntei.
Ela sorriu.
— Mais ou menos. Queria conhecer vocês e ver minha irmã de novo, mas odeio quando essas coisas se tornam funções de Estado. Fico tensa.
— Também não sou muito fã. Não consigo me imaginar fazendo coisas assim o tempo todo.
— Aposto que não — ela disse, indolente. — Você é Cinco, certo?
Não vi ofensa em seu modo de falar. Sua pergunta era mais para saber se eu era do mesmo clube que ela.
— É. Isso mesmo.
— Eu me lembro do seu rosto. Você foi gentil no aeroporto. É o tipo de coisa que ela teria feito — afirmou, voltando-se para a janela e apontando a cabeça na direção da rainha. Depois de um suspiro, continuou: — Não sei como ela faz isso. É mais forte do que a maioria desconfia.
Adele pegou a taça de vinho e virou-a em um gole só.
— Ela parece ser muito forte, mas elegante também — comentei.
A irmã da rainha se encheu de orgulho.
— Sim, mas é mais que isso. Olhe para ela agora.
Observei a rainha. Reparei como seus olhos treinados varriam o gramado. Segui seu olhar, que se concentrava em Joseph. Ele conversava com a rainha da Noruécia ao lado de Blanda. Com um priminho pendurado em sua perna.
— Ele teria dado um grande irmão mais velho — ela comentou. — Denise perdeu três filhos. Dois antes dele, um depois. Ela ainda pensa nisso. E eu tenho seis. Me sinto culpada sempre que apareço aqui.
— Tenho certeza de que ela não pensa assim. Aposto que fica animada sempre que a visita — confortei-a.
Ela se virou para mim e disse:
— Você sabe o que a deixa feliz? Vocês. Sabe o que ela vê na competição? Uma filha. Ela sabe que, quando tudo acabar, terá dois filhos.
Olhei para Adele e depois para a rainha.
— Acha isso? Ela parece um pouco distante. Nunca falei com ela. Adele confirmou com a cabeça.
— Espere. Ela tem medo de se apegar agora e depois ter que ver vocês partir. Quando o grupo diminuir, você verá.
Olhei novamente para a rainha. E então para Joseph. Depois para o rei. E, por fim, para Adele de novo.
Tanta coisa se passou pela minha cabeça... Como as famílias eram iguais, independentemente da casta. Como as mães carregavam suas preocupações. Como eu realmente não odiava nenhuma das garotas ali, não importava quão erradas estivessem. Como todos lá fora deviam estar fazendo uma cara animada e corajosa, por um motivo ou outro. E finalmente, como Joseph tinha me prometido algo.
— Com licença. Preciso falar com uma pessoa.
Adele secou sua taça e deu um tchauzinho contente. Corri palácio afora até chegar aos jardins. Procurei o príncipe por uns instantes e o encontrei brincando de pega-pega com o priminho, perto de um arbusto. Dei um sorriso e me aproximei devagar.
Joseph finalmente parou, agitando os braços em reconhecimento da sua derrota. Ainda rindo, ele virou para trás e deparou comigo. Com o sorriso ainda aberto no rosto, nossos olhares se cruzaram. O sorriso se desfez. Ele examinava meu rosto em busca de um sinal do meu humor.
Mordi os lábios e olhei para baixo. Era evidente que a preocupação com meu destino enquanto participante da Seleção implicaria processar uma série de sentimentos para os quais não estava preparada. No entanto, eu os deixei vir. Precisava ter cuidado para não os descontar nos outros, especialmente em Joseph.
Pensei na rainha, em como ela recebia ao mesmo tempo líderes estrangeiros, membros da família e um bando de meninas barulhentas. Tudo de uma vez. Ela ajudava o marido, o filho e o país. E por baixo dessa força estava uma Quatro que lidava com suas próprias dores e que nunca deixou sua antiga condição ou suas aflições recentes impedi-la de fazer tudo o que fazia.
Olhei para Joseph sem levantar a cabeça e sorri. Devagar, ele sorriu de volta e cochichou algo com o garotinho, que imediatamente saiu correndo. Depois, mexeu na orelha. E eu fiz o mesmo.
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