21/02/2014

Capitulo 6

— ADORÁVEL, SENHORITA. Continue a apontar para os desenhos. As outras tentem não olhar para mim — pediu o fotógrafo.

Era sábado e toda a Elite havia sido dispensada da obrigação de permanecer no Salão das Mulheres o dia inteiro. No café da manhã, Joseph tinha anunciado a festa de Halloween; à tarde, nossas criadas começaram a desenhar as fantasias, e alguns fotógrafos apareceram para registrar todo o processo.
Naquele momento, eu tentava parecer natural enquanto examinava os desenhos de Anne, e as criadas estavam atrás da mesa com pedaços de tecido, caixas de lantejoulas e uma quantidade absurda de penas. A câmera clicava várias vezes enquanto fazíamos poses diversas, na tentativa de dar opções ao fotógrafo. No instante em que eu posaria com um tecido dourado enrolado na cabeça, recebemos um visitante.

— Bom dia, senhoritas — disse Joseph, caminhando porta adentro.

 Não pude deixar de me endireitar um pouco e tive a sensação de que meu sorriso tomava todo o meu rosto. O fotógrafo captou esse momento antes de se dirigir a Joseph.

— Sua Alteza, é sempre uma honra. O senhor se importaria de posar com a jovem senhorita?
— Seria um prazer.

As criadas abriram espaço. Joseph pegou alguns desenhos e se colocou bem atrás de mim. Uma de suas mãos segurava uma folha e a outra repousava em minha cintura. Esse detalhe significava muito para mim. É como se ele dissesse: “Veja, logo vou tocá-la assim diante do mundo. Você não precisa se preocupar com nada”. Depois de mais algumas fotos, o fotógrafo foi atrás da próxima garota. Percebi que também as criadas, discretamente e por conta própria, haviam deixado o quarto.

 — Suas criadas têm muito talento — disse Joseph. — A ideia é maravilhosa.

Tentei me comportar da mesma maneira de sempre, mas as coisas passaram a ser diferentes, ao mesmo tempo melhores e piores.

— Eu sei — respondi. — Não poderia estar em melhores mãos.
— Já se decidiu por algum? — perguntou ele, espalhando os papéis pela escrivaninha.
— A gente gosta dessa ideia do pássaro. Acho que é uma referência ao meu pingente — eu disse, com a mão sobre o fino cordão de prata. O pingente de passarinho era presente de meu pai, e eu preferia esse objeto a todas as joias pesadas do palácio.
 — Detesto dizer isso, mas acho que Blanda também escolheu uma fantasia de pássaro. A determinação dela era impressionante — disse ele.
— Tudo bem — respondi, dando de ombros. — Não sou louca por penas, mesmo. — De repente parei de sorrir. — Ei, você estava com Blanda?

Ele confirmou com a cabeça.

— Foi apenas uma visita rápida para conversar. Acho que não posso ficar muito tempo aqui também. Meu pai não está contente com tudo isso, mas com a Seleção ainda em curso, compreendeu que seria legal termos um pouco mais de festa. E concordou que também seria um modo bem melhor de conhecer as famílias diante da atual situação...
— Que situação?
— Ele está ansioso por uma eliminação, e devo excluir alguém depois de conhecer os pais de todas. Na opinião dele, quanto antes eles vierem, melhor.

Eu não tinha percebido que mandar uma garota de volta para casa fazia parte dos planos do Halloween. Pensava que seria apenas uma grande festa. Aquilo me deixou nervosa, embora eu repetisse para mim mesma que não tinha motivos para tal. Não depois da nossa conversa do dia anterior. De todos os momentos já compartilhados com Joseph, nenhum me parecia mais real do que aquele. Ainda com os olhos nos desenhos, Joseph falou, com ar distraído:

 — Acho que preciso terminar as visitas.
— Você já vai?
 — Não se preocupe, querida. Vejo você no jantar.

“Sim”, pensei, “mas você verá todas nós no jantar.”

— Está tudo bem? — perguntei.
— Claro — ele respondeu, para depois me beijar. Na bochecha. — Tenho que correr. Falamos mais tarde.

E saiu, tão subitamente como tinha chegado.

No domingo, oito dias nos separavam do Halloween, o que significava que o palácio estava um furacão, cheio de atividades.
Na segunda, a Elite passou a manhã com a rainha Denise provando e aprovando o menu para a festa. De longe, aquela foi a melhor das nossas tarefas até então. À tarde, porém, Blanda ficou horas sumida do Salão das Mulheres. Quando voltou, por volta das quatro da tarde, anunciou a todas que “Joseph mandou lembranças”.
Na tarde de terça-feira, cumprimentamos membros mais distantes da família real que vieram à cidade para os festejos. E naquela manhã, assistimos da janela a Joseph dando uma aula de arco e flecha a Selena nos jardins. As refeições estavam repletas de convidados que chegaram antes da festa, mas Joseph quase nunca aparecia, assim como Miley e Natalie. Eu me sentia cada vez mais envergonhada. Revelar meus sentimentos para Joseph tinha sido um erro. Apesar de toda a conversa, ele não podia estar interessado em mim de verdade se sua primeira opção era sempre passar o tempo com as outras.
Na sexta, já tinha quase perdido as esperanças. Depois do Jornal Oficial, permaneci sentada ao piano, desejando que Joseph viesse ao meu quarto.
Ele não veio.
Tentei distrair a cabeça no sábado. Nós, da Elite, tínhamos a obrigação de fazer sala às mulheres que chegavam no palácio de manhã, e à tarde haveria mais um ensaio de dança. Ainda bem que minha família, como Cinco, tinha escolhido se concentrar em música e artes plásticas: eu era uma péssima dançarina. A única pessoa pior que eu naquele salão era Natalie. Para minha tristeza e meu ódio, Blanda era o máximo da graciosidade. Os instrutores lhe pediram mais de uma vez para ajudar as outras meninas. O resultado foi que Natalie quase torceu o tornozelo graças às más indicações que Blanda lhe dava de propósito. Sutil como uma serpente, Blanda botou a culpa na absoluta falta de jeito de Natalie. Os professores acreditaram nela, e Natalie apenas ria da própria situação. Admirava Natalie por não se abalar por causa de Blanda.
Nicholas esteve presente em todas as aulas. Evitei-o nas primeiras; não tinha muita certeza se queria me aproximar dele. Ouvi rumores de que os guardas tinham começado a mudar suas escalas com uma velocidade enlouquecedora. Alguns estavam desesperados para irem à festa, ao passo que outros tinham namoradas em sua terra natal e arrumariam um grande problema se fossem vistos dançando com outra pessoa, principalmente porque cinco de nós em breve voltariam a ser “solteiras”. Solteiras e bem procuradas. Mas aquele era nosso último ensaio, e Nicholas estava perto o bastante para me tirar para dançar. Não recusei.

— Está tudo bem? — perguntou ele. — Você parecia triste nas últimas vezes em que a vi.
— É só cansaço — menti. Não podia conversar com ele sobre meus problemas afetivos.
— Mesmo? — ele perguntou, cético. — Tinha certeza de que más notícias estavam por vir.
— O que você quer dizer?

Será que ele sabia de algo que eu não sabia? Ele suspirou.

 — Se você pretende dizer que preciso parar de lutar por você, aviso que não quero conversar sobre isso.

Para ser sincera, fazia mais de uma semana que eu nem pensava em Nicholas. Estava tão absorta por minhas palavras e ideias erradas que não podia pensar em mais nada. Lá estávamos nós: enquanto me preocupava com a possibilidade de Joseph me abandonar, Nicholas preocupava-se com a possibilidade de eu o abandonar.

— Não é nada disso — respondi vagamente, me sentindo culpada. Ele acenou com a cabeça, por ora satisfeito com a resposta.
— Ai!
 — Ops! — exclamei.

Tinha pisado no pé dele totalmente sem querer. Me esforcei para prestar atenção na dança.

— Desculpe, Meri, mas você é péssima — ele disse, rindo, apesar de o meu salto provavelmente tê-lo machucado.
— Eu sei, eu sei — eu disse, sem fôlego. — Juro que estou tentando!

Eu me agitava pelo salão como um alce cego, mas o que me faltava de graça eu compensava com esforço. Nicholas, muito gentil, deu o seu melhor para me fazer parecer bem; até perdeu um pouco o compasso da música para acompanhar meu ritmo. Era tão típico dele, sempre tentar ser meu herói. Ao fim da última aula, pelo menos eu sabia todos os passos. Não dava para prometer que não derrubaria sem querer um convidado diplomata com um chute das minhas pernas empolgadas. Mas faria o meu máximo. Imaginar essa cena me fez ver que não era de estranhar que Joseph pensasse duas vezes. Passaríamos vergonha ao visitar outros países e muito mais ao recebermos visitas aqui. Eu realmente não servia para ser princesa. Suspirei e fui buscar um copo d’água. Nicholas me seguiu, ao passo que as outras garotas deixaram o salão.

— Então...

Ele começou a falar. Corri os olhos pelo salão para me certificar de que ninguém nos observava.

— ...suponho que se você não está preocupada comigo, deve estar preocupada com ele. Baixei os olhos e corei. Como ele me conhecia bem.
— Não que eu esteja torcendo por ele e tal, mas se ele não percebe como você é maravilhosa, é um idiota.

Sorri, com os olhos ainda cravados no chão.

— E se você não for a princesa, qual o problema? Você não vai ser menos incrível por isso. E você sabe... você sabe...

Nicholas não conseguia soltar o que tinha a dizer. Arrisquei um olhar para o seu rosto. Nos olhos dele, vi mil finais diferentes para aquela frase. Todos me uniam a ele: ele ainda estaria à minha espera; ele me conhecia melhor que ninguém; nós éramos um; uns meses no palácio não podiam apagar dois anos. Não importa o que acontecesse, Nicholas sempre estaria ao meu lado.

— Eu sei, Nicholas. Eu sei.

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