27/12/2013

Capitulo 13

Como eu previra, as meninas que pediram para ir embora mudaram de ideia assim que as coisas acalmaram. Nenhuma de nós sabia exatamente quem havia pedido para voltar, mas algumas — principalmente Blanda  — estavam determinadas a descobrir. Por enquanto, ainda éramos vinte e sete.
Para o rei, o ataque tinha sido tão superficial que nem merecia ser noticiado. No entanto, como havia algumas equipes de filmagem no palácio naquela manhã, parte do tumulto tinha sido transmitida ao vivo. Aparentemente, o rei não tinha gostado muito daquilo. O que me levou a pensar: quantos ataques o palácio tinha sofrido sem que ninguém soubesse? Será que aquele lugar era bem menos seguro do que eu imaginava?
Silvia explicou que se o ataque tivesse sido mais sério, teríamos permissão para telefonar para nossas famílias e dizer que estava tudo bem. Mas só nos deixaram escrever cartas.
Escrevi dizendo que estava bem, que o ataque não fora tão sério como parecera e que o rei nos mantivera seguras. Insisti que não se preocupassem comigo, disse que estava com saudades e dei a carta para uma simpática criada enviar.
O dia seguinte ao ataque correu sem nenhum incidente. Eu tinha planejado descer até o Salão das Mulheres a fim de promover Joe para as garotas, mas depois de ver Lucy tão abalada preferi ficar no quarto.
Não sabia como minhas três criadas gastavam seu tempo na minha ausência, mas quando eu ficava no quarto elas jogavam baralho comigo e deixavam escapar uma ou outra fofoca.
Aprendi que para cada dez pessoas que eu via no palácio havia umas cem ou mais escondidas. Eu sabia das cozinheiras e lavadeiras, mas também havia gente cuja única tarefa era manter as janelas limpas. Essa equipe demorava uma semana inteira para concluir o serviço. Quando acabavam, o pó já tinha atravessado os muros do palácio e se prendido aos vidros limpos, que precisavam ser lavados mais uma vez. Também ocultos no palácio, os ourives fabricavam joias para a família real e presentes para os visitantes. Havia ainda várias equipes de costureiras e compradoras de tecido, cuja missão era vestir a família real — e agora nós — com trajes impecáveis.
Soube também de outras coisas: os guardas que elas achavam mais bonitos e o novo modelo — horrível — de vestido que a chefe das criadas as fazia usar nas comemorações de feriados. Soube que alguns empregados faziam apostas sobre qual Selecionada venceria e que eu estava entre as dez favoritas. E que o bebê de uma das cozinheiras estava doente e fora desenganado pelos médicos. Anne derramou algumas lágrimas ao contar isso. A mãe era uma amiga próxima e o casal tinha desejado um filho por muito tempo.
Ouvir as criadas e falar quando tinha algo que merecesse ser dito — eu era incapaz de imaginar coisa mais divertida acontecendo no andar de baixo. Estava feliz por aquela companhia. Uma atmosfera tranquila e feliz tomou conta do meu quarto.
Tinha sido tão agradável que decidi não descer também no dia seguinte. Dessa vez, deixamos as portas abertas, tanto a do corredor como as da sacada, e uma brisa morna circulava e nos envolvia. Parecia fazer maravilhas com Lucy, e me perguntei com que frequência ela punha o pé para fora do palácio.
Anne fez um comentário sobre como tudo isso era inadequado — eu, sentada com elas, jogando cartas com as portas abertas —, mas logo o deixou de lado. Ela rapidamente superava a mania de tentar fazer de mim a dama que eu aparentemente tinha que ser.
Estávamos no meio de uma partida de baralho quando notei uma silhueta pelo canto do olho. Era o príncipe, parado em frente à porta com um ar maravilhado. Nossos olhares se cruzaram e entendi no ato que seu rosto perguntava o que eu estava fazendo. Levantei-me com um sorriso e caminhei até ele.
— Ai, meu Deus — murmurou Anne quando notou o príncipe na porta. Ela imediatamente enfiou as cartas em um cesto de costura e se levantou. Mary e Lucy fizeram o mesmo.
— Senhoritas — saudou Joe.
— Majestade — Anne fez uma reverência. — É uma grande honra.
— Para mim também — ele respondeu com um sorriso.
As criadas se entreolharam, sentindo-se lisonjeadas. Todos permaneceram calados por uns instantes, sem saber ao certo como agir. Foi quando Mary exclamou:
— Já estávamos de saída.
— Sim, estávamos mesmo — acrescentou Lucy. — Íamos... hã... Ela olhou para Anne em busca de socorro.
— Íamos terminar o vestido da senhorita Demi para sexta-feira — completou Anne.
— Isso mesmo. Faltam apenas dois dias.
Com um sorriso enorme estampado no rosto, as três lentamente desviaram de nós para se retirar do quarto.
— Eu não tinha a intenção de atrapalhar o trabalho de vocês — Joe disse, seguindo-as com os olhos, completamente fascinado com o comportamento delas.
Assim que chegaram ao corredor, elas fizeram reverências estranhas e sem qualquer sincronia antes de seguir a passos frenéticos.
— Que turma você tem — comentou Joe entrando no quarto e correndo os olhos pelo lugar.
— Elas me mantêm motivada — respondi com um sorriso no rosto.
— Está claro que se afeiçoaram a você. Isso é difícil de encontrar.
Ele parou de olhar para o quarto e se voltou para mim.
— Não é assim que imaginava seu quarto.
Levei as mãos à cintura e disse:
— Mas este não é meu quarto, é? Ele é seu. Só está me emprestando. O príncipe fez uma careta.
— Mas com certeza disseram-lhe que você poderia mudar alguma coisa. Uma cama nova, uma pintura diferente...
— Uma camada de tinta não vai tornar este quarto meu. Garotas como eu não moram em casa com piso de mármore — afirmei dando de ombros e com ar brincalhão.
Joe sorriu.
— E como é seu quarto de verdade?
— Hum... O que você veio fazer aqui exatamente? — perguntei, tentando desconversar.
— Ah, é que tive uma ideia.
— Sobre?
— Bem — ele começou —, já que você e eu não temos o relacionamento típico que procuro ter com as outras garotas, talvez devêssemos usar... meios alternativos de comunicação.
Ele parou em frente ao meu espelho e olhou as fotos da minha família.
— Sua irmã mais nova é a sua cara — ele constatou, maravilhado.
Fui até o centro do quarto.
— Ouvimos isso quase sempre. E o que você ia dizer sobre comunicação alternativa?
Joe parou com as fotos e foi em direção ao piano, no fundo do quarto.
— Visto que está aqui para me ajudar, ser minha amiga e tal — ele continuou, fixando o olhar em mim —, talvez não devêssemos recorrer aos tradicionais bilhetes entregues por criadas nem aos convites formais para encontros. Pensei em algo menos cerimonioso.
Ele pegou a partitura sobre o piano.
— Foi você quem trouxe?
— Não, já estava aqui. Consigo tocar de cor as músicas de que realmente gosto.
Suas sobrancelhas se ergueram.
— Impressionante.
Ele voltou para perto de mim sem terminar a explicação.
— Você poderia parar de fuçar e completar o raciocínio, por favor?
Joe deu um suspiro.
— Muito bem. Estava pensando que podíamos ter um sinal ou um jeito de dizer que precisamos conversar sem que os outros notem. Talvez coçar o nariz? — ele propôs, e começou a esfregar a região acima dos lábios.
— Assim vai parecer que seu nariz está entupido. Não é atraente.
Ele me olhou um pouco perplexo e concordou.
— Muito bem. Talvez apenas passar a mão no cabelo.
Balancei a cabeça quase que imediatamente.
— Meu cabelo passa a maior parte do tempo preso com grampos. É quase impossível passar a mão nele. Além disso, o que acontece se você por acaso estiver usando a coroa? Ela vai acabar caindo.
Ele sacudiu o dedo na minha direção.
— Excelente argumento. Humm...
O príncipe deu as costas para mim e voltou a perambular pelo quarto, ainda pensativo, parando ao chegar no criado-mudo.
— Mexer na ponta da orelha?
Pensei na hipótese.
— Gostei. Simples o bastante para ser discreto, mas não comum a ponto de confundirmos com outra coisa. Mexer na orelha. É isso.
Algo tinha prendido a atenção de Joe, mas ele se voltou para mim e sorriu:
— Estou feliz por você ter gostado. Da próxima vez que quiser falar comigo, basta mexer na orelha e virei assim que puder. Provavelmente depois do jantar — concluiu dando de ombros.
Antes que eu pudesse perguntar sobre como eu o encontraria, Joe já estava passeando com meu jarro nas mãos.
— Mas o que é isto?
Soltei um suspiro.
— Receio que esteja além de qualquer explicação.
A primeira sexta-feira chegou, e com ela nossa estreia no Jornal Oficial de Illéa. Nossa participação era obrigatória, mas ao menos dessa vez tudo o que tínhamos que fazer era ficar sentadas. Por conta do fuso horário diferente, chegávamos às cinco da tarde, permanecíamos sentadas por uma hora e depois íamos para o jantar.
Anne, Mary e Lucy me vestiram com muito apuro. Puseram em mim um vestido longo azul-escuro, tendendo para o violeta. A cintura era justa, e a cauda acetinada, levemente ondulada. Eu não podia acreditar que minhas mãos tocavam uma peça tão bela. As criadas abotoaram o vestido nas minhas costas, um botão por vez, e colocaram grampos encravados com pérolas nos meus cabelos. Acrescentaram brincos de pérola pequenos e delicados e um colar cuja corrente era tão fina que as pérolas espaçadas pareciam flutuar sobre minha pele. Eu estava pronta.
Olhei-me no espelho. Ainda parecia ser eu mesma. Era a versão mais linda de mim que já vira, mas eu reconhecia aquele rosto. Desde que meu nome fora sorteado, temia me tornar irreconhecível, um ser tão recoberto por camadas de maquiagem e atulhado de joias que eu teria que cavar por semanas até encontrar a mim mesma. Por ora, eu ainda era Demetria.
E assim, como eu mesma, descobri que minhas mãos brilhavam de suor enquanto me dirigia ao estúdio do palácio. Disseram que deveríamos chegar dez minutos antes. Para mim, dez minutos eram na verdade quinze. Para alguém como Blanda, eram mais ou menos três. Por isso, as meninas foram chegando aos poucos.
Hordas de pessoas corriam por todos os lados a fim de dar os últimos retoques ao cenário, que agora contava com uma fileira de assentos para as Selecionadas. Os membros do conselho, que eu reconheci graças a anos assistindo ao Jornal Oficial, liam o roteiro e ajustavam a gravata. As Selecionadas se olhavam no espelho e esticavam os vestidos extravagantes. Um turbilhão de atividades.
Olhei para o lado e testemunhei o instante mais trivial da vida de Joe. Sua mãe, a bela rainha Denise, punha alguns fios de cabelo rebeldes dele no lugar. O príncipe endireitou o paletó e comentou algo com ela. A rainha inclinou a cabeça em aprovação, o que fez Joe sorrir. Gostaria de ter visto mais, só que Silvia, em toda a sua glória, chegou para me levar ao meu lugar.
— Para a cadeira, senhorita Demetria — ela ordenou. — Pode se sentar onde quiser, mas, você sabe, as garotas já ocuparam toda a fileira da frente. — Silvia parecia triste por mim, como se estivesse dando alguma má notícia.
— Ah, obrigada — agradeci, feliz por poder sentar na última fileira. Não gostei de subir aqueles degrauzinhos com um vestido chique e sandálias de salto alto. (Aliás, eu precisava mesmo delas? Ninguém veria meus pés.) Mas dei um jeito. Em seguida, chegou Miley. Ela abriu um sorriso assim que me viu e veio se sentar ao meu lado. Pareceu um bom sinal ela escolher se sentar perto de mim em vez de ir para a segunda fileira. Miley era fiel. Seria uma grande rainha.
Seu vestido era de um amarelo brilhante. Seus cabelos loiros e sua pele levemente bronzeada davam a impressão de que ela irradiava luz.
— Miley, amei seu vestido. Você está fantástica!
— Ah, obrigada — ela disse, corando levemente. — Fiquei com medo de ter exagerado um pouco.
— De jeito nenhum! Confie em mim: ficou perfeito em você.
— Eu queria conversar, mas você não aparecia. Será que podemos nos falar amanhã? — ela perguntou em voz baixa.
— Claro. No Salão das Mulheres, pode ser? Sábado — respondi no mesmo tom.
Amy, sentada na cadeira da frente, virou-se para nós.
— Acho que os enfeites do meu cabelo estão caindo. Vocês poderiam ver para mim?
Sem dizer uma palavra, Miley apalpou com os dedos esguios o cabelo de Amy à procura de enfeites soltos.
— Está melhor agora? — ela perguntou.
— Sim, obrigada — suspirou Amy, aliviada.
— Demi, tem batom nos meus dentes? — perguntou Zoe.
Virei para esquerda e lá estava ela, expondo todos os dentes brancos como pérolas em um sorriso lunático.
— Não, tudo certo — respondi, vendo pelo canto dos olhos que Miley confirmava a informação com a cabeça.
— Obrigada. Como ele pode ser tão calmo? — Zoe perguntou apontando para Joe, que falava com um dos membros da produção. Depois da pergunta, ela enfiou a cabeça entre as pernas e começou a controlar a respiração.
Miley e eu viramos uma para a outra de olhos arregalados e tentamos não rir. Não seria fácil se continuássemos a ver Zoe, de modo que corremos os olhos pelo estúdio e começamos a conversar sobre as roupas das outras. Havia várias garotas de vermelho sedutor e verde vibrante, mas nenhuma de azul. Olivia foi ousada o bastante para usar laranja. Eu não sabia muito de moda, mas Miley e eu concordamos que alguém deveria ter ajudado a moça. Aquela cor fazia sua pele ficar meio esverdeada.
Dois minutos antes de ligarem as câmeras, descobrimos que não era o vestido que a deixava verde. Olivia vomitou ruidosamente na lata de lixo mais próxima e desmaiou. Silvia entrou em ação e pediu aos gritos que alguém limpasse o chão e fizesse a garota se sentar. Ela foi posta na última fileira com um balde próximo aos pés, por precaução.
Bariel estava sentada bem na frente dela. Não consegui ouvir o que ela disse à pobre coitada, mas parecia pronta para bater em Olivia caso o episódio se repetisse perto dela.
Pensei que Joe teria visto ou escutado uma parte da agitação e quis conferir se ele demonstrava alguma reação. Olhei para o príncipe, mas ele não olhava para a confusão: olhava para mim. Rapidamente — tão rapidamente que qualquer outra pessoa pensaria se tratar de uma coceirinha — ele mexeu na ponta da orelha. Fiz o mesmo gesto e desviamos o olhar.
Fiquei empolgada ao saber que Joe passaria em meu quarto depois do jantar.
De repente, o hino nacional começou a tocar, e o brasão de Illéa surgiu nos monitores espalhados pelo estúdio. Endireitei-me na cadeira. Só conseguia pensar que minha família estaria vendo e quis deixar todos orgulhosos.
O rei Clarkson estava no palanque falando do breve e malsucedido ataque ao palácio. Eu não diria que o ataque fora malsucedido. Afinal, a maioria de nós quase morreu de pavor. Depois fizeram mais uma pilha de pronunciamentos. Tentei prestar atenção em tudo o que diziam, mas era difícil. Estava acostumada a assistir ao programa em um sofá confortável acompanhada de um balde de pipoca e com os comentários da família.
Muitas das notícias tinham a ver com os rebeldes, que levavam a culpa por uma série de coisas. A construção das estradas em Sumner estava atrasada por causa dos rebeldes, e o número de representantes locais em Atlin tinha diminuído porque eles tiveram que ser enviados para George a fim de ajudar em uma revolta rebelde. Eu nem fazia ideia de que essas coisas tinham acontecido. Partindo daquilo que ouvira na infância e do que tinha aprendido desde que chegara ao palácio, comecei a questionar o quanto sabíamos de fato sobre esses grupos. Talvez eu não entendesse, mas não me parecia que eles podiam ser culpados por todas as coisas erradas em Illéa.
E eis que Gavril surge no estúdio como se tivesse brotado do chão assim que o mestre de cerimônias o anunciou.
— Boa noite a todos. Tenho um anúncio muito importante hoje. Faz uma semana que a Seleção começou e oito moças já voltaram para casa. Restam agora vinte e sete belas mulheres para o príncipe Joseph fazer sua escolha. Semana que vem, haja o que houver, a maior parte do Jornal Oficial de Illéa será dedicada a essas incríveis jovens.
Senti gotículas de suor se formarem na minha testa. Sentar ali e fazer boa figura... Até aí tudo bem. Mas responder perguntas? Eu sabia que não ia ganhar aquele joguinho, mas não era essa a questão. Eu só não queria fazer papel de idiota em rede nacional.
— Antes de chegarmos às senhoritas, falaremos com o homem do momento. Como Vossa Alteza está esta noite, príncipe Joseph? — perguntou Gavril cruzando o palco.
Joe foi pego de surpresa. Não tinha microfone nem uma resposta preparada. Imediatamente antes de o microfone de Gavril chegar até ele, nossos olhares se cruzaram e dei uma piscadinha. Aquele pequeno gesto foi suficiente para fazê-lo sorrir.
— Muito bem, Gavril, obrigado.
— Tem gostado da companhia até agora?
— Sim! É um prazer conhecer essas senhoritas.
— São todas moças doces e gentis como aparentam? — o apresentador quis saber.
Dei uma risadinha antes mesmo de Joe falar. Eu sabia que ele diria algo como “Bem, mais ou menos”.
— Humm... — Joe desviou o olhar de Gavril e me encarou — quase.
— Quase? Gavril pareceu surpreso. — Alguém ali está sendo desobediente? — ele perguntou apontando para nós.
Por sorte todas as meninas soltaram uma risadinha e eu pude me unir a elas. Que traidor!
— O que essas garotas fizeram que não foi exatamente meigo? — Gavril quis saber do príncipe.
— Muito bem, deixe-me contar.
Joe cruzou as pernas e ficou bem confortável na cadeira. Nunca o tinha visto tão relaxado quanto naquele momento, sentado ali e curtindo com a minha cara. Gostei desse seu lado. Desejei que aparecesse mais vezes.
— Uma delas teve coragem de gritar comigo de um modo bem agressivo em nosso primeiro encontro. Levei uma bronca duríssima — ele prosseguiu.
Atrás do príncipe, o rei e a rainha se entreolharam. Pareciam estar ouvindo a história pela primeira vez também. Ao meu redor, as meninas trocavam olhares confusos. Só fui perceber quando Miley disse:
— Não me lembro de ninguém ter gritado com ele no Grande Salão. Você se lembra?
Joe devia ter esquecido que nosso primeiro encontro era um segredo.
— Acho que ele está exagerando, para ser engraçado. Cheguei a dizer para ele umas coisas bem sérias. Talvez esteja falando de mim — respondi.
— Uma bronca? Por quê? — continuou Gavril.
— Honestamente, não sei. Saudades de casa, talvez. E foi por isso que a perdoei, claro.
Joe estava solto e tranquilo. Conversava com Gavril como se não houvesse mais ninguém do estúdio além dos dois. Eu teria que dizer a ele mais tarde que havia se saído muito bem.
— Então ela ainda está conosco?
Gavril dirigiu o olhar para o conjunto de garotas, com um sorriso de orelha a orelha, depois se voltou para o príncipe.
— Ah, sim. Ainda está — ele afirmou, sem tirar os olhos de Gavril. — E planejo mantê-la aqui por um bom tempo.


Hey! Como foi o Natal de vocês?
O Meu foi ótimo!
Feliz Natal bem atrasados para vocês!

Agora comecem a contagem regressiva. A Primeira Temporada de "A Seleção" acaba com o capitulo 24. Depois entraremos em férias (sim,pois irei viajar e para aonde eu vi não tem internet) e assim que acabarem "A Seleção" volta com a segunda temporada que será chamada "A Elite". Mas não surtem! Ainda tem muitas emoções para acontecer nessa temporada!

Critíca a Fanfic Adolescentes Em Casa



Olá a todos!

Aqui está mais uma crítica. A escritora já teve uma outra fanfic sua a ser criticada aqui no CDF, chamada "A Seleção", mas quem a criticou foi a Diana. Desta vez sou eu, Rui, a fazer a crítica.
Antes de mais, peço desculpa pelo atraso. A fanfic é enorme e tive que ler tudo. Todas as temporadas.
Espero que concorde.


Status do blog:
Nome: A Seleção.
Dona do blog: Gabs Muniz.
Fanfic a ser criticada: Adolescentes em casa.


Não vou falar sobre o visual/os gadgets porque a Diana já tinha falado disso na crítica que ela fez e eu concordo com ela.


Apresentação de personagens e Sinopse: Quanto à apresentação de personagens foi muito superficial. Não descreveu muito as personagens e parece que deu muito protagonismo ao Kevin quando ele talvez não seja o principal. Já quanto à sinopse, tem alguns erros ortográficos mas nada de grave. Gostei da forma como a sinopse foi escrita.


Capítulos: Questiono-me quem será o narrador dessa fanfic. Ora está na primeira pessoa, ora na segunda pessoa, ou é um dos personagens (geralmente é o Kevin). Fez uma certa confusão!
Os erros ortográficos são um pouco graves, constantes e irritam um pouco o leitor. A descrição também é um pouco confusa e faltam algumas virgulas em várias frases. Em termos de escrita não gostei.
A comédia foi bem conseguida, ri em muitos capítulos, mas a parte em que a mãe da Demi morre necessitava de alguma narração, o que não aconteceu. As partes dramáticas não foram bem conseguidas, na minha opinião.
No geral, a primeira temporada foi um pouco fraca. A única coisa que achei que foi bem conseguida foi a comédia.
Quanto à segunda temporada, teve mais um pouco de comédia romântica mas achei repetitivo. Os erros ortográficos continuaram, alguns mais graves que outros. Tive a sensação que não teve muita atenção aos erros porque repete muitas vezes o mesmo erro. Há menos narração na segunda temporada, quando podia ter tido mais.
A terceira temporada foi um pouco melhor que as duas primeiras. Tem mais narração, menos erros ortográficos e gostei das ideias.
A quarta temporada foi um pouco melhor que a terceira só que faltou ainda alguma descrição em alguns capítulos. As ideias não foram muito originais mas mesmo assim, gostei.
A sinopse da quinta temporada foi muito curta e repetiu as palavras. Não deu muita vontade de ler a temporada, mas gostei do que escreveu quando comecei a ler os capítulos. A forma como as personagens evoluíram ao longo das temporadas eu gostei.
No fim de todas as temporadas acho que a fanfic até foi boa. Gostei. Tem alguns erros mas está boa!

Dicas:

1- Cuidado com os erros ortográficos;
2- Faça mais descrições e narrações;
3- Coloque a narração em apenas um personagem ou mude quando assim o entender, avisando.

Parece estranho eu dar uma nota inferior a 9,8 que a Diana deu à sua outra fanfic "A Seleção" porque geralmente é ela que dá as notas mais baixas (por ser a mais justa de nós os três), mas realmente eu não acho que a "Adolescentes em Casa" mereça quase a nota 10. Falta algumas coisas e alguns erros ortográficos são graves.

23/12/2013

Capitulo 12

Não tive muito tempo para me sentir envergonhada ou preocupada. Quando as criadas vieram me vestir de manhã sem nenhum sinal de apreensão, entendi que minha presença na sala de jantar seria bem-vinda. O fato de Joseph me deixar tomar café foi um gesto de generosidade que não esperava dele: eu teria direito a uma última refeição, um momento final como uma das Selecionadas.
Já estávamos no meio do café quando Selena finalmente juntou coragem para perguntar sobre o encontro.
— Como foi? — ela perguntou discretamente, como deveria ser durante as refeições.
Essas duas palavrinhas espicharam orelhas à minha esquerda e à minha direita. Todas ao redor começaram a prestar atenção. Respirei fundo e respondi.
— Indescritível.
As garotas se entreolharam, querendo mais detalhes.
— Como ele se comportou? — indagou Tiny.
— Humm... — procurei escolher bem as palavras. — Bem diferente de como eu esperava.
Dessa vez, escutei resmungos pela mesa.
— Você faz isso de propósito? — irrompeu Zoe. — Porque, se faz, é muita maldade.
Balancei a cabeça. Como poderia explicar?
— Não, nem um pouco. É que...
Mas escapei de tentar formular uma resposta em virtude do barulho que vinha do corredor.
Estranhei os gritos. Ao longo de meu breve período no palácio, não me lembrava de nenhum som que chegasse perto de ser alto. Além disso, o ruído dos passos dos guardas, o abrir e fechar das enormes portas e o bater dos talheres nos pratos compunham uma espécie de música. Tratava-se do mais completo caos.
A família real parece ter compreendido tudo antes de nós.
— Para o fundo da sala, senhoritas! — gritou o rei Paul, correndo até uma janela.
As garotas, confusas e obedientes, avançaram lentamente até a mesa principal. O rei descia uma persiana, que não servia apenas para diminuir a luz. Era feita de metal e rangia ao fechar. Ao lado dele, Joseph baixava outra. E ao lado dele, a amável e delicada rainha corria para baixar a seguinte.
Foi então que uma onda de guardas invadiu a sala. Vi alguns deles se perfilarem do lado de fora um pouco antes das monstruosas portas serem fechadas, trancadas e reforçadas com barras.
— Eles invadiram a propriedade, Majestade, mas conseguimos conter o avanço. Seria bom que as senhoritas saíssem, mas estamos muito próximos da porta...
— Entendido, Markson — o rei respondeu, cortando a frase do militar. Não precisei de mais para entender. Havia rebeldes dentro dos muros do palácio.
Eu imaginava que isso fosse acontecer. Tantas hóspedes no palácio, tantos preparativos. Claro que alguém ia se distrair em algum ponto e relaxar a segurança. E, mesmo que não fosse fácil entrar, era o momento perfeito para protestar. A verdade era que a Seleção era um tanto perturbadora. Com certeza os rebeldes a odiavam, como odiavam tudo em Illéa.
Entretanto, a opinião deles em si não era importante. O importante é que não seria calada facilmente.
Eu me ergui tão depressa que minha cadeira tombou. Corri até a janela mais próxima para baixar a persiana de metal. Outras meninas que também tinham percebido a gravidade da ameaça fizeram o mesmo.
Um instante foi suficiente para descer aquela coisa, mas encaixá-la no lugar certo era um pouco mais difícil. Eu tinha acabado de prender a trava do jeito correto quando algo atingiu o palácio, fazendo com que eu me afastasse da janela aos gritos até tropeçar em minha cadeira e cair.
Joseph surgiu imediatamente.
— Você está ferida?
Fiz um diagnóstico rápido de minha condição. Eu devia ter sofrido um arranhão no quadril e estava assustada, mas nada pior que isso.
— Não, estou bem.
— Para o fundo da sala. Agora! — ele ordenou enquanto me ajudava a sair do chão. Depois, correu pelo salão despertando as garotas paralisadas de medo e as conduziu para o canto.
Obedeci e disparei para o fundo da sala, rumo à aglomeração de meninas encolhidas. Algumas choravam; outras, em choque, olhavam para o vazio. Tiny estava desmaiada. A figura mais tranquilizadora era o rei Clarkson, que falava atentamente com um guarda no canto oposto, longe o bastante para não ser ouvido por nós. Um de seus braços envolvia a rainha para protegê-la, e ela permanecia ereta e calma a seu lado.
A quantos ataques teria sobrevivido? Recebíamos notícias de que eles ocorriam várias vezes ao ano. Aquilo inevitavelmente acabaria com os nervos de alguém. Suas chances de sobrevivência ficavam cada vez menores... assim como as de seu marido... e de seu único filho. Os rebeldes com certeza chegariam em algum momento às circunstâncias perfeitas para obter o que queriam. E, mesmo assim, ela permanecia ali, de queixo erguido e rosto sereno.
Corri os olhos pelas outras garotas. Por acaso alguma delas tinha a força necessária para ser uma rainha? Tiny ainda estava inconsciente nos braços de alguém. Blanda e Bariel conversavam. Blanda parecia à vontade, mas eu sabia que não estava. Ainda assim, comparada às outras,
ela escondia muito bem suas emoções. Outras estavam quase histéricas, molhando os vestidos com lágrimas. Algumas ficaram catatônicas e se recusavam a aceitar a situação. Seus rostos não tinham expressão, e elas apertavam as próprias mãos à espera do fim.
Miley estava chorando, não a ponto de parecer acabada. Segurei seu braço e a levantei.
— Enxugue os olhos e fique direito — eu disse no ouvido dela.
— O quê? — ela gemeu.
— Confie em mim. Faça isso.
Miley secou o rosto no vestido e ergueu-se. Ela tocava vários pontos do rosto, talvez para conferir se a maquiagem não estava borrada. Então se voltou para mim em busca de aprovação.
— Muito bem. Desculpe ser mandona, mas confie em mim desta vez, por favor.
Eu não gostava de dar ordens em meio a algo tão preocupante, mas ela precisava se parecer com a rainha Denise. Com certeza Joseph procuraria isso em sua escolha, e Miley tinha que ganhar.
Ela concordou com a cabeça.
— Não, você está certa. Quer dizer, por enquanto estamos todos a salvo. Eu não deveria ficar tão preocupada.
Concordei, embora ela estivesse errada. Não estávamos todos a salvo.
Havia guardas ao pé das enormes portas, e coisas pesadas eram atiradas contra as paredes e as janelas. A sala de jantar não tinha relógio. Eu não fazia ideia de quanto tempo o ataque já durava, o que me deixou ainda mais ansiosa. Como saberíamos se eles tinham conseguido entrar? Talvez quando começassem a arrombar as portas? Será que já tinham entrado e não sabíamos?
Não pude suportar o peso da preocupação. Fixei o olhar em um vaso de flores ornamentais — cujo nome ignorava completamente — e roí uma das unhas feitas com perfeição pelas manicures do palácio. Fingi que aquelas flores eram a coisa mais importante do mundo.
Joseph acabou por aparecer para verificar se eu estava bem, como tinha feito com as outras. Ele se pôs ao meu lado e começou a observar as
flores também. Nenhum de nós sabia o que dizer.
— Tudo bem com você? — ele finalmente perguntou.
— Sim — sussurrei.
O príncipe se deteve por um momento.
— Você não parece bem.
— O que vai acontecer com as criadas? — perguntei, manifestando minha maior preocupação.
Eu sabia que estava a salvo, mas onde elas estavam? E se uma delas estivesse caminhando perto do muro quando os rebeldes entraram?
— As criadas? — ele perguntou com um tom de voz que dava a entender que eu era uma idiota.
— Sim, as criadas.
Olhei nos olhos dele, forçando-o a reconhecer que somente uma privilegiada minoria entre os que moravam no palácio tinha proteção de verdade. Eu estava a ponto de chorar, mas não queria que as lágrimas viessem. Acelerei a respiração para manter as emoções sob controle.
Joseph me olhou nos olhos e pareceu entender que por apenas um degrau eu mesma não era uma criada. Não era esse o motivo da minha preocupação, mas era muito estranho que um sorteio fosse a principal diferença entre mim e uma pessoa como Anne.
— Elas devem estar escondidas. Também têm onde esperar o fim dos ataques. Os guardas avisam rapidamente todo mundo. Elas vão ficar bem. Costumávamos ter um sistema de alarme, mas na última invasão os rebeldes o destruíram completamente. Estamos tentando consertar, mas... — ele suspirou.
Olhei para o chão, na tentativa de aplacar todas aquelas preocupações na minha cabeça.
— Demetria... — Joseph clamou.
Levantei o rosto.
— Elas estão bem. Os rebeldes agiram devagar, e todo mundo aqui sabe o que fazer em caso de emergência.
Concordei. Permanecemos ali, em silêncio, por alguns minutos, até eu perceber que ele estava pronto.
— Joseph — sussurrei.
Ele se voltou para mim, um pouco surpreso de ser tratado com tanta familiaridade.
— Sobre a noite passada. Eu quero explicar. Quando foram nos preparar para a viagem, um homem disse que eu jamais poderia rejeitar você. Não importava o que pedisse. Em nenhuma hipótese.
Ele ficou espantado.
— O quê?
— Pelo que ele me disse, parecia que você ia pedir algumas coisas. E você mesmo me contou que não conviveu com muitas mulheres. Depois de dezoito anos... E você dispensou as câmeras. Fiquei com medo de que chegasse perto demais.
Joseph balançou a cabeça na tentativa de processar toda aquela informação. Seu rosto, geralmente tranquilo, contorcia-se de ódio, humilhação e incredulidade.
— Disseram isso a todas? — ele perguntou, aparentemente abismado com a ideia.
— Não sei. Não conheço muitas meninas que precisam desse tipo de aviso. Elas provavelmente esperam uma oportunidade para atacar — comentei, apontando a cabeça para o resto da sala.
O príncipe soltou uma risada sarcástica.
— Mas você não é como elas, até porque não teve receio de me acertar uma joelhada bem ali, certo?
— Eu acertei sua coxa.
— Por favor. Um homem não precisa de tanto tempo para se recuperar de uma joelhada na coxa — ele argumentou com a voz cheia de ceticismo.
Deixei escapar uma risada. Felizmente, Joseph me acompanhou. Foi então que outro projétil atingiu a janela e interrompemos o riso ao mesmo tempo. Por alguns instantes, eu esquecera onde estava. Precisava de um pouco mais de tempo. Minha saúde mental exigia.
— E então, como é ter que lidar com uma sala cheia de mulheres em prantos? — perguntei.
Sua expressão assumiu uma perplexidade cômica.
— Nada no mundo pode ser mais confuso! — ele cochichou rapidamente. — Não tenho a menor ideia de como fazê-las parar.
Eis o homem que ia liderar nosso país: alguém que era vencido por lágrimas. Era engraçado demais.
— Você pode tentar pôr a mão no ombro delas e dizer que vai ficar tudo bem. Quando choram, as mulheres nem sempre querem que você resolva o problema. Elas só querem ser consoladas — sugeri.
— Sério?
— Sim.
— Não pode ser tão simples — ele disse com um misto de dúvida e interesse na voz.
— Eu disse “nem sempre”, e não “nunca”. Mas provavelmente funcionaria com várias garotas aqui.
Ele torceu o nariz.
— Não tenho tanta certeza. Duas delas já perguntaram se eu as deixaria ir embora quando isso chegasse ao fim.
— Pensei que não tínhamos permissão para fazer isso.
Na verdade, eu não deveria estar surpresa. Se ele tinha autorizado minha permanência como amiga, não podia dar muita importância a detalhes técnicos.
— O que você vai fazer? — completei.
— O que posso fazer? Não vou manter ninguém aqui contra a própria vontade.
— Talvez elas mudem de ideia — propus com alguma esperança.
— Talvez — ele concordou e fez uma pausa. — E você? Já está suficientemente assustada para sair? — o príncipe perguntou com ar quase brincalhão.
— Para ser sincera, pensei que me mandaria embora depois do café — admiti.
— Para ser sincero, também pensei.
Um sorriso tranquilo nasceu no meu rosto e no dele. Nossa amizade — se é que podíamos chamar assim — era estranha e cheia de furos, mas
pelo menos era honesta.
— Você não respondeu. Quer sair?
Outro abalo na parede. A ideia era tentadora. Em casa, o pior ataque que tive que enfrentar tinha sido Frankie tentando roubar minha comida. As garotas ali não se importavam comigo, as roupas me sufocavam, as pessoas queriam ferir meus sentimentos e toda aquela história me deixava desconfortável. Mas era bom para minha família, e eu achava ótimo comer bem. Joseph parecia, de fato, meio perdido, e eu tinha prometido ajudá-lo. Quem sabe eu mesma não escolheria a próxima princesa?
Olhei bem nos olhos dele.
— Enquanto você não me enxotar, vou ficando aqui...
Ele sorriu.
— Bom. Você precisa me passar mais dicas, como essa da mão no ombro.
Devolvi o sorriso. Sim, estava tudo dando errado, mas algo de bom sairia disso.
— Demetria, você poderia me fazer um favor?
Assenti.
— Para todos os efeitos, passamos muito tempo juntos na tarde de ontem. Se alguma garota perguntar, você poderia explicar que eu não... que eu jamais...
— Claro. E sinto muito mesmo pelo que aconteceu.
— Eu devia saber que se uma das garotas fosse desobedecer a uma ordem seria você.
Uma série de objetos pesados acertou a parede de uma vez, fazendo um punhado de meninas gritar.
— Quem são eles? O que querem? — perguntei.
— Quem? Os rebeldes?
Confirmei com a cabeça.
— Depende de quem responde. E de que grupo você fala — ele explicou.
— Quer dizer que há mais de um grupo?
A informação fez toda a situação piorar. Se esse era o ataque de um
grupo, o que poderiam fazer dois ou mais juntos? Pareceu-me extremamente injusto que não explicassem melhor o tema para nós. Até onde eu sabia, um rebelde era um rebelde, mas Joseph fez parecer que havia uns piores que outros.
— Quantos grupos existem? — perguntei.
— Basicamente dois: os nortistas e os sulistas. Os nortistas atacam com muito mais frequência. Estão mais perto de nós. Vivem no chuvoso território de Likely, perto de Bellingham. Ninguém quer morar lá, quase tudo são ruínas. Eles se estabeleceram ali como puderam, embora eu ache que vivem migrando. Essa é uma teoria minha que ninguém escuta. Mas é raro que consigam invadir a propriedade. Quando conseguem, os resultados são... quase modestos. Acho que este ataque de agora é obra dos nortistas — Joseph explicou em meio ao barulho.
— Por quê? O que os faz diferentes dos sulistas?
Joseph pareceu hesitar. Não tinha certeza se eu podia saber aquilo. Olhou para os lados para ver se alguém estava ouvindo. Eu também olhei, e vi várias pessoas nos observando. Blanda, em especial, parecia soltar fogo pelos olhos. Não consegui sustentar meu olhar por muito tempo. Ainda assim, mesmo com toda aquela gente observando, ninguém estava suficientemente perto para ouvir. Joseph tirou a mesma conclusão e se inclinou para cochichar ao meu ouvido:
— Os ataques dos sulistas são muito mais... letais.
Estremeci.
— Letais?
Ele confirmou:
— Eles vêm apenas uma ou duas vezes por ano, acho. Todos tentam evitar que eu saiba as estatísticas, mas não sou idiota: quando eles vêm, pessoas morrem. O problema é que os dois grupos parecem iguais para nós: esfarrapados, constituídos na maior parte de homens esguios mas fortes, sem insígnias que possamos distinguir. Por isso, não sabemos quem está por trás do ataque antes do fim.
Corri os olhos pela sala. Muita gente estaria em perigo se Joseph estivesse errado e os rebeldes da vez fossem sulistas. Lembrei-me
novamente das pobres criadas.
— Ainda não entendi. O que eles querem?
Joseph deu de ombros e respondeu:
— Os sulistas querem nos derrubar. Não sei o motivo, mas imagino que estejam insatisfeitos, cansados de viver às margens da sociedade. Quer dizer, eles nem são Oito, em tese, porque não têm nenhuma participação nas relações sociais. Os nortistas ainda são um mistério. Meu pai diz que querem apenas nos incomodar, perturbar o governo, mas não penso assim.
Ele pareceu bastante orgulhoso de si mesmo por uns momentos.
— Tenho outra teoria quanto a isso também — concluiu.
— Posso saber qual é? Joseph hesitou novamente. Dessa vez, talvez não por receio de me assustar, mas por receio de não ser levado a sério.
Ele aproximou os lábios do meu ouvido mais uma vez e sussurrou:
— Acho que eles estão à procura de alguma coisa.
— De quê? — indaguei.
— Isso eu não sei. Mas é a mesma coisa sempre que os nortistas são expulsos: os guardas são derrotados, feridos ou amarrados, mas nunca assassinados. É como se os rebeldes não quisessem ser seguidos. No entanto, sequestram algumas pessoas de vez em quando, o que é preocupante. E os quartos — bem, aqueles em que conseguem entrar — ficam uma bagunça. Todas as gavetas arrancadas, prateleiras reviradas, tapetes jogados longe. Muita quebradeira. Você não acreditaria se eu lhe dissesse o número de câmeras que tive de substituir ao longo dos anos.
— Câmeras?
— Sim... — ele disse, um pouco encabulado. — Gosto de fotografia. Mas, apesar de tudo isso, eles acabam não levando muita coisa consigo. Meu pai acha minha ideia inútil. O que um bando de bárbaros analfabetos procuraria? Ainda assim, deve haver alguma coisa.
Era uma teoria intrigante. Se eu não tivesse um centavo e soubesse como invadir o palácio, acho que pegaria todas as joias que encontrasse, qualquer coisa que pudesse vender. Aqueles rebeldes deviam ter em mente mais que mera afirmação política ou sua própria sobrevivência quando invadiam o palácio.
— Você acha tolice? — ele perguntou, tirando-me de minhas divagações.
— Não, não é tolice. É confuso, mas não tolice.
Sorrimos juntos. Dei-me conta de que se Joseph fosse apenas Joseph Schreave e não Joseph, o futuro rei de Illéa, seria o tipo de pessoa que gostaria que morasse na casa ao lado, um vizinho com quem conversar.
Ele limpou a garganta.
— Suponho que eu deveria ver como estão as outras garotas.
— Sim, imagino que muitas delas estão se perguntando por que está demorando tanto.
— E então, parceira, alguma sugestão de quem deve ser a próxima?
Sorri e olhei para trás, para conferir se minha candidata a princesa ainda aguentava firme. E ela aguentava.
— Está vendo aquela loira ali, de rosa? É Miley. Um doce. Ela é muito gentil e adora filmes. Vá.
Joseph deu uma risadinha e caminhou na direção dela.
O tempo parecia demorar uma eternidade para passar, mas na verdade o ataque durou pouco mais de uma hora. Descobrimos depois que ninguém tinha entrado no palácio em si, apenas na propriedade. Os guardas só dispararam contra os rebeldes quando eles se dirigiram à porta principal. Isso explicava os tijolos — arrancados dos muros do castelo — e a comida estragada atirados contra as janelas.
No fim, dois homens chegaram perto demais da entrada principal, os guardas atiraram e todos fugiram. Se a classificação de Joseph estivesse certa, deveriam ter sido nortistas.
Permanecemos escondidas por mais um tempo enquanto as imediações do palácio eram revistadas. Quando tudo voltou ao normal, enviaram-nos de volta para o quarto. Andei de braços dados com Miley. Apesar de ter aguentado firme na sala de jantar, a tensão gerada pelo ataque me deixara exausta. Era bom ter alguém com quem espairecer.
— Ele deixou você usar calça mesmo depois de perder? — ela perguntou.
Eu tinha começado a falar sobre Joseph logo que pude, porque estava
ansiosa para saber detalhes da conversa entre os dois.
— Sim, ele foi muito generoso.
— Acho que o príncipe é charmoso e sabe ganhar.
— Sabe mesmo. E consegue ser até mais gracioso quando descobre a dura realidade do que ganhou.
“Como uma joelhada nas joias reais”, acrescentei mentalmente.
— O que você quer dizer?
— Nada.
Eu não queria ter que explicar o que tinha acontecido.
— Sobre o que vocês conversaram hoje? — continuei.
— Bem, ele perguntou se eu queria vê-lo esta semana.
— Miley! Isso é ótimo!
— Quieta! — exclamou, conferindo se as outras garotas já tinham subido as escadas. — Estou tentando não alimentar esperanças.
Ficamos em silêncio por um momento até que ela explodiu.
— Quem estou querendo enganar? Estou tão empolgada que mal posso parar em pé! Espero que ele não demore muito para me chamar.
— Se já chamou, tenho certeza de que logo virá atrás de você. Quer dizer, assim que terminar de administrar o país.
Ela riu.
— Não acredito! Quer dizer, eu sabia que ele era bonito, mas não tinha ideia de como se comportava. Tive medo de que fosse... pomposo ou coisa parecida.
— Eu também. Mas na verdade ele é...
O que Joseph era de fato? Ele era meio pomposo mesmo, mas não de um jeito irritante como eu tinha imaginado. Sem dúvida se comportava como um príncipe, mas mesmo assim, era tão... tão...
— Normal — completei para Miley.
Ela já não prestava atenção em mim. Estava perdida em seus sonhos enquanto caminhávamos. Eu desejava que esse Joseph ideal que ela tinha construído na cabeça correspondesse ao real. E também que ela fosse o tipo de mulher que ele procurava. Dei um tchauzinho quando chegamos à porta do quarto dela e segui para o meu.
Os pensamentos sobre Miley e Joseph deixaram minha cabeça assim que abri a porta. Anne e Mary estavam agachadas ao lado de Lucy, extremamente abalada. Seu rosto estava vermelho e lágrimas rolavam por suas bochechas. Suas pequenas tremidas tinham se convertido em tremores violentos que sacudiam todo o seu corpo.
— Acalme-se, Lucy. Está tudo bem — dizia Anne em voz baixa enquanto acariciava os cabelos desgrenhados da amiga.
— Já passou. Ninguém se feriu. Você está segura, querida — murmurava Mary, segurando sua mão tensa.
Fiquei chocada demais para falar. Aquela era a luta particular de Lucy; não era para meus olhos. Comecei a sair do quarto, mas a criada me segurou antes de eu cruzar a porta.
— P-p-perdão, senhorita, p-perdão — gaguejou.
As outras duas observavam com rostos apreensivos.
— Não se preocupe. Você está bem? — perguntei antes de fechar a porta para que ninguém mais pudesse ver.
Lucy tentou recomeçar, mas não conseguia juntar as palavras. As lágrimas e os tremores tomavam conta de seu pequeno corpo.
— Ela ficará bem, senhorita — interveio Anne. — Leva algumas horas, mas ela acaba se acalmando depois que tudo volta ao normal. Se continuar neste estado, podemos levá-la para a ala hospitalar.
Depois, baixou o tom de voz e acrescentou:
— Só que Lucy não quer isso. Se eles julgam que não serve como criada, acabam escondendo você na lavanderia ou na cozinha. E Lucy gosta daqui.
Será que Anne achava que estava sendo discreta? Estávamos todas ao redor de Lucy, que ouviu perfeitamente essas palavras.
— P-p-por favor, senhorita... Nã-não...
— Ninguém vai denunciá-la — garanti a ela. Depois, dirigi-me a Anne e Mary: — Me ajudem a deitar Lucy na cama.
Pensávamos que seria fácil carregá-la em três, mas Lucy se contorcia e escorregava de nossas mãos. Deu um pouco de trabalho, mas conseguimos. Com Lucy embaixo dos cobertores, o conforto tratou de
fazer mais por ela do que nossas palavras conseguiriam. A tremedeira se tornou mais lenta, e ela mantinha os olhos fixos no dossel da cama.
Mary se sentou à beira da cama e começou a cantar baixinho, o que me fez lembrar muito do jeito que ninava May quando ela ficava doente. Puxei Anne de lado, longe dos ouvidos de Lucy, e perguntei:
— O que aconteceu? Alguém entrou?
Se tinha sido esse o caso, gostaria ao menos de ser informada.
— Não, não — assegurou Anne. — Lucy sempre fica assim quando os rebeldes vêm. Só falar neles já faz com que chore incontrolavelmente. Ela...
Anne baixou a cabeça e olhou para seus sapatos pretos engraxados, tentando decidir se devia contar mais. Eu não queria me intrometer na vida de Lucy, mas queria entender. Ela respirou fundo e começou:
— Algumas de nós nasceram aqui. Mary nasceu no castelo e seus pais ainda moram aqui. Eu sou órfã, fui acolhida porque o palácio precisava de mão de obra.
Ela endireitou o vestido, na tentativa de se desprender dessa parte de sua história que parecia incomodá-la.
— Lucy — prosseguiu — foi vendida para o palácio.
— Vendida? Como assim? Não há escravos aqui.
— Oficialmente, não. Mas isso não quer dizer nada. A família de Lucy precisava de dinheiro para a cirurgia da mãe. Então ela e o pai ofereceram seus serviços a uma família de Três. A mãe nunca melhorou, e eles não conseguiram pagar a dívida. Lucy e o pai serviram aquela família por anos. Pelo que sei, a vida deles não era muito melhor que a de animais em um estábulo. Mas o filho dessa família se afeiçoou a Lucy, e eu sei que algumas vezes o amor não olha castas, mas a distância entre os Seis e os Três é bem grande. Quando a mãe do rapaz descobriu suas intenções, vendeu Lucy e o pai para o palácio. Eu me lembro de sua chegada. Ela chorou por vários dias. Os dois deviam estar muito apaixonados.
Olhei para Lucy. Pelo menos no meu caso, um de nós tinha tomado uma decisão. Já ela não teve escolha quando perdeu o homem que amava.
— O pai de Lucy trabalha no estábulo. Não é forte nem rápido, mas
tem uma dedicação incrível. E Lucy é uma criada. Sei que pode parecer tolice, mas é uma honra ser criada do palácio. Somos a linha de frente, consideradas suficientemente aptas, inteligentes e bonitas para serem vistas por qualquer visitante. Levamos nosso emprego muito a sério por um motivo: se fizermos alguma besteira, acabamos na cozinha, onde as mãos ficam ocupadas o dia todo e as roupas são uns farrapos. Podemos ainda acabar cortando lenha ou recolhendo folhas de árvores no chão. Não é pouco ser criada.
Eu me senti bem burra. Para mim, todas eram apenas Seis. Mas existiam ainda subdivisões, hierarquias que eu ignorava.
— Há dois anos, o palácio foi atacado no meio da noite. Rebeldes tomaram os uniformes dos guardas e todos ficaram confusos. Tamanha foi a bagunça que ninguém sabia quem atacar ou defender, e as pessoas caíam em buracos cavados na linha de frente. Foi terrível.
Tremi só de pensar. A falta de luz, a confusão, a imensidão do palácio. Comparado ao ataque da manhã, parecia ser obra dos sulistas.
— Um dos rebeldes capturou Lucy.
Anne baixou os olhos por um minuto. E pronunciou em voz baixíssima as seguintes palavras:
— Não sei se eles têm muitas mulheres à disposição, se é que a senhorita me entende.
— Ah...
— Não vi pessoalmente, mas Lucy contou que era um homem imundo. Disse que ele lambia o rosto dela.
Anne retesou o corpo ao imaginar a cena. Meu estômago deu voltas, ameaçando devolver o café da manhã. Era uma das coisas mais revoltantes em que eu conseguia pensar, e compreendi então por que Lucy, depois de sofrer tanto, desmontava com ataques como o daquele dia.
— O rebelde arrastou Lucy para algum lugar. Ela gritava o mais alto que podia, mas era difícil ouvir em meio àquela agitação. Um guarda que estava no corredor escutou os gritos. Mirou e acertou uma bala bem na cabeça do homem. O rebelde caiu por cima de Lucy, e ela ficou presa embaixo dele. O corpo dela ficou coberto de sangue.
Levei a mão à boca. Não podia imaginar a pequena e delicada Lucy passando por tudo aquilo. Não era de estranhar que tivesse reagido daquela forma.
— Os machucados foram tratados, mas ninguém cuidou de sua mente. Hoje ela é uma pilha de nervos, mas faz o possível para esconder. Não apenas para seu bem, mas também pelo bem de seu pai. Ele tem orgulho de saber que a filha é boa o suficiente para ser criada. Tentamos manter Lucy calma, mas sempre que os rebeldes chegam ela pensa que vai ser pior, que dessa vez vão pegá-la, feri-la, matá-la. Ela está tentando, senhorita, mas não sei por quanto tempo vai aguentar.
Concordei com a cabeça e voltei os olhos para Lucy na cama. Ela tinha fechado os olhos e adormecido, apesar de ainda ser bem cedo.
Passei o resto do dia lendo. Anne e Mary limparam coisas que não estavam sujas. Ficamos quietas enquanto Lucy se recuperava.
Prometi a mim mesma que, no que dependesse de mim, Lucy nunca mais passaria por aquilo.

19/12/2013

Capitulo 11

Os cinegrafistas deram uma volta pela sala e depois nos deixaram aproveitar o café da manhã em paz, não sem filmar o príncipe antes de saírem.
Eu estava um pouco perturbada com aquela eliminação súbita, mas Joseph não parecia inquieto. Ele comia tranquilamente, e ao vê-lo lembrei que seria bom acabar meu prato antes que esfriasse. Como antes, estava bom demais. O suco de laranja era tão puro que eu fazia questão de tomar goles pequenos, só para aproveitar melhor. Os ovos e o bacon pareciam vindos do céu, e as panquecas estavam perfeitas, não finas como as que eu fazia em casa.
Escutei montes de pequenos suspiros pela sala e soube que não era a única que tinha gostado da comida. Sem me esquecer de usar o pegador, tirei um pedaço de torta de morango do cesto que estava no centro da mesa. Ao fazer isso, corri os olhos pela sala para ver se as outras Cinco estavam gostando da refeição. Foi quando notei que era a única delas que havia restado.
Eu não sabia se Joseph tinha consciência disso — ele parecia mal saber nossos nomes —, mas era estranho o fato de as outras duas terem saído. Se eu não tivesse conhecido o príncipe antes de entrar naquele salão, teria sido chutada também? Ruminei essa ideia com o pedaço de torta de morango na minha boca. Era tão doce e a massa folheada estava tão macia que cada milímetro de minha boca se concentrou nela, consumindo todos os meus outros sentidos. Não queria ter soltado nenhum ruído, mas aquela torta era sem dúvida a coisa mais deliciosa que já provara. Dei outra mordida antes mesmo de engolir o que tinha na boca.
— Senhorita Demetria? — uma voz me chamou.
As outras cabeças da sala viraram na direção dela, que pertencia ao príncipe Joseph. Fiquei chocada por ele se dirigir a mim, ou a qualquer uma de nós, de maneira tão informal na frente de todos.
O pior de ter sido chamada assim de supetão era que minha boca estava cheia de comida. Cobri-a com a mão e mastiguei o mais rápido que pude. Não levou nem dez segundos, mas com tantos olhos postos em mim, pareceu uma eternidade. Notei o rosto orgulhoso de Celeste enquanto tentava limpar a boca. Ela deve ter achado que eu era uma presa fácil.
— Sim, Majestade? — respondi assim que engoli a maior parte da comida.
— O que está achando da comida?
Joseph estava prestes a rir, ou por causa da minha cara de assustada ou por causa do detalhe que havia levantado sobre nossa primeira e altamente ilegal conversa.
Tentei me manter calma.
— Excelente, Majestade. Esta torta de morango... bem, tenho uma irmã que gosta mais de doces do que eu. Acho que ela choraria se a experimentasse. Está perfeita.
Joseph engoliu um bocado de sua própria comida e recostou na cadeira.
— Acha mesmo que ela choraria?
O príncipe parecia maravilhado com a ideia. Ele tinha uma relação estranha com as mulheres e seu choro.
Pensei na resposta e confirmei.
— Sim, é isso que eu acho. Ela não consegue controlar muito bem suas emoções.
— Você apostaria dinheiro nisso? — ele perguntou rapidamente.
As cabeças de todas as meninas viravam de um lado para outro, como
se elas estivessem assistindo a uma partida de tênis.
— Se tivesse dinheiro para apostar, com certeza o faria — respondi. Agradou-me a ideia de apostar sobre as lágrimas de alegria alheias.
— E o que gostaria de apostar em vez disso? A senhorita parece ter um talento para os acordos.
Ele estava gostando do jogo. Muito bem. Então eu ia jogar.
— Bem, o que Vossa Alteza quer? — rebati. Depois, fiquei pensando no que poderia dar a alguém que já tinha absolutamente tudo.
— O que a senhorita quer? — ele replicou.
Ali estava uma pergunta fascinante. Quase tanto quanto pensar no que eu poderia oferecer a Joseph era pensar no que ele poderia me oferecer. O príncipe tinha o mundo a seus pés. Então, o que ia escolher?
Não era da Um, mas estava vivendo como se fosse. Tinha mais comida do que podia dar conta e a cama mais confortável possível. As pessoas me serviam o tempo todo, mesmo que eu não quisesse. Se eu precisasse de algo, bastava pedir.
A única coisa que realmente queria era algo que fizesse aquele lugar parecer menos um palácio. Queria minha família correndo pelos corredores, ou não estar tão arrumada. Não podia pedir uma visita, porque só tinha passado um dia ali.
— Se ela chorar, quero usar calça por uma semana — propus.
Todo mundo riu, de maneira discreta e educada. Até o rei e a rainha pareciam ter achado meu pedido divertido. Gostei de como a rainha me olhou, como se eu tivesse me tornado menos estranha a seus olhos.
— Feito — afirmou Joseph. — E, se ela não chorar, a senhorita me deve um passeio pela propriedade amanhã à tarde.
Um passeio pela propriedade? Era isso? Não parecia nada especial. Lembrei-me do que Joseph havia dito na noite anterior: ele era vigiado. Talvez apenas não soubesse pedir um encontro a sós com alguém. Talvez esse fosse seu jeito de navegar em águas muito estranhas para ele.
Alguém perto de mim soltou um resmungo. Ah! Percebi que, se perdesse, seria a primeira garota ali a ter um encontro oficial a sós com o príncipe. Parte de mim quis renegociar, mas se era para ajudar — como
prometido — eu não podia rejeitar suas tentativas de ficar comigo.
— Alteza, seus termos são severos, mas eu os aceito — afirmei.
— Justin?
O mordomo com quem ele tinha conversado antes deu um passo à frente.
— Embrulhe as tortas de morango e envie-as para a família da senhorita Demetria. Peça que alguém espere enquanto a irmã experimenta e nos informe se ela, de fato, chora. Estou curiosíssimo quanto a isso.
Justin apenas sacudiu a cabeça e saiu.
— A senhorita deveria escrever um bilhete dizendo que está bem para acompanhar o embrulho. Na verdade, todas vocês deveriam escrever a suas famílias. Façam isso depois do café. Garantiremos que as cartas sejam entregues ainda hoje.
Todas as garotas sorriram e respiraram aliviadas, felizes de finalmente serem incluídas nos acontecimentos. Terminamos o café e fomos escrever as cartas. Anne me arranjou material de escritório, e escrevi um bilhete à minha família. Embora o começo no castelo tivesse sido bem estranho, a última coisa que eu queria era preocupá-los. Tentei parecer contente.
Queridos papai, mamãe, Maddie e Frankie,
Já sinto tanta falta de vocês! O príncipe pediu que escrevêssemos para casa contando a nossa família que estamos seguras e bem. Eu realmente estou. A viagem de avião foi um pouco assustadora, mas de certo modo divertida também. O mundo parece tão pequeno lá de cima!
Ganhei montes de roupas e coisas maravilhosas, e tenho três criadas adoráveis que me ajudam a me vestir, limpam meu quarto e me dizem para onde devo ir. Assim, mesmo que eu fique completamente perdida, elas sempre sabem onde devo estar e me ajudam a chegar na hora.
A maioria das garotas é tímida, mas acho que fiz uma amiga. Lembram-se de Miley, de Kent? Eu a conheci a caminho de Angeles. Ela é incrível e adorável. Se eu acabar voltando para casa mais cedo, espero que ela fique até o fim.
Conheci o príncipe; o rei e a rainha também. Eles são ainda mais nobres em pessoa. Ainda não conversei com o casal real, só com o príncipe Joseph. Ele é uma pessoa surpreendentemente generosa... eu acho.
Preciso parar por aqui, mas amo todos vocês e sinto saudades. Escrevo de novo assim que puder.
Com amor,
Demetria
Não achei que havia nada de surpreendente no texto, mas podia estar errada. Fiquei imaginando Maddie lendo e relendo a carta várias vezes, à procura de detalhes escondidos da minha vida nas entrelinhas. Será que ela leria antes de comer as tortas?
P.S.: Maddie, essas tortas de morango não fazem você chorar de tão boas? Pronto. Era o melhor que eu podia fazer.
Mas parece que não tinha sido bom o bastante. Um mordomo bateu à minha porta naquela tarde com uma carta da minha família e uma informação.
— Ela não chorou, senhorita. Disse que estava tão boa que poderia ter feito isso, como a senhora sugeriu, mas não o fez de fato. Sua Majestade virá buscá-la em seu quarto por volta das cinco da tarde de amanhã. Por favor, esteja preparada.
Não fiquei tão irritada por perder, mas teria gostado de poder usar calça. Mas pelo menos tinha as cartas da minha família. Eu me dei conta de que era a primeira vez que me separava deles por mais que algumas horas. Não tínhamos dinheiro para viajar, e como não tive amigos, nunca passara uma noite fora. Se ao menos houvesse um meio de receber cartas todos os dias... Talvez fosse até possível, mas sairia caro.
Li primeiro a carta do meu pai. Ele insistia em dizer que eu estava linda na TV e que ele tinha orgulho de mim. Dizia também que eu não deveria ter enviado as três caixas de torta porque Maddie ia acabar mimada.
Três caixas! Meu Deus!
Depois, ele contou que Nicholas passara em casa para ajudar com as tarefas de escritório e levara uma das caixas para sua família. Eu não sabia como me sentir com relação a isso. Por um lado, estava feliz por terem algo decente para comer. Por outro, imaginava Nicholas dividindo a torta com sua nova namorada. Uma namorada que ele podia mimar. Eu me perguntava se ele tinha ficado com ciúme do presente de Joseph ou se estava feliz por se livrar dos meus cuidados.
Detive-me naquelas linhas muito mais do que gostaria.
Meu pai concluiu dizendo estar contente por eu ter feito uma amiga, lembrando que sempre tinha sido devagar nesse quesito. Dobrei a carta e passei o dedo pela assinatura do lado de fora do envelope. Nunca tinha notado como sua assinatura era esquisita.
A carta de Frankie era curta e grossa: ele sentia minha falta, dizia que me amava e pedia que eu mandasse mais comida. Dei boas gargalhadas.
Minha mãe foi mandona. Dava para notar seu tom de voz mesmo no texto escrito, naquele seu jeito orgulhoso de dar os parabéns por ter conquistado a atenção do príncipe — Justin contara que minha carta tinha sido a única a ser acompanhada de presentes — e de sugerir que eu continuasse fazendo o que quer que estivesse fazendo.
Claro, mãe. Vou continuar dizendo ao príncipe que ele não tem chance comigo e a ofendê-lo sempre que possível. Excelente plano.
Fiquei feliz por ter guardado a carta de Maddie para o fim.
Era muito animada. Ela admitiu que tinha ficado com inveja ao saber que eu comia coisas daquele tipo o tempo todo. Também reclamou que mamãe estava ainda mais mandona com ela. Eu sabia como era. De resto, havia um bombardeio de perguntas: Joseph era tão bonito pessoalmente como na TV? Que roupa eu estava usando naquele momento? Ele tinha um irmão secreto disposto a se casar com ela algum dia?
Ri e abracei as cartas. Tinha que me esforçar para respondê-las logo. Devia haver um telefone em algum lugar, tão distante que ninguém nem o mencionou. Mesmo que houvesse um aparelho em meu quarto, seria loucura ligar todos os dias. Mas eu ia conservar aquelas cartas. Seriam
provas de que eu tinha estado ali quando aquele lugar se tornasse uma vaga lembrança.
Fui para a cama reconfortada por saber que minha família ia bem, e essa ternura acalentou um sono gostoso, perturbado apenas pelo incômodo de saber que teria que ficar a sós com Joseph outra vez. Não sabia muito bem o motivo disso, mas esperava que não fosse nada de mais.
— Em nome das aparências, você poderia segurar meu braço? — o príncipe pediu ao me buscar no quarto no dia seguinte. Hesitei um pouco, mas cedi.
As criadas já tinham posto em mim um vestido para o fim de tarde: era azul, acinturado e de alcinha. Meus braços ficavam nus, e eu podia sentir o tecido engomado do terno de Joseph roçar minha pele. Algo nisso tudo me deixava desconfortável. Ele deve ter notado, porque tentava me distrair.
— Sinto muito que ela não tenha chorado.
— Não, não sente — meu ar brincalhão deixava claro que eu não estava muito chateada por ter perdido.
— Nunca tinha apostado antes. Foi bom ganhar.
Havia como que um pedido de desculpas no tom de sua voz.
— Sorte de principiante.
Ele sorriu.
— Talvez da próxima vez possamos apostar se ela ri.
Comecei imediatamente a levantar hipóteses em minha cabeça. O que no palácio faria Maddie rolar de rir?
Joseph adivinhou que eu estava pensando nela.
— Como é sua família?
— O que você quer dizer?
— Só isso mesmo. Sua família deve ser bem diferente da minha.
— Eu diria que sim — respondi entre risos. — Para começo de conversa, ninguém em casa usa coroa no café da manhã.
Joseph sorriu de novo.
— Vocês usam coroa apenas no jantar?
— Mas é claro.
Ele soltou uma risada baixa. Comecei a pensar que o príncipe talvez estivesse bem longe de ser o esnobe que eu supunha.
— Bem, sou a filha do meio de cinco irmãos.
— Cinco!
— Sim, cinco. A maioria das famílias por aí tem montes de filhos. Eu teria vários se pudesse.
— Mesmo?
Joseph ergueu as sobrancelhas.
— Sim — afirmei em voz baixa.
Não sabia dizer bem o motivo, mas aquele era um detalhe muito íntimo da minha vida. Só havia outra pessoa que o conhecia. Senti um espasmo de tristeza, mas o afastei.
— Não importa. Minha irmã mais velha, Dallas, é casada com um Quatro. Ela trabalha numa fábrica agora. Minha mãe quer que eu me case ao menos com um Quatro, mas não quero ser forçada a parar de cantar. Amo a música, mas se agora sou uma Três. É estranho... Acho que vou tentar permanecer na música, se puder.
E continuei falando.
— Depois vem Logan. Ele é artista. Não o temos visto muito. Ele foi se despedir de mim, mas é só. Depois eu.
Joseph deu um sorriso fácil.
— Demetria Singer — ele anunciou —, minha melhor amiga.
— Isso mesmo — respondi enfadada.
Não havia chance de eu ser a melhor amiga do príncipe. Pelo menos não ainda. Mas eu tinha que admitir: ele era a única pessoa em quem eu realmente confiava que não fazia parte da minha família nem era meu namorado. Bem, eu também confiava em Miley. Será que ele pensava o mesmo de mim?
Caminhávamos lentamente em direção à escada. Ele parecia não ter pressa alguma.
— Depois de mim vem Maddie. É a que me traiu e não chorou. Para ser sincera, fui roubada. Não acredito que ela não tenha chorado! Maddie é uma artista... e eu a amo muito. Joseph examinava meu rosto. Falar de Maddie me deixava mais leve. Eu já gostava mais dele, mas não sabia se queria deixá-lo entrar na minha vida.
— Por fim, vem Frankie, meu irmão caçula de sete anos. Ele ainda não sabe direito se vai para a música ou para outras artes. Na verdade, ele gosta de jogar bola e estudar insetos, o que é bom. Só que não vai conseguir ganhar dinheiro com isso. Bem, já falei de todos.
— E os seus pais?
— E os seus pais? — rebati.
— Você conhece meus pais.
— Não. Conheço a imagem pública deles. Como eles são de verdade?
Forcei seus braços para baixo. Uma façanha, já que eram enormes. Mesmo sob as camadas de roupa, dava para sentir seus músculos fortes e retesados. Joseph suspirou, mas percebi que não o tinha irritado nem um pouco. Ele parecia gostar de ter alguém para infernizá-lo. Devia ser triste crescer sem irmãos naquele lugar.
O príncipe começou a pensar em sua resposta assim que pusemos os pés no jardim. Os guardas abriam sorrisinhos maliciosos à nossa passagem. Um pouco mais adiante estava a equipe de filmagem. Claro que eles queriam estar presentes no primeiro encontro do príncipe. Com um movimento de cabeça, Joseph fez todos se retirarem imediatamente para dentro. Escutei alguém xingar. Não que eu estivesse ansiosa para ser filmada, mas estranhei a dispensa.
— Você está bem? Parece tensa — comentou Joseph.
— Você fica confuso com choro de mulher, e eu com caminhadas ao lado de príncipes — disse, dando de ombros.
Joseph riu baixo, mas permaneceu calado. Caminhávamos na direção oeste. O sol se escondia atrás da enorme floresta da propriedade, embora ainda fosse cedo. A sombra nos cobriu como uma tenda de escuridão. Era ali que gostaria de ter ido na noite em que o encontrei pela primeira vez. Parecíamos estar realmente a sós agora. Continuamos a caminhar, para longe do palácio e dos ouvidos dos guardas.
— Por que deixo você confusa?
Hesitei, mas contei o que sentia:
— Seu caráter. Suas intenções. Não sei direito o que esperar dessa nossa voltinha.
— Ah.
Ele parou de andar e me encarou. Estávamos bem próximos. Apesar da brisa quente de verão, um calafrio percorreu minha espinha.
— Acho que você já percebeu que não sou um homem que se esconde. Vou dizer exatamente o que quero de você.
Joseph deu um passo em minha direção.
Minha respiração parou. Eu acabara de me meter na situação que mais temia. Nada de guardas, nada de câmeras, ninguém para evitar que ele fizesse sua vontade.
Meu joelho reagiu automaticamente. Sim. Dei uma joelhada na coxa de Sua Majestade. Com força.
Ele berrou e levou as mãos à perna, cambaleando enquanto me afastava.
— Por que fez isso?
— Se encostar um dedo em mim, vou fazer pior! — ameacei.
— O quê?
— Se você encostar um dedo em mim...
— Não, sua louca. Eu ouvi da primeira vez — ele interrompeu, com uma careta de dor. — Mas o que quer dizer com isso?
Meu corpo foi tomado pelo calor. Eu havia pensado no pior e lutava contra algo que não tinha a menor chance de acontecer.
Os guardas acorreram, alertados por nossa briguinha. Joseph, meio envergado e capenga, deu um sinal para que voltassem.
Permanecemos em silêncio por alguns momentos. Ele já tinha superado o pior da dor e passara a me observar.
— O que achou que eu queria? — o príncipe perguntou.
Abaixei a cabeça e corei.
— Demetria, o que você achou que eu queria?
Sua voz soava irritada. Mais que isso: ofendida. Obviamente, ele adivinhara meus pensamentos e não gostara nada deles.
— Em público? Você pensou... por Deus! Eu sou um cavalheiro!
Ele ameaçou sair, mas voltou.
— Por que se ofereceu para ajudar se me considera tão baixo?
Eu não conseguia encará-lo. Não sabia como explicar que fora induzida a me preparar para um monstro; que a escuridão e a privacidade tinham me deixado insegura; que só havia ficado a sós com um único garoto.
— Você jantará em seu quarto hoje. Cuido disso amanhã de manhã.
Esperei no jardim até ter certeza de que todas as outras já estavam na sala de jantar. Em seguida, circulei pelo corredor antes de entrar no quarto. Annie, Mary e Lucy estavam uma ao lado da outra quando entrei. Não tive coragem de contar que não passara todo aquele tempo com o príncipe.
Meu jantar já havia sido servido na mesa perto da sacada. Eu estava com tanta fome que consegui parar de pensar em como tinha sido ridícula. Mas não era por causa de minha longa ausência que elas estavam inquietas. Havia uma caixa enorme na minha cama, implorando para ser aberta.
— Podemos ver? — pediu Lucy.
— Lucy! Que falta de educação! — reprovou Anne.
— Deixaram aqui assim que a senhorita saiu. Desde então, estamos curiosas! — exclamou Mary.
— Mary! Tenha modos! — ralhou Anne.
— Não se preocupem, meninas. Não tenho segredos.
Quando me enxotassem na manhã seguinte, eu explicaria tudo a elas.
Dei um sorriso amarelo e comecei a desfazer o laço grande e vermelho da caixa. Dentro havia três calças. Uma de linho, outra mais formal, de tecido macio, e um jeans maravilhoso. Sobre elas, havia um cartão com o brasão de Illéa.

Você pede coisas tão simples que sou incapaz de negá-las. Mas, por mim, use apenas aos sábados.
Obrigado por sua companhia.
De seu amigo,
Joseph

13/12/2013

Capitulo 10

Na manhã seguinte, não despertei com o som da entrada das criadas — elas já estavam lá — ou com o barulho da água sendo preparada para o meu banho — que já estava pronto. Despertei, na verdade, com a luz que atravessava aos poucos minha janela à medida que Anne puxava delicadamente as cortinas ricas e pesadas. Ela murmurava uma canção, absolutamente feliz com sua tarefa.
Já eu não estava pronta para me mover. Meu corpo custou a esfriar depois de tanta agitação e ainda mais a relaxar depois que compreendi o que aquela conversa no jardim acarretaria. Se eu tinha uma chance, precisava pedir desculpas. Seria um milagre se o príncipe permitisse isso.
— Senhorita? Está acordada?
— Nãããããão — grunhi do travesseiro.
Tinha dormido bem menos que o necessário e minha cama era confortável demais. Mas Anne, Mary e Lucy riram do meu grunhido, o que bastou para me fazer sorrir e decidir me mexer.
Aquelas três garotas provavelmente seriam as mais fáceis de lidar durante minha temporada no palácio. Eu me perguntava se elas se tornariam minhas confidentes, ou se o treinamento e a etiqueta as impediria de compartilhar até uma xícara de chá comigo. Embora tivesse nascido na casta Cinco, eu me passava por uma Três agora. E o fato de serem criadas significava que elas eram Seis. Mas eu não tinha problemas
com isso. Gostava da companhia dos Seis.
Dirigi-me lentamente para aquele banheiro gigantesco, e cada passo ecoava na vastidão de azulejos e vidros. Pelo espelho dava para ver que Lucy observava as manchas de terra na minha camisola. E os olhos cuidadosos de Anne também as detectaram. Por último, foi a vez de Mary notar. Ainda bem que nenhuma delas fez perguntas. Pensei que elas tentavam se intrometer na minha vida com suas indagações do dia anterior, mas eu estava errada. Era óbvio que estavam extremamente preocupadas com meu conforto. Perguntas sobre o que eu fazia fora do quarto — quanto mais do palácio — seriam bem esquisitas.
Elas apenas tiraram minha camisola com cuidado e me acompanharam até a banheira.
Eu não estava acostumada a ficar nua com outras pessoas por perto — nem mesmo minha mãe ou Maddie —, mas aparentemente não havia como fugir disso ali. As três iam me vestir enquanto eu permanecesse no palácio, de modo que teria que aguentar até partir. Ficava imaginando o que aconteceria a elas quando eu saísse. Seriam destinadas a outras garotas que precisassem de mais atenção conforme a competição afunilava? Será que elas tinham outras funções no palácio e haviam sido temporariamente dispensadas delas? Não seria educado perguntar o que faziam antes ou sugerir que em breve eu sairia, então fiquei calada.
Depois do banho, Anne secou meu cabelo, prendendo metade dele no alto da cabeça com as fitas que eu trouxera de casa. Sua cor azul acentuou as estampas floridas de um dos vestidos que haviam criado para mim. Então escolhi usá-lo. Mary fez minha maquiagem, leve como a do dia anterior, e Lucy passou loção nos meus braços e nas minhas pernas.
Havia uma série de joias à minha escolha, mas resolvi pedir minha própria caixinha. Eu tinha um pequeno colar com um passarinho que era presente de meu pai. O pingente era prateado e combinava com meu broche. Acabei escolhendo um par de brincos do inventário real, mas provavelmente peguei os menores da coleção.
Anne, Mary e Lucy sorriram diante do resultado. Tomei isso como um sinal de que estava decente o bastante para descer para o café. Com
reverências e sorrisos, as três me desejaram sorte antes de eu sair. As mãos de Lucy ainda tremiam.
Fui para o vestíbulo no alto da escadaria onde todas havíamos nos encontrado. Fui a primeira a chegar, então me sentei em um pequeno sofá para esperar as outras. Aos poucos, elas começaram a dar as caras. Logo percebi a tendência: todo mundo estava fenomenal. Elas tinham tirado o cabelo do rosto, fazendo tranças e cachos intrincados. A maquiagem fora feita com esmero, e os vestidos tinham sido passados com perfeição.
Eu provavelmente tinha escolhido meu vestido mais simples para o primeiro dia. As demais, por outro lado, procuravam chamar a atenção. Vi duas meninas chegarem ao vestíbulo e perceberem que estavam com vestidos muito parecidos. Ambas deram meia-volta e foram trocar de roupa. Todo mundo queria se destacar e ia conseguir, à sua maneira. Até eu.
Todas pareciam ser Um. Eu parecia uma Cinco com um vestido bonito. Pensei ter demorado muito tempo para me arrumar, mas as outras garotas demoraram muito, mas muito mais. Quando Silvia chegou para nos acompanhar à sala de jantar, ainda tivemos que esperar Blanda e Tiny, que, fazendo jus à fama, quiseram ajustar os vestidos de manhã.
Uma vez reunidas, começamos a caminhar na direção das escadas. Havia um espelho dourado na parede e demos uma última olhada no visual antes de descer. Vi meu reflexo ao lado de Miley e Tiny. Eu estava mesmo bem simples.
Pelo menos me sentia eu mesma, o que era um pequeno consolo.
Descemos as escadas na expectativa de ser levadas até a sala de jantar, onde faríamos as refeições, segundo tinham dito. Em vez disso, fomos guiadas direto para o Grande Salão, que estava preenchido com fileiras de mesas individuais, cada uma com pratos, copos e talheres. Mas não havia comida. Nem mesmo um cheirinho esperançoso. No canto da frente, encaixado na parede, notei um pequeno jogo de sofás. Um punhado de cinegrafistas espalhados pelo salão filmava nossa chamada.
Entramos em fila e sentamos onde queríamos, já que não havia lugares marcados. Miley estava na fileira em frente à minha, e Taylor se sentou ao meu lado. Por mim, tudo bem. Parecia que várias meninas tinham feito pelo menos uma aliada, e eu via uma em Miley. Taylor escolheu o assento ao meu lado dando a entender que queria minha companhia. Ainda assim, não abriu a boca. Talvez ainda estivesse chateada por causa do noticiário do dia anterior. Mas de novo permaneceu em silêncio quando nos encontramos. Talvez esse fosse apenas o jeito dela. Percebi que o pior que podia fazer era não responder quando eu falava, então resolvi pelo menos cumprimentá-la.
— Taylor, você está ótima.
— Ah, obrigada — ela agradeceu calmamente.
Ambas nos certificamos de que as equipes de filmagem estavam longe. Não que nossa conversa fosse particular, mas quem queria que eles estivessem em cima o tempo todo?
— Não é divertido usar todas essas joias? Onde estão as suas? — ela perguntou.
— Humm, eram pesadas demais para o meu gosto. Decidi vir mais leve.
— Elas são pesadas mesmo! Sinto como se tivesse um peso de dez quilos na cabeça. Ainda assim, não ia perder a chance. Quem sabe por quanto tempo vamos ficar aqui?
Era estranho. Taylor parecia tranquila e confiante desde o começo. Sua aparência e seu modo de ser demonstravam que fora talhada para ser uma princesa de primeira. Era esquisito que duvidasse de si própria.
— Mas você não acha que vai ganhar? — perguntei.
— Acho — ela suspirou —, mas é falta de educação dizer isso!
Taylor deu uma piscadela, e eu ri. Isso chamou a atenção de Silvia, que tinha acabado de entrar.
— Tsc, tsc. Uma dama nunca ergue a voz além de um leve suspiro.
Todo e qualquer murmúrio cessou. Fiquei imaginando se as câmeras tinham captado meu erro. Minhas bochechas esquentaram.
— Olá mais uma vez, senhoritas. Espero que tenham tido uma noite de muito descanso após o primeiro dia no palácio, porque é agora que nosso trabalho começa. Hoje, começarei a ensinar a vocês etiqueta e
comportamento. Será um processo que durará todo o tempo que as senhoritas ficarem aqui. Por favor, saibam que qualquer mau comportamento de sua parte será relatado imediatamente à família real. Sei que parece cruel, mas este não é um joguinho qualquer. Alguém desta sala será a próxima princesa de Illéa. Não é uma tarefa fácil. As senhoritas devem procurar se elevar, não importa sua condição prévia. Serão damas de alto a baixo. E, nesta manhã mesmo, receberão sua primeira aula. É muito importante ter modos à mesa, e antes de fazer uma refeição na presença da família real, as senhoritas devem conhecer a etiqueta. Quanto mais rápido terminarmos a aula, mais rápido as senhoritas tomarão seu café da manhã. Assim sendo, levantem o rosto, por favor.
Silvia começou a explicar que seríamos servidas pela direita, qual copo deveríamos usar para cada bebida e que nunca, jamais, deveríamos pegar um pedaço de bolo com as mãos. Deveríamos sempre usar o pegador. As mãos deveriam permanecer no colo quando não eram usadas, sobre o guardanapo. Não deveríamos falar a não ser que alguém falasse conosco. Claro, poderíamos conversar em tom baixo com as pessoas ao lado, mas sempre a uma altura adequada ao palácio. Ela me encarou com seriedade ao passar essa última instrução.
Silvia continuava a falar com seu tom de voz elegante, atiçando meu estômago. Eu estava acostumada a fazer três refeições em casa, ainda que a comida fosse pouca. Precisava de comida. Já estava ficando um pouco emburrada quando escutei alguém bater à porta. Dois guardas abriram caminho, e então o príncipe Joseph entrou.
— Bom dia, senhoritas — ele disse.
O alvoroço no salão foi evidente: umas endireitaram as costas, outras tiraram o cabelo do rosto e algumas ainda ajeitaram o vestido. Não olhei para Joseph, mas para Taylor, cujo peito se movia em ritmo acelerado. Ela o observava de tal maneira que fiquei envergonhada de ter notado.
— Majestade — disse Silvia, com uma breve reverência.
— Olá, Silvia. Se não se importa, gostaria de me apresentar a essas jovens.
— Absolutamente — ela respondeu, inclinando-se mais uma vez.
O príncipe Joseph correu os olhos pelo salão e deparou comigo. Nossos olhares se encontraram por um instante e ele sorriu. Eu não esperava isso. Imaginava que já teria mudado de opinião sobre o modo que me tratara na noite anterior e que me daria uma bronca na frente de todas por causa do meu comportamento. Mas talvez ele não tivesse ficado nem um pouco irritado. Talvez tivesse me achado divertida. Com certeza ele ficava extremamente entediado ali. Não importava: aquele breve sorriso me fez acreditar que a experiência pudesse não ser tão ruim no fim das contas. Apeguei-me à decisão que tinha tomado na noite anterior e em minhas esperanças de que o príncipe ouvisse minhas desculpas.
— Senhoritas, se não lhes incomodar, chamarei cada uma de vocês para me conhecer individualmente. Estou certo de que estão com fome, assim como eu, de modo que não tomarei muito do seu tempo. Por favor, perdoem-me se demorar para gravar seus nomes. É que há muitas de vocês.
Houve uma explosão de risadas. Rapidamente, ele se dirigiu à garota na ponta direita da primeira fileira e a acompanhou até os sofás. Os dois conversaram por alguns minutos e se levantaram. Ele se inclinou diante dela, que devolveu a reverência. Ela voltou para sua mesa e falou com a garota ao lado, então o processo se repetiu. As conversas duravam poucos minutos e as vozes saíam abafadas. Ele queria conhecer as meninas em menos de cinco minutos.
— O que será que ele quer saber? — Miley perguntou virando-se para mim.
— Talvez a lista de atores que você acha mais bonitos. Faça uma lista mental agora — sussurrei de volta, e tanto Miley como Taylor riram baixo.
Não éramos as únicas conversando. Por todo o salão podiam-se ouvir vozes crescendo como um ruído suave à medida que tentávamos nos distrair até que nossa vez chegasse. Isso sem falar nos cinegrafistas que zanzavam pelo salão para perguntar às garotas sobre o primeiro dia no palácio, se tinham gostado das criadas e coisas do gênero. Quando pararam perto de Taylor e de mim, deixei que ela respondesse.
Eu observava o tempo todo o sofá enquanto cada uma das Selecionadas era entrevistada. Algumas permaneciam calmas e senhoris, outras pareciam nervosas de tanta emoção. Miley corou como um pimentão quando foi sua vez de ir até o príncipe e voltou radiante. Taylor ajustou o vestido diversas vezes, num tique nervoso. Eu estava começando a suar quando ela voltou, o que significava que era minha vez. Respirei fundo e me preparei. Ia pedir um favor enorme.
Ele se levantou para ler meu broche conforme eu me aproximava:
— Demetria, certo? — ele perguntou, com um sorriso brincalhão nos lábios.
— Sim, sou eu. E sei que já ouvi seu nome antes, mas poderia refrescar minha memória? — eu disse, pensando se era má ideia começar com uma piada, mas Joseph riu e me pediu que sentasse.
Ele se inclinou para a frente e perguntou:
— Você dormiu bem, minha querida?
Não sei a expressão que fiz quando ele me tratou assim, mas os olhos dele brilharam de entusiasmo.
— Ainda não sou sua querida — rebati, dessa vez com um sorriso. — Mas dormi. Assim que me acalmei, dormi muito bem. Minhas criadas tiveram que me derrubar da cama. Estava confortável demais.
— Fico feliz em saber que você estava confortável, minha... Demetria — ele se corrigiu.
— Obrigada — respondi.
Minhas mãos nervosas torciam a saia do vestido enquanto minha boca se preparava para dizer as palavras certas:
— Mil desculpas por ter sido grossa. Enquanto eu tentava dormir, tomei consciência de que, embora a situação me pareça estranha, não posso culpá-lo. Não é sua culpa que eu tenha me metido em tudo isso, e essa história de Seleção não é ideia sua. Além disso, você me tratou com simpatia naquele momento de dor, enquanto eu fui, bem, péssima. Poderia ter me expulsado ontem mesmo, mas não o fez. Obrigada.
O olhar de Joseph parecia terno. Aposto que todas as garotas antes de mim se derreteram quando ele as olhou assim. Já eu tendia a ficar
incomodada, mas era óbvio que aquele olhar era comum a ele. O príncipe abaixou a cabeça por um instante. Quando me olhou de novo, pôs os cotovelos nos joelhos e apoiou o queixo nas mãos, como se quisesse me fazer entender a importância do que estava por vir.
— Demetria, você tem sido muito sincera comigo até agora. É uma qualidade que admiro profundamente. Vou pedir-lhe que responda uma pergunta, se não for um incômodo.
Concordei com a cabeça, um pouco receosa do que ele podia querer saber. O príncipe se inclinou ainda mais na minha direção.
— Você diz que está aqui por engano. Isso me faz supor que não quer ficar. Há alguma possibilidade de nutrir qualquer tipo de... sentimento amoroso por mim?
Não pude evitar um leve tremor. Eu não queria de forma nenhuma magoá-lo, mas também não podia enrolar.
— Vossa Majestade é muito gentil e atraente... e atencioso.
Ele sorriu ao ouvir essas palavras. Continuei, em voz baixa.
— Mas tenho motivos muito pertinentes para achar que não.
— Poderia explicá-los? — seu rosto não demonstrava, mas sua voz revelou a decepção causada por minha rejeição imediata. Imaginei que ele não estava acostumado a isso.
Eu não queria falar dos motivos, mas não consegui pensar em outro modo de fazê-lo entender. Abaixando ainda mais a voz, contei a verdade:
— Acho... acho que meu coração está em outro lugar.
Senti meus olhos marejarem.
— Por favor, não chore! — sua voz baixa estava cheia de preocupação. — Nunca sei o que fazer quando as mulheres choram!
Isso me fez rir, e a ameaça de lágrimas bateu em retirada. Era impossível não notar a sensação de alívio no rosto dele.
— Você quer que eu lhe deixe voltar para seu amado hoje? — ele perguntou.
Era evidente que minha preferência por outro o incomodava, mas em vez de escolher o ódio, ele demonstrou compaixão. Esse gesto me fez confiar nele.
— Esse é o problema... Não quero ir para casa.
— Mesmo?
O príncipe levou as mãos à cabeça, e eu não pude deixar de rir de seu ar perdido.
— Posso ser totalmente sincera com você? — perguntei.
Ele concordou.
— Preciso ficar aqui. Minha família precisa de mim aqui. Mesmo que me deixasse ficar apenas uma semana, já seria uma dádiva para eles.
— Você quer dizer que precisa do dinheiro?
— Sim.
Senti-me mal por admitir. Talvez tivesse dado a impressão de que o estava usando. Na verdade, acho que estava mesmo. Mas prossegui:
— Também há... certas pessoas na minha província — levantei os olhos para ele — que eu não aguentaria ver no momento.
Joseph assentiu com a cabeça como quem tinha entendido, mas não disse nada.
Hesitei. Pensei que o pior que podia acontecer seria mesmo ir embora. Então continuei:
— Se me permitir ficar, mesmo que por pouco tempo, podemos fazer um trato — propus.
Ele arregalou os olhos:
— Um trato?
Mordi os lábios:
— Se me deixar ficar... — eu estava prestes a dizer algo bem idiota, mas prossegui. — Tudo bem, veja só. Você é o príncipe. Fica ocupado o dia inteiro ajudando a administrar o país e tal, e agora tem que encontrar tempo para escolher uma entre trinta e cinco, ou melhor, trinta e quatro garotas. É pedir muito, não acha?
Ele concordou. Dava para notar que se cansava só de pensar nisso.
— Não acha que seria muito melhor se tivesse alguém aqui dentro? Alguém para ajudar? Tipo... uma amiga?
— Uma amiga? — ele perguntou.
— Sim. Se me deixar ficar, posso ajudar. Serei sua amiga.
Minhas palavras o fizeram sorrir. Retomei minha proposta:
— Não precisa se incomodar em correr atrás de mim. Já sabe que não sinto nada por você. Mas pode falar comigo a qualquer momento e tentarei ajudar. Ontem à noite você disse que estava em busca de uma confidente. Bem, posso ser essa pessoa enquanto não encontrar a definitiva. Se quiser...
Seu rosto demonstrava um afeto contido.
— Conheci quase todas as garotas deste salão e não penso em outra que seria uma amiga melhor que a senhorita. Será um prazer deixá-la ficar.
É impossível descrever o alívio que senti.
— Você acha — perguntou Joseph — que eu ainda posso chamá-la de “minha querida”?
— Sem chance — cochichei.
— Continuarei tentando. Não costumo desistir — garantiu, e acreditei em suas palavras. Ia ser muito chato se ele continuasse mesmo com aquela história.
— Você chamou todas de “minha querida”? — perguntei, voltando o rosto para o resto do salão.
— Sim, e todas parecem ter gostado.
— É exatamente por isso que eu não gostei.
Eu me levantei. Joseph ainda ria quando deixou seu sofá. Normalmente eu faria cara feia, mas era até divertido. Ele fez uma reverência. Eu a devolvi e voltei ao meu lugar.
Estava com tanta fome que o tempo que o príncipe gastou para entrevistar as moças das outras fileiras pareceu uma eternidade. Mas por fim a última garota estava de volta ao seu lugar, e eu já sonhava ansiosamente com meu primeiro café da manhã no palácio.
Joseph então caminhou até o centro do salão.
— Aquelas a quem pedi que permanecessem, por favor, fiquem em seus lugares. As outras podem acompanhar Silvia até a sala de jantar. Em breve vou juntar-me a vocês.
Ele tinha pedido que algumas ficassem? Será que aquilo era bom?
Levantei-me como a maioria das outras e comecei a caminhar. Ele
provavelmente só queria passar mais um momento com as que ficariam. Vi que Taylor era uma delas. Sem dúvida ela era especial, tinha nascido com a aparência de uma princesa. Não cheguei a conhecer as demais. Não que elas quisessem me conhecer. As câmeras ficaram para trás a fim de capturar aquele momento — o que quer que fosse — que estava para ocorrer. O resto de nós seguiu seu caminho.
Entramos na sala dos banquetes e lá estavam, com um ar mais majestoso que nunca, o rei Clarkson e a rainha Amberly. Também estavam ali mais câmeras, prontas para captar nosso primeiro encontro com o casal real. Hesitei, pensando se deveríamos voltar para a porta e esperar que nos chamassem para entrar. Mas quase todas as meninas — também um pouco hesitantes — avançaram. Fui rapidamente para meu assento, na expectativa de não ter atraído a atenção de ninguém.
Silvia entrou segundos depois e dominou a cena.
— Senhoritas — ela disse —, receio não termos chegado a conversar sobre isso. Sempre que entrarem em um cômodo onde o rei ou a rainha estiverem, ou se Vossas Majestades entrarem em um cômodo onde vocês estiverem, a atitude correta é uma reverência. Em seguida, quando lhes responderem, endireitem o corpo e tomem assento. Vamos fazer juntas agora? Todas fizemos uma reverência na direção da mesa.
— Bem-vindas, garotas — disse a rainha. — Por favor, sentem-se em seus lugares e fiquem à vontade no palácio. É um prazer recebê-las.
Sua voz tinha um tom agradável. Era calma como a própria rainha, mas nem um pouco mecânica.
Como Silvia tinha explicado, as serventes encheram nossos copos com suco de laranja. Nossos pratos vinham em grandes travessas cobertas por uma redoma, que os mordomos retiravam na nossa frente. Meu rosto foi golpeado por uma nuvem de vapor perfumado vinda das panquecas. Felizmente, as exclamações de admiração em voz baixa abafaram o ronco do meu estômago.
O rei Clarkson abençoou nossa refeição e todas começamos a comer. Minutos mais tarde, Joseph entrou para ocupar seu lugar. Antes que pudéssemos nos mover, ele avisou:
— Por favor, senhoritas, não se levantem. Desfrutem do café da manhã.
Ele se dirigiu à mesa principal, beijou a mãe no rosto, apertou o ombro do pai com a mão firme e se sentou à esquerda dele. Comentou algo com o mordomo mais próximo, que riu discretamente. Por fim, passou a cuidar de seu prato.
Taylor não tinha vindo ainda. Nem as outras garotas. Olhei para os lados, confusa, e contei quantas faltavam. Oito. Oito garotas estavam ausentes. Selena, que se sentava à minha frente, respondeu à pergunta que eu fizera com os olhos.
— Elas foram embora — afirmou.
Embora?
Eu não conseguia imaginar o que poderiam ter feito em menos de cinco minutos para desagradar Joseph, mas imediatamente fiquei grata por ter sido honesta.
Era simples assim, já éramos apenas vinte e sete.

11/12/2013

Capitulo 9 ou O Capitulo que Demetria conhece o Príncipe Joseph

Mantive a cabeça baixa durante o jantar. No Salão das Mulheres, fui corajosa porque Miley estava ao meu lado, e ela me achava legal. Mas ali, espremida entre duas pessoas que emitiam ondas de ódio na minha direção, não passava de uma covarde. E Taylor, com todo o seu jeito de dama, fazia bico e não falava comigo. Eu só queria fugir para o quarto.
Não entendia por que aquilo era tão importante. As pessoas gostavam de mim, e daí? Elas não tinham poder no palácio. Seus cartazes e incentivos não importavam.
Depois de tudo o que foi dito e feito, eu não sabia se me sentia honrada ou incomodada.
Concentrei minhas forças no jantar. A última vez em que vira um bife tinha sido no Natal, alguns anos antes. Minha mãe tinha feito o melhor que podia, mas não tinha chegado nem perto daquele bife. Era suculento, tenro e saboroso. Queria perguntar a alguém se também era o melhor bife que tinha comido na vida. Se Miley estivesse por perto, perguntaria a ela. Tentei ver minha amiga pelo canto dos olhos em algum lugar da sala. Ela conversava tranquilamente com as pessoas a seu redor.
Como fazia isso? Por acaso a mesma gravação não a tinha apontado como uma das favoritas? Por que as pessoas ainda falavam com ela?
A sobremesa consistia em frutas variadas e sorvete de baunilha. Nunca tinha comido coisa igual. Se isso era comida, o que era aquilo que eu tinha posto na boca até então? Pensei em Maddie e em como gostava de doces tanto quanto eu. Ela teria adorado a sobremesa. Podia apostar que se daria muito bem ali.
Ninguém tinha autorização para deixar a mesa até que todas tivessem terminado. Depois disso, recebemos ordens estritas para ir direto para a cama.

— Afinal, vocês vão conhecer o príncipe Joseph pela manhã e vão querer estar bem dispostas e apresentáveis — explicou Silvia. — Ele é o futuro marido de alguém nesta sala, afinal.

Algumas garotas suspiraram diante dessa perspectiva.
O toc-toc dos sapatos subindo as escadarias era mais baixo dessa vez. Eu mal podia esperar para tirar os meus. E o vestido também. Tinha uma muda de roupas na mala e estava pensando se as usaria apenas para sentir que era eu mesma por uns instantes.
O grupo se dispersou no alto da escada e cada menina foi para seu quarto. Miley me puxou de lado.

— Você está bem? — ela perguntou.
— Estou. É que umas garotas ficaram me olhando torto durante o jantar — respondi, tentando não parecer reclamona.
— Elas só estão nervosas porque todo mundo gostou tanto de você — Miley garantiu, não dando muita importância ao comportamento das outras.
— Mas as pessoas também gostaram de você. Eu vi os cartazes. Por que as meninas não foram umas chatas com você também?
— Você nunca passou muito tempo com um grupo de garotas, passou? — ela tinha um sorriso malicioso nos lábios, como se soubesse o que estava acontecendo.
— Não. Quase sempre fico só com minhas irmãs — confessei.
— Você foi educada em casa?
— Sim.
— Bem, eu estudo com um monte de outras garotas da casta Quatro na minha província. Cada uma delas tem seu jeito de pisar no calo das outras. Elas querem conhecer a pessoa, descobrir o que mais a irrita.
Várias meninas me fazem elogios falsos ou comentários atravessados, coisas assim. Eu sei que pareço eufórica, mas no fundo sou tímida, e elas acham que podem me atingir com palavras.

Cocei a cabeça. Então elas faziam de propósito?

— E ainda mais você, uma pessoa quieta e misteriosa...
— Não sou misteriosa — cortei.
— É um pouco. E às vezes as pessoas não sabem se interpretam o silêncio como confiança ou medo. Elas olham como se você fosse um inseto para que você talvez se sinta como se fosse.
— Hum...
Fazia sentido. Comecei a pensar se meus modos de certa forma não cutucavam a insegurança das outras.
— O que você faz? Quero dizer, como você tira o melhor delas? — perguntei a Miley.
Ela sorriu.
— Ignoro. Conheço uma garota na minha cidade que fica muito irritada quando não consegue me incomodar e acaba de cara fechada. Então, não se preocupe — ela continuou. — Tudo o que você precisa fazer é não deixar que percebam que estão atingindo você.
— Elas não estão.
— Estou quase acreditando — disse Miley dando uma risadinha, um som cálido que evaporou naquele corredor quieto. — E você acredita que vamos conhecer o príncipe amanhã? — ela perguntou, passando para o assunto que considerava mais importante.
— Na verdade, não.

Joseph parecia um fantasma assombrando o palácio. Fazia parte dele, mas não estava lá de fato.

— Bem, boa sorte — ela desejou, e eu sabia que era de coração.
— Mais sorte ainda para você, Miley. Tenho certeza de que o príncipe vai ficar mais do que encantado ao conhecer você.

Apertei as mãos dela. Miley sorriu de um jeito emocionado e tímido ao mesmo tempo, depois foi para o quarto.
Quando me dirigia ao meu escutei Bariel resmungar alguma coisa com
a dama de companhia. Ela me viu e bateu a porta na minha cara.
Muito educada.
Minhas criadas estavam no quarto, claro, esperando para me despir e me lavar. Minha camisola, uma coisinha verde e frágil, já tinha sido estendida na cama. Elas tiveram a delicadeza de não tocar na minha mala.
As criadas eram eficientes e cuidadosas. Era óbvio que sabiam de cor essa rotina do fim do dia, mas não a faziam às pressas. Acho que a intenção delas era oferecer conforto, mas eu queria mesmo era despachá-las. Não podia apressá-las enquanto lavavam minhas mãos, desamarravam meu vestido e punham o broche prateado com meu nome na camisola. Enquanto faziam essas coisas, elas ainda lançavam perguntas que me deixavam incrivelmente constrangida. Eu tentava responder sem ser grossa. Sim, eu tinha visto as outras meninas; não, elas não falavam muito; sim, tinha sido um jantar fantástico; não, eu só ia conhecer o príncipe no dia seguinte; sim, eu estava muito cansada.

— E ia me ajudar muito a espairecer se pudesse passar um tempo sozinha — acrescentei ao final da última resposta, na esperança de que entendessem a deixa.
Na verdade, elas ficaram com um ar decepcionado. Tentei consertar.
— Vocês todas são muito prestativas. É que estou acostumada a ficar um pouco sozinha. E fiquei rodeada de gente o dia todo.
— Mas senhorita Singer, é nosso dever ajudá-la. É nosso trabalho — replicou Anne, que parecia ser a chefe delas. Ela estava à frente de tudo, Mary era a mais sossegada e Lucy parecia bem tímida.
— Gosto muito do trabalho de vocês, e com certeza vou precisar de ajuda para começar o dia amanhã. Mas esta noite só preciso relaxar. Se quiserem ajudar, um tempo sozinha seria bom para mim. E se vocês estiverem bem descansadas pela manhã, estou certa de que poderão fazer tudo da melhor maneira, não acham?

Elas trocaram olhares.

— Bem, imagino que sim — concordou Anne.
— Uma de nós deve ficar aqui enquanto a senhorita dorme. Caso precise de algo — disse Lucy, aparentando nervosismo, como se temesse a decisão que eu tomaria. Ela parecia dar uma leve tremida de vez em quando. Acho que era a timidez vindo à tona.
— Se eu precisar de algo, toco a campainha. Vai ficar tudo bem. Além disso, eu não ia conseguir dormir sabendo que alguém está me vigiando.

Elas trocaram olhares de novo, ainda um pouco céticas. Eu sabia um jeito de pôr fim nisso, mas detestava ter que usá-lo.

— Vocês devem obedecer todas as minhas ordens, certo?
Elas concordaram com a cabeça, esperançosas.
— Então eu ordeno que vão para a cama e me ajudem amanhã de manhã. Por favor.

Anne sorriu. Acho que ela estava começando a me entender.

— Sim, senhorita Singer. Nós a veremos pela manhã.

As três fizeram uma reverência e saíram do quarto. Anne me lançou um último olhar. Acho que eu não era exatamente o que ela esperava, mas não parecia estar muito irritada com isso.
Assim que elas saíram, descalcei minhas luxuosas pantufas e estiquei os dedos dos pés no chão. Ficar descalça dava uma sensação boa, natural. Comecei a desfazer minha mala, o que foi rápido. Mantive minha muda de roupa enfiada na mala e a guardei no armário gigantesco. Dei uma olhada nos vestidos. Eram poucos, o suficiente para mais ou menos uma semana. Acho que as outras tinham o mesmo número de vestidos. Por que fazer dúzias para uma garota que talvez saísse no dia seguinte?
Peguei as poucas fotos que tinha da minha família e prendi na moldura do espelho. Era tão alto e largo que podia ver as fotos sem tapar a visão do meu corpo. Eu tinha uma caixinha com bijuterias e laços que eu adorava. Provavelmente seriam considerados simples demais ali, mas eram tão pessoais que eu tive que levá-los comigo. Os poucos livros que carregara encontraram um lugar na útil prateleira próxima da porta que levava para a sacada.
Enfiei a cabeça pela porta e vi o jardim. Havia um labirinto de alamedas com bancos e fontes. As flores brotavam de toda parte, e cada uma delas estava perfeitamente podada. Para além desse pedaço de terra claramente produzido ficava um campo aberto, e mais adiante havia uma
floresta imensa. Estiquei-me ao máximo, mas não consegui ver se toda ela ficava dentro dos muros do palácio. Pensei por alguns minutos por que motivo ela existia, e então deparei com o último item de casa que segurava nas mãos.
Meu pequeno jarro com a moedinha dançante. Rolei-o nas mãos algumas vezes, escutando-a deslizar pelos cantos do vidro. Por que eu tinha levado aquilo? Para me lembrar de algo que não podia ter?
Esse simples pensamento — de que o amor que tinha construído por anos em um lugar quieto e secreto estava fora de alcance — fez meus olhos se encherem de lágrimas. Eu não conseguia aguentar mais essa depois de toda a emoção daquele dia. Não sabia onde o jarro ficaria, mas deixei-o no meu criado-mudo.
Baixei as luzes, arrastei-me sobre aqueles cobertores luxuosos e olhei para o jarro. Deixei-me levar pela tristeza. Deixei meu pensamento ir até ele.
Como eu podia ter perdido tanto em tão pouco tempo? Pensava que deixar minha família, viver em um lugar estranho e ser separada da pessoa amada eram acontecimentos que demoravam anos para ocorrer, não apenas um dia.
Eu me perguntava o que exatamente ele queria me dizer antes de eu partir. A única coisa que pude deduzir era que não se sentia à vontade para falar em voz alta. Seria sobre ela?
Olhei fixamente o jarro.
Será que ele queria pedir desculpas? Eu tinha lhe dito poucas e boas na noite anterior. Talvez fosse isso.
Será que ele queria dizer que tinha me superado? Bem, eu tinha visto claramente que sim, não havia por que dizer.
Será que ele queria dizer que não tinha me superado? Que ainda me amava?
Afastei o pensamento. Não podia deixar aquela esperança crescer dentro de mim. Eu precisava odiá-lo. Esse ódio me faria avançar. Ficar o mais distante dele pelo maior tempo possível era grande parte do motivo de estar ali.
Mas a esperança doía. E com ela vieram as saudades de casa. A vontade de que Maddie fosse escondida até minha cama, como fazia às vezes. E o medo de que as outras meninas me quisessem fora e continuassem me diminuindo. Depois o nervosismo de aparecer na TV para o país inteiro. E o terror de que alguém tentasse me matar como forma de protesto político. Tudo veio rápido demais para que minha cabeça confusa desse conta de processar num dia tão longo.
Minha vista ficou embaçada. Nem reparei quando comecei a chorar. Não conseguia respirar. Estava tremendo. Pulei da cama e corri até a sacada. O pânico era tanto que demorei um pouco para abrir a trava, mas consegui. Pensei que o ar fresco me faria bem, mas não fez. Minha respiração continuava curta e fria.
Não existia liberdade ali. As barras da sacada me mantinham presa. E eu podia ver os muros ao redor do palácio: altos, com guardas em pontos estratégicos. Precisava sair do palácio e ninguém ia permitir que isso acontecesse. O desespero me deixou ainda mais fraca. Olhei para a floresta. Poderia apostar que nem de lá conseguiria ver nada além do verde.
Voltei para dentro e travei a porta da sacada. Estava um pouco insegura com aquelas lágrimas nos olhos, mas consegui sair do quarto. Corri pelo único corredor que conhecia sem ver a arte, a tapeçaria ou os batentes dourados. Quase não percebi os guardas. Eu não conhecia muito bem o castelo, mas sabia que se descesse as escadas e virasse à direita ia encontrar as enormes portas de vidro que davam para o jardim. Eu só queria chegar até essas portas.
Corri pela imponente escadaria. Meus pés descalços soavam como tapinhas no chão de mármore. Havia mais um punhado de guardas, mas nenhum deles me parou. Quer dizer, não até eu chegar ao lugar que buscava.
Como antes, dois homens montavam guarda ao lado das portas, e quando tentei correr até elas, um dos homens se pôs à minha frente, e o bastão em forma de lança impediu minha saída.

— Perdoe-me, mas a senhorita deve voltar para o quarto — ele ordenou, com autoridade. Ainda que não falasse alto, sua voz trovejava em meio ao silêncio do elegante corredor.
— Não... não... Eu preciso... sair — as palavras se misturavam; eu não conseguia respirar direito.
— Senhorita, vá para seu quarto agora.

O segundo guarda caminhava na minha direção.

— Por favor — comecei a arfar. Pensei que ia desmaiar.
— Sinto muito... senhorita Demetria, certo? — ele achou meu broche. — A senhorita deve voltar para o quarto.
— Eu... não consigo respirar — gaguejei e caí nos braços do guarda que se aproximava para me empurrar.
O bastão dele caiu no chão. Agarrei-me a ele já sem forças. O esforço me deixou tonta.
— Deixem-na sair!

Era uma voz jovem, mas cheia de autoridade. Minha cabeça se voltou em sua direção, um pouco de propósito e um pouco sem querer. Ali estava o príncipe Joseph. Ele parecia um tanto estranho graças ao ângulo em que minha cabeça pendia, mas reconheci o cabelo e o jeito travado.

— Ela desmaiou, Alteza. Queria sair.

O primeiro guarda parecia nervoso ao tentar explicar. Ele se meteria em uma encrenca terrível se me machucasse. Eu era propriedade de Illéa.

— Abram as portas.
— Mas... Alteza...
— Abram as portas e deixem-na sair. Agora!
— Imediatamente, Alteza.

O primeiro guarda tratou de obedecer, sacando uma chave. Minha cabeça continuava numa posição estranha enquanto eu ouvia o tilintar das chaves e o ruído que uma delas produziu ao encaixar na fechadura. O príncipe me olhava com atenção enquanto eu tentava ficar em pé. Foi quando o cheiro doce do ar fresco tomou conta de mim e me deu toda a motivação de que precisava. Soltei-me dos braços do guarda e corri como uma bêbada para o jardim.
Eu ainda tropeçava um pouco, mas não me importava de parecer menos graciosa. Só precisava ficar lá fora. Deixei meu corpo sentir o ar morno na pele, a grama sob os pés. De algum modo, até a natureza parecia extravagante ali. Eu queria percorrer todo o caminho até as árvores, mas minhas pernas só podiam me carregar até aquele ponto. Cambaleei diante de um pequeno banco e ali fiquei: com a camisola verde e fina sobre a terra e a cabeça apoiada no braço sobre o assento.
Meu corpo não tinha forças para soluçar, então as lágrimas desceram em silêncio. Ainda assim, tiraram toda a minha concentração. Como tinha chegado até ali? Como eu tinha deixado isso acontecer? O que seria de mim? Algum dia eu conseguiria pelo menos um pedaço da vida que tinha antes disso de volta? Eu simplesmente não sabia. E não havia nada que pudesse fazer quanto a isso. Estava tão perdida em meus pensamentos que só percebi que tinha companhia quando o príncipe Joseph começou a falar comigo.

— Está tudo bem, querida? — ele perguntou.
— Eu não sou sua querida.

Levantei a cabeça para encará-lo. Era impossível não notar o nojo no meu tom de voz e nos meus olhos.

— O que eu fiz para ofender a senhorita? Por acaso não lhe dei exatamente o que queria?

Ele ficou confuso com a minha resposta. Acho que esperava que o adorássemos e agradecêssemos aos astros por sua existência.
Encarei-o novamente, sem medo, embora não tivesse dúvida de que o efeito fora diluído pelas lágrimas nas minhas bochechas.

— Com licença, querida, mas você vai continuar chorando? — ele perguntou, parecendo muito incomodado com minhas lágrimas.
— Não me chame assim! Não sou mais querida para você do que as outras trinta e quatro estranhas que você mantém aqui nessa jaula.

Ele se aproximou, sem parecer minimamente ofendido por minhas palavras vis. Só parecia... pensativo. Havia uma expressão interessante em seu rosto.
O príncipe tinha um andar gracioso para um rapaz, e parecia incrivelmente confortável dando voltas ao meu redor. Minha coragem se desmanchou um pouco diante da estranheza da situação. Ele estava completamente vestido, com seu terno ajustado, e eu estava encolhida e seminua. Se sua posição na hierarquia já não me assustava muito, sua atitude ainda assustava. Ele devia ter vasta experiência em lidar com pessoas infelizes; suas respostas eram excepcionalmente calmas.

— Sua afirmação é falsa. Todas vocês são queridas por mim. Trata-se simplesmente de descobrir quem há de ser a mais querida.
— Você disse mesmo “há de ser”?

Ele segurou uma risada.

— Receio que sim. Perdoe-me. É fruto da minha educação.
— Educação — resmunguei. — Ridículo.
— Perdão?
— É ridículo! — gritei, recuperando um pouco de coragem.
— O que é ridículo?
— O concurso! Tudo! Você nunca amou ninguém na vida? É assim que quer escolher sua mulher? Você é baixo a esse ponto?

Ajeitei-me um pouco no chão. Para facilitar minha vida, ele se sentou no banco, de modo que eu não precisava mais me torcer. Eu estava muito brava para agradecer.

— Entendo que possa dar essa impressão, que tudo possa ser visto como entretenimento barato. Mas meu mundo é muito fechado. Não conheço tantas mulheres. As poucas que conheço são filhas de diplomatas, e geralmente temos pouquíssimos assuntos em comum. Isso quando falamos a mesma língua.

Joseph achava aquilo engraçado e deu uma risadinha. Não fiquei impressionada. Ele limpou a garganta.

— Sendo essas as circunstâncias, nunca tive a oportunidade de me apaixonar. E você?
— Tive — respondi na lata.

Logo que as palavras saíram de minha boca, quis pegá-las de volta. Era um assunto particular, não era da conta dele.

— Então você teve muita sorte — havia um pouco de ciúme em sua voz.
Imagine só! A única coisa que eu podia atirar na cara do príncipe de Illéa era exatamente aquilo que eu queria esquecer.
— Minha mãe e meu pai se casaram assim e são muito felizes. Tenho esperança de alcançar a felicidade, de encontrar uma mulher que toda a Illéa possa amar, alguém que possa ser minha companheira e me ajude a receber os líderes de outras nações. Alguém que seja amiga dos meus amigos e minha confidente. Estou pronto para encontrar minha esposa.

Algo em sua voz me abalou. Não havia nenhum traço de sarcasmo. Aquilo que parecia pouco mais que um programa de TV para mim era a única chance que o príncipe tinha de ser feliz. Ele não podia pedir um segundo lote de mulheres. Bom, talvez pudesse, mas seria vergonhoso. Estava tão desesperado, tão esperançoso... Senti minha raiva por ele diminuir. Um pouco.

— Você realmente acha que aqui é uma jaula? — os olhos dele estavam cheios de compaixão.
— Sim, eu acho — minha voz saiu calma. Rapidamente acrescentei: — Majestade.

Ele riu.

— Eu mesmo já pensei nisso mais de uma vez. Mas você deve admitir que é uma jaula muito bonita.
— Para você. Encha sua jaula com mulheres brigando pela mesma coisa e veja que legal é.

Ele levantou as sobrancelhas.

— Mas já ocorreram discussões por minha causa? Será que vocês não percebem que sou eu que faço a escolha? — ele disse, rindo.
— Na verdade, não é bem assim. Elas brigam por duas coisas. Algumas por você, outras pela coroa. E todas pensam já saber o que falar e dizer para que sua escolha seja óbvia.
— Ah, sim. O homem ou a coroa. Receio que algumas não saibam ver a diferença — afirmou, balançando a cabeça.
— Boa sorte com isso — comentei, seca.

Tudo ficou calmo depois dessa demonstração de sarcasmo. Olhei para ele com o canto dos olhos, desejando que dissesse algo. O príncipe fitava a
grama com o rosto cheio de preocupação. Parecia que essa ideia o estava infernizando já havia algum tempo. Ele respirou fundo e se voltou para mim.

— E você, pelo que luta?
— Na verdade, estou aqui por engano.
— Engano?
— É, mais ou menos. Bem, é uma longa história... Estou aqui. E não estou lutando. Meu plano é aproveitar a comida até você me chutar.

Ele riu tanto que se inclinou para trás e deu um tapa no joelho. Uma mistura bizarra de rigidez e calma.

— O que você é?
— Como?
— Um? Dois?

Será que ele não prestava atenção?

— Sou Cinco.
— Ah, sim. Então a comida deve ser um bom motivo para ficar.

Ele riu de novo e continuou:

— Sinto muito, não consigo ler seu broche no escuro.
— Meu nome é Demetria.
— Muito bem, perfeito.

Os olhos de Joseph se perderam na noite e ele sorriu sem motivo aparente. Algo nisso tudo o impressionava.

— Demetria, minha querida, espero muito que encontre algo nesta jaula por que valha a pena lutar. Depois de tudo isso, não posso deixar de imaginar como seriam as coisas se você realmente se esforçasse.

Ele desceu do banco e se agachou ao meu lado. Estava perto demais. Eu não conseguia pensar direito. Talvez estivesse um pouco ofuscada pela fama dele. Ou ainda um pouco abalada pelo choro. Em todo caso, estava chocada demais para reclamar quando pegou minha mão.

— Se isso a deixar feliz, posso informar aos funcionários que você prefere ficar no jardim. Assim, você pode vir aqui à noite sem ser incomodada pelos guardas. No entanto, acho que seria bom se houvesse sempre um deles por perto.

Eu queria. Qualquer tipo de liberdade me parecia uma bênção, mas eu precisava ter certeza absoluta de meus sentimentos.

— Não... não sei se quero algo que venha de você — eu disse, puxando meus dedos daquela mão que me segurava de leve.

Ele ficou um pouco surpreso e magoado.

— Como quiser.

Senti mais arrependimento. Não gostar daquele cara não significava que eu podia magoá-lo.

— Você vai voltar para dentro daqui a pouco? — ele perguntou.
— Sim — respondi com um suspiro, olhando para o chão.
— Então vou deixá-la com seus pensamentos. Haverá um guarda perto da porta esperando.
— Obrigada, errr... Alteza.

Balancei a cabeça. Quantas vezes eu o tinha tratado indevidamente na conversa?

— Querida Demetria, você poderia me fazer um favor? — ele pegou minha mão novamente. Parecia muito persistente.

Olhei-o com o canto dos olhos, sem saber direito o que dizer.

— Talvez — repliquei.

Seu sorriso voltou.

— Não conte isso às outras. Tecnicamente, não devo conhecê-las até amanhã. Não quero irritar ninguém. Embora não possa dizer que seus gritos tenham qualquer semelhança com um encontro romântico, não acha? Foi minha vez de sorrir:
— Nem de longe! — respirei fundo e acrescentei: — Não contarei.
— Obrigado.

Ele encostou os lábios na minha mão. Antes de se afastar, pousou-a delicadamente sobre minhas pernas.

— Boa noite — concluiu.

Olhei para o local do beijo na minha mão, atônita por uns segundos. Então voltei o rosto para ver Joseph sair e me dar a privacidade que eu passara o dia querendo.


E como a fic tá? Tá pegando fogo!
E ai, Garotas, o que acharam do Príncipe Joseph?

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